Em A Sociedade Aberta e
os seus Inimigos, o filósofo Karl Popper aponta 3 contradições ou paradoxos - aquele
tipo de pensamento ou declaração contrária aos princípios mais básicos do pensamento
humano. Um desses ilogismos seria o paradoxo da liberdade. Outro, o da democracia.
A terceira contradição
seria o paradoxo da tolerância, assim apresentada:
"A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se
estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos
preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância,
então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles.”
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E segue esclarecendo não
ser favorável à supressão de filosofias intolerantes, desde que fosse possível
combatê-las e mantê-las sob crítica junto à opinião pública. “...Suprimi-las
seria ... imprudente.”
Mas, destaca que “devemos-nos reservar o direito de
suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força”
E conclui que: Devemos-nos, então, reservar, em nome da
tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer
movimento que pregue a intolerância fique à margem da lei.”
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Em suas várias dimensões,
o fascismo ou extremismo de direita não pode ser tolerado como natural. E, dada
a ausência do uso de argumentos racionais em sua escalada para dominar a
sociedade e fazê-la se curvar aos seus desejos, não podemos levar à última
consequência nossa fé na defesa das liberdades de expressão, de opinião, de
informação.
Há que se ponderar o
risco de a intolerância destruir o espaço que lhes assegura o direito mesmo de
ser intolerante.
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Alerta que deve nortear nosso
juízo de valor sobre pretensa “censura” do TSE e de seu presidente, sempre açodado
como cão policial a farejar nacos de projeção pessoal, não raro embaladas de
cunho autoritário.
Mas, admita-se que, ao
menos até aqui, pau que dá em Chico bate em Francisco.
O que o leva a adotar medidas
sujeitas a críticas, que calam órgãos da imprensa como as impostas à Jovem Pan,
sob a alegação de divulgação de fatos sem a necessária comprovação e o uso de
adjetivações que visam apenas criar alarde, sem o devido respeito à dignidade e
honra alheias.
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Por outro lado, também
impede que afirmações feitas espontâneamente por um candidato, sem pressões,
ameaças ou chantagem, sejam utilizadas, como se o deslize do falastrão merecesse
ficar em sigilo, secular talvez, de forma que a sociedade não pudesse ter
acesso ao que pensa e como age, aquele que quer conduzir seus destinos.
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Então, rendendo minhas
homenagens ao professor Conrado Hubner Mendes e ao brilhante Curriculum Vitae
que analisa em sua coluna de hoje na Folha, me atrevo apenas a reproduzir
frases do candidato que tenta se mostrar como alguém do povão, sem qualquer
verniz cultural, que de fato não possui.
Frase de 25 de abril de
2019: “O Brasil não pode ser o país do mundo gay, do turismo gay. Temos
famílias.” E emendou que, se alguém, “quiser vir aqui fazer sexo com uma
mulher, fique à vontade”...
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“... olhei umas menininhas
bonitas, de 14,15 anos, arrumadinhas, no sábado, numa comunidade, e vi que eram
parecidas. Pintou um clima, voltei, ‘posso entrar na sua casa?, entrei’....
todas venezuelanas.”
Frase da confissão que o exibicionista
presidente do TSE não permitiu que fosse usada em campanha eleitoral.
Se a moda pega e a
procuradoria não pudesse usar a confissão de um réu no tribunal do juri, o que
seria da aplicação do Código Penal?
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Foi esse mesmo candidato
que mandou tirar de circulação propaganda do Banco do Brasil, porque a massa
quer respeito à família.
A propaganda que procurava
apostar na diversidade para ampliar a clientela daquela instituição, continha
apenas negros, negras, tatuados e transexuais.
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Não vou falar do elogio da
tortura e de torturadores ou da crítica à incompetência das forças militares em
exterminar os povos indígenas, como nos Estados Unidos.
Tampouco devo falar de
sua fixação com uma sexualidade mal resolvida, expressa em frases desde o
famoso ‘golden shower’, até o falso imbrochável, ou as ameaças de estupro a
colegas no Congresso, ou de como tratou sua filha, como uma fraquejada.
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Há outras várias
mentiras, como a de a economia estar crescendo, quando o índice do Banco Central,
IBC-BR registrou queda de 1,13% em agosto.
O governo, que comemora a
queda artificial e já interrompida da gasolina, em benefício dos ricos, aliada
à deflação, enquanto esconde a queda de arrecadação dos Estados, responsáveis
pelo resultado fiscal positivo até o primeiro semestre do ano.
O governo fala em
benefícios e preocupação com os mais necessitados, através da precarização do
trabalho e do aumento de sua exploração, verificado por queda de renda para os das
classes D e E, contra aumento dos da classe A.
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Nada disso importa.
Importa é que ele agride mulheres, pretos, LGBTQIA +; agride e desrespeita o
Evangelho, mas tem o apoio de todas esses grupos agredidos.
Fenômeno talvez explicado
pela síndrome de Estocolmo, papel a que todos foram conduzidos pela máquina de ódio
e de construção de realidades paralelas que ele e sua gangue conseguiram
colocar em funcionamento.
Um comentário:
Mais uma vez você me ensinou. Que bom! Registro minha gratidão. Isto porque há 4 meses tive uma discussão ácida com uma concunhada sobre as eleições. Ao chegar em casa minha esposa pediu para eu não falar sobre política, principalmente com a parente distante, tendo em vista nossas opiniões absolutamente conflitantes. Argumentei que nós não poderíamos nos calar diante de pessoas que defendem um indivíduo da estirpe de jaMé, defensor da tortura e de torturadores. Na ocasião contei para ela a história do atentado a Bob Marley: em meados dos anos 1970 a Jamaica vivia um clima de eleições para 1º Ministro; havendo um clima de grande hostilidade. Bob resolveu participar de um show cujo gratuito com a intensão de promover a paz e assim reduzir as tensões entre os dois postulantes, que foi prontamente apoiado pelo então 1º Ministro.
Ocorre que poucos dias antes do show a casa do rei do reggae fui invadida por partidário do candidato opositor ferindo Bob e outras pessoas que estavam no local, inclusive o cantor e compositor.
No dia do show, Bob Marley ainda em convalescência subiu ao palco e disse: "as pessoas que estão fazendo mal ao mundo não tiram folga. Como eu posso tirar?" (não sei se foi exatamente isso, mas este é o sentido).
Quando você argumenta no seu texto sobre a intolerância deu a necessária consistência filosófica, política, cultural e social ao fenômeno grotesco e repugnante que estamos vivendo. De forma que não podemos nos calar ou nos omitir, o risco é sermos covardes avalistas do fascismo cujo bafo nauseante ronda nossas vidas.
Fernando Moreira
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