quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A volta da CPMF, a Saúde e a gritaria da imprensa

Quando o Congresso resolveu votar contra a prorrogação da CPMF, contribuição que nasceu provisória e já estava se tornando permanente, imediatamente, para compensar a perda de receita e o impacto que isso representaria em suas contas, criou o adicional de IOF, imposto cobrado sobre operações financeiras, como operaçoes de crédito, etc., com alíquota de 0,38%.
Claro que isso provocou reações iradas e protestos, sempre sob a alegação de que a carga tributária é excessivamente elevada e, como é costume, alegando que o governo gasta mal (o que é verdade), que o recurso pago pela população não volta na forma de benefícios e serviços de qualidade (também verdade), que o governo deveria estancar primeiro a corrupção (verdade, claro!).
No meio de tudo isso, lembraram a história da CPMF, criada como IMPOSTO, em 1993, por sugestão do Ministro da Saúde Adib Jatene, com a finalidade de financiar gastos - mais que necessários - na Saúde.
Pois bem, a história é interessante. E vale a pena tratar dela, ao menos de forma sucinta.

O imposto que de provisório  virou Contribuição permanente - ou quase.

Desnecessário dizer o que todos sabem: os recursos arrecadados pelo governo jamais chegaram à Saúde, tendo servido para financiar até gastos de transporte de goiabada em aviões contratados pelo governo, fato suficientemente noticiado pela imprensa, à época ainda do governo Fernando Henrique.
A idéia do fato gerador, as transações financeiras, foi tomada da proposta apresentada pelo Prof. Marcos Cintra Cavalcanti Albuquerque, que criava o Imposto Único, no país.
Felizmente, em boa hora, essa idéia foi abortada já que, embora parecesse muito razoável para todos que querem que os serviços públicos sejam prestados e sempre da maior qualidade sem ter de bancar por isso, a verdade é que o imposto único retiraria do governo os instrumentos importantes da política fiscal, que são os impostos.
Ou seja: os impostos são, sem dúvida, importantes instrumentos de que o governo pode dispor para, entre outras coisas, estimular ou conter a demanda agregada na economia; promover o crescimento ou adequar seu ritmo; E PRINCIPALMENTE, promover uma distribuição de renda mais justa.
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Mas, a idéa de se tributar as transações financeiras era interessante, pois ampliava a base econômica, sobre a qual a tributação poderia ser lançada.
Havia problemas de entidades que teriam de ser isentas, transações financeiras realizadas por transferências entre contas de um mesmo cliente, etc.
E havia o problema, sempre irresolvido, e esse sim, de maior importância e realmente merecedor de críticas, de ser um imposto em cascata.
Imposto em cascata, ou seja, cobrado em todos os níveis de atividade, implicaria que o mero ato de pagamento de uma compra de insumo por uma indústria, já incorreria no fato gerador e seria sujeito a tributação, tanto quanto a posterior venda do produto já transformado para o comércio, e deste para o consumidor.
Ou seja, quanto maior a quantidade de etapas intermediárias e de intermediários presentes na cadeia produtiva, mais o imposto onerava o preço final do bem. Porque em cada etapa que houvesse um ato de compra ou venda, e seu pagamento, já estaria caracterizado o fato gerador e a incidência.
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O imposto vira Contribuição

Em seu governo, FHC foi orientado para que evitasse ampliar a carga de impostos do país, uma vez que, por preceito constitucional toda a arrecadação de impostos teria que ser repartida com Estados e Municípios, através dos Fundos de Participação de Estados e os dos municípios.
Como essas instâncias subnacionais, até pela maior proximidade do cidadão-contribuinte-eleitor são os que, tradicionalmente mais gastam, o controle de gastos públicos, determinação do FMI, exigia que a repartição constitucional fosse evitada.
Sem votos para mudar a Constituição, o governo preferiu passar a instituir Contribuições e não Impostos. Contribuições não teriam, necessariamente que seguir a lógica da repartição.
O imposto virou Contribuição, continuou em cascata, e continuou não carreando recursos para a saúde.
E, daí para a frente, passou a ser renovado de tempos em tempos, junto com a renovação das famosas DRU (desvinculação das receitas da União).
As DRU, que estão novamente  em pauta para serem prorrogadas, evitavam que a União repassasse ou fizessse gastos previstos na Constituição, em um certo percentual. Dessa forma, flexibilizaria mais a gestão dos recursos arrecadados, que não ficariam tão engessados.
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De novo a Saúde.

