terça-feira, 23 de junho de 2015

Inflação e política monetária de asfixia: contradições de analistas do mercado.

Que o sistema de metas de inflação eleja como principal, para não dizer único instrumento de combate à inflação o uso das taxas de juros, não passa despercebido a ninguém.
Que desde sua implantação, às vezes até desnecessariamente já que a inflação estava abaixo da meta, as taxas de juros no Brasil foram mantidas muito mais elevadas do que seria o necessário ou o recomendável, gerando críticas de vários setores e analistas da economia, também é do conhecimento público, mesmo que a memória coletiva do país já vá se definhando a esse respeito.
Apenas para reavivar a memória, vide governo Lula e a política monetária de Henrique Meirelles, à frente do Banco Central.
Também não é fato desconhecido, ao menos dos que atuam nos mercados,  que a manutenção de taxas de juros estratosféricas teve colaboração decisiva na transformação do nosso país na Meca dos capitais estrangeiros, que visavam obter a remuneração recorde aqui prometida, situação que remonta, ao menos à época de implantação do Plano Real e, portanto, anterior à utilização do sistema de metas de inflação.
Por outro lado, a consequência natural de fluxos de capitais desregulamentados, câmbio flutuante e taxas de juros recordistas, como os manuais de economia insistem em apontar é a apreciação da moeda nacional, com todos os efeitos deletérios que isso acarreta. Em especial no tocante aos reflexos sobre nossa indústria e nossa competitividade.
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Ainda assim, quando em agosto de 2011, ao voltar de reunião do grupo dos países mais ricos extremamente preocupado com o teor das informações que circulavam a respeito da possibilidade de agravamento da crise de depressão que varria o mundo, ainda como resultado da crise financeira de 2008,  o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini começou a liderar uma queda inusitada das taxas de juros, não foram poucos os que passaram a acusá-lo de estar na direção contrária da política recomendada apenas para agradar a "patroa", a presidenta Dilma.
Os analistas e consultores dos mercados, normalmente identificados com os interesses dos capitais financeiros que eram também os que mais perderiam com a queda das remunerações dos títulos financeiros (em especial, públicos), aproveitaram a oportunidade para torpedearem a queda de juros sem a menor consideração dos efeitos positivos que isso poderia provocar para a economia do país, em especial para interromper o processo de sucateamento de nossa indústria. 
Alegando que a inflação estava saindo de controle, não foram poucos os que, com a colaboração do discurso oficial, passaram a assistir e anunciar o que chamaram de abandono dos fundamentos macroeconômicos da nossa economia, substituído por uma nova matriz macroeconômica. 
Para os críticos, tratava de abandonar o sistema de metas de inflação que tanto benefícios (?) havia gerado, o câmbio flutuante, já que o Banco Central começou a atuar mais fortemente no mercado futuro do câmbio, com operações de swap, e o rigor fiscal, medidas que compunham o tripé da boa economia.
Note-se que, para os críticos, o abandono do sistema de metas seria dar margem ao retorno de uma inflação que começava a mostrar seus dentes, muito em função de problemas climáticos, que afetavam os alimentos e seus preços.
No entanto, para os analistas de mercado consultados, a grande responsabilidade da retomada da inflação era o populismo de Dilma Roussef e sua política de elevação real dos salários, já que trabalhador naquele momento, como sempre não pode ser o protagonista nem o principal beneficiário das políticas econômicas, de cunho distributivista. 
Contribuía para a sustentabilidade da inflação a leniência do Banco Central em relação à política monetária, o que não seria necessário enfatizar, apenas se dava por força da prática de política monetária mais frouxa.  De juros menores. 
Nem importava se as políticas macroprudenciais adotadas pelo Banco serviam para, de certa forma, atenuar a redução promovida dos juros.
Nada disso era considerado. Nem mesmo o fato de que foi Tombini, quando esteve à frente do equivalente à Diretoria de Política Econômica do BC quem elaborou o projeto do sistema de metas, que agora era acusado de estar desmontando.
Tudo para agradar à chefa.
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Pois bem, hoje sabemos que o país não respondeu, as classes empresariais não responderam como se esperava a todo o arsenal de medidas com que o governo, até afoitamente, procurou estimular a retomada do crescimento econômico. 
Os empresários não investiram, e o governo continuou lhes concedendo benesses sem justificativa em função do não retorno, o que colocou a própria situação de caixa do governo em situação debilitada.
Mas, pouco se comenta de uma questão que é tão crucial para o modelo teórico que fundamenta as críticas que é a macroeconomia novo-clássica: a questão da transparência do mercado. Da fluidez das informações que circulam e permitem aos agentes otimizadores, tomarem decisões e/ou se anteciparem a qualquer decisão de política econômica do governo, o que torna tais políticas inócuas.
Refiro-me ao fato de que com tanta análise e tanta opinião dos analistas de mercado contrárias à política adotada pelo Banco Central, de redução dos juros, todas elas criticando a medida como inflacionária, não é de se estranhar que todos os agentes começaram a incorporar tal expectativa de elevação de preços em suas projeções. Mesmo nas projeções mais precárias. 
