quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A intolerância e as várias mentiras de um mundo de realidades paralelas

 




 Link para a apresentação no Youtube: https://youtu.be/zSF7mOmyRHI

Em A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, o filósofo Karl Popper aponta 3 contradições ou paradoxos - aquele tipo de pensamento ou declaração contrária aos princípios mais básicos do pensamento humano. Um desses ilogismos seria o paradoxo da liberdade. Outro, o da democracia.

A terceira contradição seria o paradoxo da tolerância, assim apresentada:

"A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles.”

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E segue esclarecendo não ser favorável à supressão de filosofias intolerantes, desde que fosse possível combatê-las e mantê-las sob crítica junto à opinião pública. “...Suprimi-las seria ... imprudente.”

Mas, destaca que “devemos-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força”

E conclui que: Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer movimento que pregue a intolerância fique à margem da lei.”

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Em suas várias dimensões, o fascismo ou extremismo de direita não pode ser tolerado como natural. E, dada a ausência do uso de argumentos racionais em sua escalada para dominar a sociedade e fazê-la se curvar aos seus desejos, não podemos levar à última consequência nossa fé na defesa das liberdades de expressão, de opinião, de informação.

Há que se ponderar o risco de a intolerância destruir o espaço que lhes assegura o direito mesmo de ser intolerante.

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Alerta que deve nortear nosso juízo de valor sobre pretensa “censura” do TSE e de seu presidente, sempre açodado como cão policial a farejar nacos de projeção pessoal, não raro embaladas de cunho autoritário.

Mas, admita-se que, ao menos até aqui, pau que dá em Chico bate em Francisco.

O que o leva a adotar medidas sujeitas a críticas, que calam órgãos da imprensa como as impostas à Jovem Pan, sob a alegação de divulgação de fatos sem a necessária comprovação e o uso de adjetivações que visam apenas criar alarde, sem o devido respeito à dignidade e honra alheias.

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Por outro lado, também impede que afirmações feitas espontâneamente por um candidato, sem pressões, ameaças ou chantagem, sejam utilizadas, como se o deslize do falastrão merecesse ficar em sigilo, secular talvez, de forma que a sociedade não pudesse ter acesso ao que pensa e como age, aquele que quer conduzir seus destinos.

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Então, rendendo minhas homenagens ao professor Conrado Hubner Mendes e ao brilhante Curriculum Vitae que analisa em sua coluna de hoje na Folha, me atrevo apenas a reproduzir frases do candidato que tenta se mostrar como alguém do povão, sem qualquer verniz cultural, que de fato não possui.

Frase de 25 de abril de 2019: “O Brasil não pode ser o país do mundo gay, do turismo gay. Temos famílias.” E emendou que, se alguém, “quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”...

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“... olhei umas menininhas bonitas, de 14,15 anos, arrumadinhas, no sábado, numa comunidade, e vi que eram parecidas. Pintou um clima, voltei, ‘posso entrar na sua casa?, entrei’.... todas venezuelanas.”

Frase da confissão que o exibicionista presidente do TSE não permitiu que fosse usada em campanha eleitoral.  

Se a moda pega e a procuradoria não pudesse usar a confissão de um réu no tribunal do juri, o que seria da aplicação do Código Penal?

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Foi esse mesmo candidato que mandou tirar de circulação propaganda do Banco do Brasil, porque a massa quer respeito à família.

A propaganda que procurava apostar na diversidade para ampliar a clientela daquela instituição, continha apenas negros, negras, tatuados e transexuais.

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Não vou falar do elogio da tortura e de torturadores ou da crítica à incompetência das forças militares em exterminar os povos indígenas, como nos Estados Unidos.

Tampouco devo falar de sua fixação com uma sexualidade mal resolvida, expressa em frases desde o famoso ‘golden shower’, até o falso imbrochável, ou as ameaças de estupro a colegas no Congresso, ou de como tratou sua filha, como uma fraquejada.

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Há outras várias mentiras, como a de a economia estar crescendo, quando o índice do Banco Central, IBC-BR registrou queda de 1,13% em agosto.

O governo, que comemora a queda artificial e já interrompida da gasolina, em benefício dos ricos, aliada à deflação, enquanto esconde a queda de arrecadação dos Estados, responsáveis pelo resultado fiscal positivo até o primeiro semestre do ano.

O governo fala em benefícios e preocupação com os mais necessitados, através da precarização do trabalho e do aumento de sua exploração, verificado por queda de renda para os das classes D e E, contra aumento dos da classe A.

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Nada disso importa. Importa é que ele agride mulheres, pretos, LGBTQIA +; agride e desrespeita o Evangelho, mas tem o apoio de todas esses grupos agredidos.

Fenômeno talvez explicado pela síndrome de Estocolmo, papel a que todos foram conduzidos pela máquina de ódio e de construção de realidades paralelas que ele e sua gangue conseguiram colocar em funcionamento.


Um comentário:

Anônimo disse...

Mais uma vez você me ensinou. Que bom! Registro minha gratidão. Isto porque há 4 meses tive uma discussão ácida com uma concunhada sobre as eleições. Ao chegar em casa minha esposa pediu para eu não falar sobre política, principalmente com a parente distante, tendo em vista nossas opiniões absolutamente conflitantes. Argumentei que nós não poderíamos nos calar diante de pessoas que defendem um indivíduo da estirpe de jaMé, defensor da tortura e de torturadores. Na ocasião contei para ela a história do atentado a Bob Marley: em meados dos anos 1970 a Jamaica vivia um clima de eleições para 1º Ministro; havendo um clima de grande hostilidade. Bob resolveu participar de um show cujo gratuito com a intensão de promover a paz e assim reduzir as tensões entre os dois postulantes, que foi prontamente apoiado pelo então 1º Ministro.
Ocorre que poucos dias antes do show a casa do rei do reggae fui invadida por partidário do candidato opositor ferindo Bob e outras pessoas que estavam no local, inclusive o cantor e compositor.
No dia do show, Bob Marley ainda em convalescência subiu ao palco e disse: "as pessoas que estão fazendo mal ao mundo não tiram folga. Como eu posso tirar?" (não sei se foi exatamente isso, mas este é o sentido).
Quando você argumenta no seu texto sobre a intolerância deu a necessária consistência filosófica, política, cultural e social ao fenômeno grotesco e repugnante que estamos vivendo. De forma que não podemos nos calar ou nos omitir, o risco é sermos covardes avalistas do fascismo cujo bafo nauseante ronda nossas vidas.
Fernando Moreira