Lembro-me ainda, como se fosse hoje. Era o ano de 1982 e a inflação começava a dar sinais de ter saído do controle, de forma definitiva. Mas, estávamos no mês de junho e a seleção de Telê encantava o mundo e a todos nós, amantes do bom futebol.
Vá lá que já havíamos, também naquela ocasião, recebido a ajuda do juizão, na partida contra a Rússia. Mas o time comandando por Sócrates, Falcão, Zico, Cerezzo dava show a cada jogo, enchendo nossos olhos. Mesmo sem o ponta tão pedido por uma das personagens de Jô Soares.
E aí veio a partida contra a Itália, no Sarriá, num dia 5 de julho. Partida que não assustava a nenhum de nós, já que a Itália tinha se classificado com uma campanha que poderia ser classificada, no mínimo, como ridícula. Três empates. Ao contrário de nossa equipe campeã. Sim, porque sempre somos campeões, desde o início da competição até o momento em que desmoronam-se nossos sonhos. O que acontece grande parte das vezes, enterrando não nossa expectativa e aspirações, mas nossa arrogância.
Talvez seja difícil reconhecer e falar a respeito disso, mas o Brasil e a torcida brasileira é de uma arrogância ímpar, quando se trata de nossa seleção e da Copa do Mundo.
Arrogância que soa, estimulada pela mídia e ao contrário do que muitos entendem, como sinal de que não perdemos ainda, nem no futebol, ou muito menos nesse esporte, o nosso complexo de vira-lata.
Tanto que nas redes de televisão, à noite, somos o país do futebol.
Comportamento que assinala certo desrespeito a todos os demais países, alguns com tanta história no futebol e nas Copas, quanto nosso time.
Mas, veio o Sarriá e nossa equipe, no embalo de toda a torcida, inclusive eu, claro, entrou de salto alto. E tão alto era o salto, que caímos do galho.
3 a 2 para a Itália. Três gols de Paolo Rossi, que abria alí, o caminho para se tornar artilheiro da Copa, e a Itália, a grande campeã do Mundo.
Com um gol nascendo de uma jogada em que Cerezzo resolveu atender a todo o pedido de nossa imprensa e de nossa torcida, no sentido de ficar segurando a bola, de ficar ganhando tempo, já que jogando com um placar que nos classificava. Situação que levou o meio campo a ficar tocando a bola, fazendo-a cruzar à frente da área, uma jogada que todos sabem, de grande grau de risco.
Mas, feito o passe que cruzou a área, o que se viu foi um Júnior esperando a bola chegar a seus pés, enquanto Luizinho a tudo assistia imóvel. O que permitiu ao atacante italiano roubar a bola e entrar livre para decretar nossa queda.
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Nem era esse o assunto dessa minha análise, mas até hoje estava engasgada em minha garganta, a jogada, e o pior, a imputação a Cerezzo, da responsabilidade por nossa derrota, especialmente em decorrência dos comentários feitos pela imprensa carioca, no que teve a ajuda muito essssperta do lateral do Flamengo.
Que eu saiba, o que Cerezzo fez, embora errado, contou com a colaboração e as falhas de toda a defesa, ou ao menos, com a ala esquerda da defesa, destacando-se Júnior, o primeiro a correr para tirar o corpo fora, deixando o meio-campista no fogo.
Gol, quando um time toma, é resultado ou de jogada muito bem tramada do adversário, ou de falha COLETIVA do time vitimado.
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O que me faz aproveitar a oportunidade para dizer como foi bom, mesmo depois de tanto tempo, ver o Lélio Gustavo tocar no assunto e distribuir a Júnior e a Luizinho a parcela de responsabilidade que tocou a cada um naquele lance.
Que teve falha de Cerezzo, de Júnior e de Luizinho.
Parabéns ao Lélio por colocar a questão na perspectiva adequada.
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Mas, o que eu queria dizer é que foi naquele dia da derrota do Sarriá, que foi anunciada a inflação de junho, que alcançava a cifra astronômica de 8%.
Professor de Economia já àquela ocasião, lembro-me de ter achado muito oportuno para o governo militar de plantão, o anúncio da perda de controle sobre o movimento dos preços exatamente em uma ocasião em que as manchetes seriam todas inundadas pelo choro derivado da desclassificação.
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Analisada retrospectivamente, aquele anúncio seria apenas o início de um processo que, em 1986 obrigou o governo a adotar o plano de congelamento de preços no mês de fevereiro, o Cruzado, por culpa de uma inflação que alcançou os 17%. Valor esdrúxulo, para uma economia que ainda iria atingir o recorde de mais de 85% em março de 1989.
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Mas, agora retomando nosso assunto original, vejo hoje que a Copa permanece dando oportunidade a que as notícias ruins sejam fornecidas à sociedade, como por exemplo, a notícia de que o Banco Central alterou para mais a sua previsão de inflação para o ano, que chega agora ao patamar de 6,4%.
Ao mesmo tempo, elevou a expectativa de elevação de preços para 2015, enquanto anunciou a manutenção da meta de 4,5% de inflação para o sistema de metas para o ano de 2016. Com a tolerância de uma variação para mais ou para menos de 2 pontos percentuais.
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Está certo que a vida não parou por conta da Copa, e que as notícias, boas ou ruins continuam sendo criadas a cada momento.
No nosso caso, apenas as notícias deixam clara a sensação de que a economia brasileira está mesmo atravessando um processo de deterioração, seja das contas públicas (cujo resultado oficial está previsto para amanhã, dia 27), seja da geração de empregos formais no mês de maio, seja no resultado da balança comercial e no resultado de nossa balança em transações correntes.
Pois bem, essa última é a que, nesse momento, merece mais minha preocupação, já que lembrando o ministro Simonsen, o câmbio mata.
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Mas que é interessante observar como que, para as autoridades de governo, a realização de um evento como o da Copa do Mundo é de muito boa valia, isso não há como negar.
O que justifica, para lá dos gastos com a Copa, a realização de eventos com a dimensão dessa competição.
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