segunda-feira, 4 de julho de 2011

A perda de Itamar

Mais que mineiro, que ele se orgulhava de ser; mais que baiano, dadas as travessuras da vida e das águas da Bahia, por onde passava a embarcação em que ele nasceu, a morte de Itamar é a morte de um grande brasileiro.
E as homenagens que toda a nação lhe presta nesse momento, são poucas, para reverenciar um dos maiores políticos, um dos maiores Presidentes que esse país já teve.
Itamar, como agora reconhecem até mesmo os que o criticaram em vida, por motivos nem sempre confessáveis foi, mais que qualquer outra coisa, um grande homem público.
Sua trajetória política, que os jornais irão agora esquadrinhar e analisar, apenas confirma e comprova sua grandiosidade e honestidade como político, que poucos irão negar.
Até mesmo sua histrionice, os "rodar a baiana", tudo nele trazia a característica do homem que não tergiversa, não abre mão de seus princípios, embora afável no trato pelo que dizem os que com ele conviveram; aberto ao diálogo e capaz de firmar e - o que é raro em nosso país - cumprir os acordos.
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Não me lembro de Itamar na prefeitura de Juiz de Fora, cargo que o projetou para a carreira política e, mais tarde, para a vaga de senador da República, que ele conquistou em nome de seu partido, o MDB, em um momento em que nenhum dos principais políticos daquela agremiação de oposição se atreveram a lançar seu nome contra um então imbatível candidato oficial, do partido do governo, o senador José Augusto.
Lembro-me da campanha e mais, da cadeira vazia e da cena do porrete, protagonizada, a primeira pelo candidato Itamar, a segunda pelo desesperado "vitorioso de véspera", em um debate agendado pela TV.
A estratégica ausência daquele que, por vitorioso, só teria a perder, sofrendo os ataques da oposição caso comparecesse, mostrou-se um desastre.
Itamar, presente ao estúdio, posava ao lado de uma cadeira vazia, ridiculamente vazia. De que se aproveitou a oposição para criticar o governo. Afinal, se nem o próprio candidato oficial tinha argumentos para fazê-lo em pessoa...
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Junto com Quércia em São Paulo, que derrotara outro "vitorioso",  Carvalho Pinto, do gaúcho Paulo Brossard, de Saturnino Braga no Rio, de Marcos Freire em Pernambuco, Itamar foi eleito em Minas, na eleição que resultou a maior derrota eleitoral do governo militar, desde sua implantação. Derrota que fez balançar o governo Geisel, recém empossado, e o levou a trocar a política econômica conservadora do Ministro Simonsen pela adoção do II PND, idealizado e proposto por Reis Velloso.
Integrando o grupo dos autênticos, Itamar teve atuação destacada, conquistando uma liderança que o permitiria pleitear a disputa do cargo  de governador do Estado de Minas em 1982, nas primeiras eleições diretas para tal cargo, no pós golpe militar.
Na ocasião, tendo aberto mão da vaga para Tancredo, com e eleição deste político, Itamar permaneceu no senado, tendo em 86 apresentado seu nome à disputa na convenção do PMDB. Derrotado pela máquina e métodos utilizados por Newton Cardoso, Itamar abandonou seu partido saindo candidato pelo PL.
Na época, lembro-me de que Paulo Paiva, professor de Economia na UFMG era o seu homem forte da área de Planejamento, atendendo no comitê da R. Alvarenga Peixoto, no bairro de Santo Agostinho.
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Sempre no Senado, Itamar foi o nome indicado em 89 para disputar a vice-presidência compondo a chapa do governador alagoano Fernando Collor, na primeira eleição direra para o cargo de presidente da República.
Eleito, empossa e depois, afastado da Presidência, pelo impeachment de Collor, Itamar assumiu a Presidência, onde se destacou por dois feitos inegáveis, e tantos outros, alguns até cômicos.
Dos cômicos, a lembrança da aula de política e matreirice que ministrou ao então senador baiano Antônio Carlos Magalhães, e seu dossiê de falcatruas e denúncias contra membros do governo Itamar. Disposto a receber o baiano no Planalto, e receber suas denúncias, Itamar convocou toda a imprensa para fotografar a chegada do senador ao Palácio.
Em seguida, quando se acreditava que os fotógrafos seriam retirados da audiência, Itamar solicitou que ACM, na frente e com testemunho de toda a imprensa, apresentasse as provas contidas no dossiê.
Traído pela manobra do Presidente, ao senador baiano também conhecido pela alcunha de Toninho Malvadeza, não sobrou mais que reconhecer derrotado toda a farsa que ele arquitetara para chantagear o governo e seu dignatário.
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Teve ainda o caso da acompanhante Lílian, que  ganhou notoriedade ao ser flagrada sem roupas íntimas,  sentada no palanque do desfile de carnaval ao lado do presidente , de quem se disse namorada.