E, também isso ajudou a que os empresários não se sentissem estimulados a investirem. E pior: ajudou a que todos começassem a se preocupar em se defender da alta de preços, antecipando os repasses de seus preços de forma a não ficar atrás na corrida que o mercado divulgava já estar em pleno desenvolvimento.
Não deveria trazer estranheza o fato de que houve, como alguns estudos mostraram, dispersão de preços ou seja, os preços começaram a se elevar em vários setores, o que demonstra que o movimento de resistência da inflação se disseminava.
Mas ninguém lembrou-se de imputar às informações transparentes do mercado e suficientemente difundidas qualquer responsabilidade por estarem agindo como indutoras e não como difusoras do comportamento. 
O que, de resto, é muito difícil se mensurar.
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Mas, Dilma conquista o segundo mandato e muda toda a política econômica. De uma penada apenas, altera o comando da economia, trazendo para a frente da batalha um liberal, ou neo-liberal, Joaquim Levy. 
Com isso, ganha força e tem ânimo para reagir a porção Tombini mais liberal, e o Banco Central que já vinha praticando uma política atendendo aos reclamos dos mercados, de elevação dos juros, assume a postura dele exigida, e passa a evitar a leniência, com uma desmedida agressividade na política monetária. 
E, em função do sistema de Metas, e de sua cobrança pelo mercado, os juros começaram a subir até atingir alturas não imagináveis há quatro anos. E, pior, carregando a inflação de carona.
Mais sobem os juros, mais a inflação responde. 
Mais sobem os juros, mais a demanda cai, mais os empresários que têm poder de formação de preços elevam suas margens, compensando a queda nas vendas. Ou então: mais sobem os juros, mais a disseminação da inflação provoca a necessária correção de preços por parte dos agentes formadores de preços, antecipando-se e fazendo realizar aquilo que era apenas uma profecia.
Ou ainda: mais sobem os juros, mais se elevam os custos financeiros, o que faz com que caia a demanda agregada, a produção, a renda, a receita do governo, se reduza a possibilidade do superávit primário prometido, se eleve a necessidade de colocação de títulos públicos para financiamento do governo, e mais sobem os juros, mais capitais externos são atraídos, e mais o real se valoriza e mais a indústria se desmorona. 
O desemprego aumenta, como os gastos do governo com seguro desemprego, e liberação de FGTS, e mais o mercado atemorizado pela deterioração da dívida pública ou de sua relação com o PIB, acusa do governo de...
Bem, a inflação não cede, mesmo assim.
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Mas o mercado acusa o governo de... estar praticando política monetária muito rigorosa em meio a um ajuste fiscal que necessita ser agressivo.
É isso que se depreende de entrevistas que os jornais têm trazido com economistas como José Roberto Mendonça de Barros, que acusa o Banco Central de estar exagerando a dose, elevando os juros mais que a capacidade de nossa economia é capaz de suportar, já que o BC encontra-se em uma armadilha. 
Para o economista, a armadilha é que o BC se comprometeu e divulgou que iria elevar os juros até que a previsão dos analistas de mercado convergisse para a meta de 4,5% ao final de 2016. Como a pergunta que não quer calar não foi feita, se os analistas de mercado querem mesmo que a meta convirja para o centro ao final de 2016, resta a dúvida se eles estão satisfeitos com a remuneração que estão obtendo, enquanto os juros sobem por não haver a tal convergência. 
Diz Mendonça de Barros que o BC agora não pode voltar atrás e deverá continuar praticando a política que está   asfixiando nossa economia. Como quem quisesse eliminar a leniência de três anos em um. 
Faça-me o favor, não é a alma do regime de metas, que também Mendonça de Barros cobrava ter continuidade, a utilização dos juros, sob o risco de a política monetária ficar desacreditada?
Ou o professor esqueceu-se de que o uso da política monetária, tão somente, acarreta mesmo o óbito do paciente, que estava internado apenas para obter a redução da febre e mal estar que o acometia?
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Ao menos Henrique Meirelles tem mais coerência, ao admitir em sua coluna da Folha de São Paulo que, mesmo com a economia sofrendo da recessão que se aprofunda em função da política monetária apertada, esse é o único caminho.
Eu posso não concordar, mas que é melhor ouvir quem não muda de opinião ao sabor das circunstâncias, já que tais mudanças podem apenas esconder questões políticas (mais até que ideológicas)  por trás de toda a análise isso lá é verdade. 
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Enquanto isso, o mercado continua estimando queda do PIB que não deve ficar diferente de 2%, queda de receitas,  superávit não cumprido, chegando à metade da promessa. Em compensação, a dívida pública em relação ao PIB irá crescer, e o desemprego junto. 
E a inflação, hein... que surpresa, provocada ainda e sempre pelo aumento das tarifas de energia, resquício ainda de Dilma I. 
Pergunto-me quando o fantasma de Dilma I não puder mais ser utilizado como justificativa de tudo de ruim que ocorre na nossa economia, o que será usado como seu substituto?
A ver. 

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