quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Saudades ou nostalgia, de um tempo em que o Nordeste era celeiro reconhecido de nossos melhores valores humanos. E duas observações, sobre Lula e sobre Dilma.

Saudades de meu tio Acácio, irmão mais velho de minha avó e com quem tive o prazer de conviver por 15 anos. Foi em conversa com ele que ouvi pela primeira vez a história, causo ou lenda, a respeito do motorista de caminhão que mandou pintar no para-choque de seu veículo e instrumento de trabalho a frase “Não me importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar.
Dando uma checada no Google, pai dos burros mais modernos, verifiquei que a música gravada por Jorge Veiga, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira chegou a ser censurada, pelo caráter imoral de sua letra, em cujo primeiro verso, em troca do carinho de uma moça, um homem dizia que iria a pé ao Irajá, não importando nem que mula mancasse, já que ele queria era rosetar.
Consultando o significado de rosetar, constatei tratar-se de algo como esporear, ou sentar a espora.
No entanto, a palavra tinha um segundo uso, um segundo sentido, podendo também significar divertir-se muito, brincar, folgar, pagodear...
Na história de meu tio, impedido de entrar e circular em uma pequena cidade do interior, pelo prefeito defensor da moral e dos bons costumes, o motorista não quis afrontar a autoridade e mandou trocar a frase perigosa.
Ao voltar e entrar na cidade, seu para-choque tinha outra frase, mais respeitosa: “Continuo querendo”.
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Saudades de um mineiro a quem não tive o prazer de conhecer, exceto por referências e citações sempre positivas, elogiosas, o político e ex-governador de Minas Gerais, Milton Campos. Talvez explique não o ter conhecido, o fato de ele ser da UDN, partido contrário àquele dos políticos mais relacionados a minha família. Razão porque aprendi a não nutrir muitas simpatias pela sigla.
Jurista de competência reconhecida, dele ouvi uma história curiosa e reveladora de seu bom humor. Segundo a história, estando ele voltando de Brasília para passar o fim de semana em sua terra, justo quando ocupava o cargo de ministro da Justiça de um dos governos da ditadura militar implantada no país, a aeromoça percebeu certo desconforto do ministro, que a todo instante mexia nervosamente no nó de sua gravata.
Solícita, aproximou-se e perguntou: o senhor está sentindo falta de ar, ministro?
Não, minha filha. Estou sentindo falta de terra.
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Mas a história que me faz recordar do ministro é outra. Diz respeito a sua decisão de exonerar-se do ministério, por não concordar e recusar-se a assinar um dos Atos Institucionais então lavrado pelo governo do general Castelo Branco, o Ato nº 2.
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Saudade do político mineiro, político, ex-senador, empresário, ex-presidente da FIEMG, ex-vice-presidente da República no mandato de Luis Inácio Lula da Silva, José Alencar.
Vice-presidente que sempre mostrou lealdade, ao menos para consumo externo, da população brasileira, ao presidente Lula, a quem transferiu prestígio, e a quem serviu de avalista junto à classe empresarial.
Toda vez que, como empresário que era, achava um absurdo a taxa de juros básica adotada na economia brasileira, a mais elevada do planeta, não se omitia e, de forma franca, até mesmo dura, dizia aquilo que estava pensando. Sem subterfúgios. Sem falar pelas costas. Falando abertamente. Criticando às claras, a política econômica que, em sua opinião, asfixiava o setor empresarial e emperrava os investimentos.
Ao contrário de outros vices, que preferiram se omitir e ficar nas sombras, de onde não mereciam ter saído nunca. Tão frouxos e pusilânimes, que preferiram se enclausurarem, ficarem em obsequioso silêncio, até que surgisse a oportunidade para, não frente a frente, mas pelas costas, por meio da imprensa, poder manifestar seu desagrado com o papel supérfluo a que sua pequenez o reduziu.
Claro, preferível sempre manifestar-se fazendo uso da imprensa, já que sempre seria possível, depois e se necessário, alegar que foi mal interpretado ou teve suas palavras distorcidas.
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Saudades de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, homens que sempre batalharam por suas crenças, certas ou erradas. Sempre defenderam suas ideias, agradassem ou não aos setores mais privilegiados da sociedade. E por isso, foram ridicularizados, ou combatidos pela mais feroz e golpista imprensa de nosso país.
De Brizola, apenas lembrar de sua defesa intransigente da legalidade, que culminou na formação da Rede da Legalidade. Ou da sua briga vitoriosa contra a rede Globo e o golpe tramado para que o resultado de sua eleição para o governo do Estado do Rio de Janeiro pudesse ser alterado, no escandaloso caso Proconsult.
Antes, governador do Rio Grande do Sul, foi o governador responsável por tornar o estado gaúcho, o de menor grau de analfabetismo do país.
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De Darcy, com quem tive o prazer de estar apenas uma vez, saudades do espírito lúcido, preocupado com a questão principal de nosso país. Conforme reconhecido por todos: a educação. Uma educação integral, para a cidadania.
Darcy foi o autor dos Cieps, uma das maiores ideias de educação no nosso país e depois ridicularizados pela parcela mais conservadora de nossa elite.
Foi também quem declarou certa vez que:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. 