Figura tão fugaz e que desapareceu com a mesma velocidade que a peça que ela não usava.
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Mas, Itamar deve ficar marcado pela vontade e decisão política de lançar o Plano Real, aposta complexa de estabilização da economia, e que o permitiu fazer, depois de quase um século, seu sucessor.
Aliás, Itamar foi, talvez, o único político que fez tanto seu sucessor na Presidência quanto no governo do Palácio da Liberdade, em Minas. E só isso já serve para revelar o estadista.
Mas, a idéia de relançar o fusquinha, tentando reeditar a mesma imagem (e o marketing correspondente) de JK lançando o primeiro automóvel produzido no país foi outro achado.
Que eu tenha lembrança, um dos exemplos de uma das POUCAS situações em que, para Sraffa, poderia ser aceita a compatibilidade de rendimentos crescentes ou custos decrescentes, com os pilares do raciocínio marshalliano: a análise do equilíbrio parcial, e a idéia de concorrência perfeita.
Segundo o grande economista italiano, o único caso de compatibilidade entre custos decrescentes e o pensamento de Marshall seria se a fonte da economia fosse externa à empresa (para que apenas essa empresa não tivesse ganhos e pudesse eliminar as concorrentes, eliminando a concorrência pura) e interna à indústria (para que não reduzisse o custo de todas as indústrias rompendo o equilíbrio parcial ou a análise do "ceteris paribus" ou tudo mais constante).
Diz a versão que a Volks recusou-se, por ser inviável economicamente remontar a linha de produção, a relançar o fusquinha. Revoltado por seu projeto não ser levado a sério, Itamar aprovou a redução do IPI sobre o produto, para que a fábrica alemã pudesse compensar o custo em que incorreria em reestabelecer a linha de montagem do fusca.
Inconformada com o privilégio dado à concorrente alemã, outros fabricantes exigiram tratamento semelhante. A desculpa do governo foi que o incentivo era pelo fato de o fusca ser abaixo de 1000 cilindradas, ou seja, um carro popular, mais barato.
Originou-se então a produção do Volks, do Mille da Fiat, do Corsa, etc.
A indústria voltou a vender e o caso do carro popular ia passar para o folclore não fosse lá pelas tantas, os produtores desejarem, como lhes é peculiar, ganharem nas duas pontas. Ou seja: elevar o preço do modelo popular (que de popular nada tinha, valendo 6000 dólares, em média!)  e continuar se beneficiando do incentivo fiscal.
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Como sempre, Itamar não se deixou fazer de tolo. Batendo o pé, rodando a baiana, dando chilique, defina-o como quiserem, o presidente não aceitou a situação e ameaçou imediatamente promover a retirada dos incentivos, caso não fossem reduzidos os preços...
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Depois Itamar foi eleito governandor de Minas. Se passa à história como o governador que menos obras fez e seu governo ostenta a característica de maior paralisia administrativa, também não houve roubalheira, nem as páginas dos jornais tinham a cada dia um escândalo para repercutir.
Ao contrário de produzir escândalos, até tomou decisões que impediram que falcatruas pudessem ser levadas avante, como o caso da AES que, tendo adquirido um mínimo do capital da Cemig, teria o direito contratual de se tornar a gestora de toda a companhia.
O que era para se tornar mais uma das milhares de história da velhacaria das privatizações patrocinadas pelo PSDB, ou das privatarias, no dizer do saudoso Biondi, foi cancelado e o contrato denunciado e desfeito o négocio por Itamar.
Adicionalmente, deixou claro que não aceitaria a privatização já tramada para se dar nos mesmos moldes, de Furnas.
Acabou decretando a moratória da dívida do Estado com a União, outro acordo com condições extremamente penosas e custo escorchante para o Estado. Por força desse ato, não recebeu mais recursos dos repasses constitucionais devidos ao Estado, o que explica porque nada fez, já que não teve acesso a nenhum recurso.
Aproveitou, entretanto, para equacionar a situação financeira do Estado, e colocar em dia as finanças públicas, o que permitiu que sem déficit, permitisse ao seu sucessor, por ele apoiado, pudesse fazer um governo em condições que nenhum outro governador que o antecedeu pode usufruir.
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Grande ITAMAR, a quem pode-se ironizar como nosso Forrest Gump.  Como o personagem do romance de Maurice Druon, "O Menino do Dedo Verde", tudo que pôs a mão floresceu e deu certo. Funcionou.
Forrest Gump ou não, sua obra não será esquecida.
E permitirá a ele gozar do pão de queijo e do reconhecimento de honestidade onde for que sua energia e espírito possam estar.

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