Tentei salvar os índios, não consegui. 
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. 
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. 
Mas os fracassos são minhas vitórias. 
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
Esta a razão de ter sido citado por Dilma na tarde de ontem, no discurso que deu no Alvorada depos de destituída da presidência da República.
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Saudades de Celso Furtado, paraibano, nos livros de quem aprendi e passei a entender as raízes e razões, a partir de nossas origens, de grande parte das mazelas com as quais, até hoje como brasileiros, somos obrigados a conviver.
Saudades de Rui Barbosa, baiano, que em minha infância aprendi a respeitar como a Águia de Haia, e que tanto enobrece e é citado em nosso Senado.
Saudade de Clóvis Beviláqua, cearense, jurista , tido como um dos maiores civilistas, senão o maior de nosso país.
Autor do Código Civil que durou de 1916 até os primeiros anos do atual século.
Saudade de Chico de Oliveira, com quem convivi como seu aluno no curso da Fundação Getúlio Vargas, nos idos de 1977. Nordestino, também, do Recife e um dos fundadores da Sudene.
Saudade de muita gente do nosso Nordeste, que com garra e amor ao país e ao povo brasileiro, dedicou-se a analisar, entender e propor soluções para os nosso problemas e para redimir o sofrido povo brasileiro de toda a exploração a que foi submetido, ao longo de toda sua história.
Saudade, em especial, de uma época em que a nação reconhecia suas principais figuras, como as citadas acima, que sem ostentarem o título de heróis, foram verdadeiros merecedores de tal honraria.
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Nessa época, nem o Sul, também cheio de valorosos personagens, nem o Sudeste, acreditavam que eram melhores e que sua população era melhor e mais merecedora de benefícios e gratidão que o sertão ou semi-árido nordestino.
Época de que tenho saudade, porque o Brasil se via como um povo, uma história, um destino. E não como o tecido social que muita gente sem um mínimo de conhecimento da nossa origem e história acabam contribuindo apenas para tornar mais esgarçado.
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Pois vem desse Nordeste o ex-presidente Lula que, me parece, por ter realizado o sonho de vencer e alcançar os seus objetivos de muitos de nossos cidadãos de origem mais humilde e vidas mais marcadas por sacrifícios e lutas, tornou-se o inimigo público n° 1, a besta fera a ser caçada para saciar a fome de inveja de muitos de nosso país.
Querem caçar Lula, não pelo conjunto da obra, mesmo sendo ele o criador de Dilma. Caçam Lula não pelo fato de ter se locupletado ou roubado escandalosamente. Pode até ser que tenha mesmo motivos para que ele seja objeto de investigações severas.
Afinal, ninguém aqui é inocente ou tolo, a ponto de achar que ele estaria isento das tentações dos homens comuns, de se aproveitarem de momentos favoráveis, de prestígio.
Como não sou lulista, nem seu advogado de defesa, não sou eu que vou tomar aqui sua defesa a toda sorte.
Apenas manifesto que creio que, parte da população quer vê-lo em má situação, apenas por ele servir para todos como um exemplo da sua própria incapacidade. Ao partir de condições semelhantes de outros, e chegar em posições que os outros não foram capazes, Lula é a prova viva de suas incompetências. De suas fraquezas.
De outra parte da população, o sentimento é aquele devotado a todos aqueles que são considerados como intrometidos. Pessoas que não sabem reconhecer seu lugar e que penetram nos ambientes a que não deveriam ter acesso, para mostrar aos ali presentes, como é frágil o mundo, os valores e as proteções que eles acharam que teriam desenvolvido para garantia de seus privilégios.
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Lula torna-se a caça número 1. O alvo para o qual todas as atenções se voltam. Pode ser que, repito, até com razões para tanto.
Mas que é estranho que o comportamento manifestado contra ele, não seja o mesmo adotado em relação a outros políticos, sempre citados nas denúncias e também sempre com mal feitos abafados, não divulgados ou relegados ao esquecimento, isso não há como negar.
Nada contra pegarem Lula, se ele tiver culpas no cartório. Mas que não seja algo apenas contra um nordestino. Pobre, analfabeto, operário, seja lá o adjetivo que queiram lhe atribuir por sua origem humilde.
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Por fim, saudades da presidência de Dilma, encerrada ontem, em minha opinião sem razões suficientes, salvo a de ser arrogante, não agradar a ninguém, não ter diálogo, ser autoritária e mandona, até sem muita educação ou ternura.
Época em que o golpe ainda estava em curso, e eu podia referir-me a temer como usurpador.
Hoje tudo mudou. E agora, o cargo maior de nossa República tem novo ocupante. Em minha opinião um ocupante que o alcança diminuindo sua aura de respeito e consideração.
Mas agora, novo ocupante, a quem não posso mais referir-me no diminutivo. Razão porque não vou mais referir-me a ele, exceto como o ocupante do cargo. Sem citar nomes e dar-lhe qualquer reconhecimento.
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Só para concluir. A manutenção dos direitos políticos da presidenta deposta sob motivos não justificáveis ou aceitáveis, apenas mostra a covardia dos que votaram por sua queda, sabedores de que não havia motivos suficientes para tal punição.

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