Mais uma vez, assistimos agora à discussão de que são necessários recursos adicionais para a saúde. E volta-se a comentar a recriação da CPMF.
A presidenta Dilma já afirmou que é contra o que aconteceu na primeira experiência com a contribuição: não ter chegado à saúde. Ou seja, não respeitou o motivo que a originou.
Quanto a seu maior problema ou defeito: a cascata, nenhuma palavra.
Propostas de permitir abater o valor pago, no Imposto de Renda, por exemplo, para compensar a tributação em base exponencial, já foram feitas, mas nunca levadas mais a sério. Ou levadas adiante.
A preocupação do governo é apenas, em arrecadar mais, para bancar os gastos que, ninguém discute, devem ser ampliados.
Da imprensa, sempre a reação irada. Sem aprofundar a discussão do tema, e principalmente, sem abordar a questão central que torna o imposto ruim. Só por ênfase: a tributação em cascata.
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Porque a gritaria da imprensa?

A gritaria da imprensa sempre alega que o problema é que o governo gasta mal.
Texto já clássico do prof. Márcio Pochman, presidente do IPEA, "O Mito da Carga Tributária alta no Brasil", disponível em vários endereços da internet (quem quiser basta por o título no google), mostra que de uma carga de 36% em 2008 (ninguém nega que elevada), 24% nem bem eram arrecadadas, voltavam ao setor privado. Aos empresários, sob a forma de subsídios e incentivos. À população em geral, sob a forma de gastos de assistência social, como os programas de bolsas e a Previdência. E aos ricos, sob a forma de pagamento de juros.
Para se ter uma idéia de ordem de grandeza, só com bolsas foram gastos 13 bilhões no ano de 2010, segundo dados apresentados pelo Prof. Antônio Correia de Lacerda. Com juros no mesmo ano, foram gastos 226 bilhões.
Isso significa que ao governo, restariam apenas 12% de carga líquida, grande parte dela, financiada pela população de níveis mais baixos de renda.
Aliás, os próprios organismos internacionais como ONU, FMI, já declararam que o Brasil tem das mais regressivas cargas tributárias do mundo. Ou seja, o pobre paga mais que o rico.
E, pelo visto, não aproveita do gasto do governo.
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Então se há gasto mal feito, é com essa parcela de transferências, em especial o pagamento de juros, ou não?
E, porque grita a imprensa afinal?

Minha hipótese

A imprensa reage, como sempre dando voz aos interesses dos que menos pagam, pelo fato de que a contribuição CPMF é o único imposto que todos pagam. IGUALMENTE. Não há como fazer planejamento tributário. Não há como escapar dele, porque nos tempos de hoje, não é seguro não usar os serviços de bancos para guardar dinheiro e usá-lo em suas funções.
Então, o problema é que, a CPMF não permite que o caixa dois fique tão vantajoso. Como também o dinheiro da lavagem, seja lá que origem ele possa ter.

É isso. Acho. Ou não? Porque faltou falar que outra de suas falhas é ser o mesmo percentual para todas as transações, o que o torna também regressivo.

2 comentários:

Anônimo disse...

“Somente seria favorável à CPMF se cumpridas as seguintes condições básicas:

1) a CPMF paga pelo contribuinte em todo o ano fiscal poderia ser integralmente deduzida do valor do IR pago + a pagar pela PF ou PJ até o limite desse IR pago ou a pagar na declaração do ajuste anual desse mesmo ano, declarado no ano seguinte. Ou seja, a CPMF seria apenas uma antecipação de imposto para aqueles q pagam imposto, e uma efetiva contribuição para os q não pagam. Para tanto seria necessário um ajuste jurídico no termo para permitir compensações de IR com contribuição. Exemplos numéricos:

a) Um contribuinte PF ou PJ q recolheu na fonte 20.000,00 de IR no ano fiscal, tem ainda mais 2.000,00 a recolher na declaração do ajuste anual do IR, e movimentou recursos no ano fiscal resultaram em CPMF total de 500,00, efetuaria um recolhimento de apenas 1.500,00 na sua declaração (sendo abatidos os 500,00 de CPMF já recolhidos no ano fiscal).

b) No mesmo ex. acima, se a mesma pessoa movimentou recursos no ano fiscal q resultaram em CPMF total de 30.000,00, ele teria uma restituição de 20.000,00, e não recolheria os 2.000,00.

c) Para as pessoas q não declaram IR ou q declaram-se como isentos, seria feita uma restituição do seguinte valor máximo: valor % da alíquota da CPMF multiplicado pelo limite de isenção de PF e de PJ. O excedente não restitui. Isso é para evitara a regressividade, ou q pessoas de baixa renda q são correntistas e movimentam pouco paguem CPMF.

2) Os bancos informariam a todos os correntistas o total anual de CPMF recolhida (no informe anual de rendimentos).

3)Esses valores seriam informados no ajuste anual para facilitar a fiscalização do recolhimento da contribuição pelo fisco, responsabilidade das instituições financeiras.

4) Os incrementos das restituições devido ao excesso de CPMF recolhida pelas pessoas q já pagam IR seriam feitos pela Receita como já é usual.

5) A fiscalização do valor de recolhimento da contribuição, sob responsabilidade de cada instituição financeira, deveria ser formalmente definida. Lembramos q não há fiscalização desse recolhimento. O pressuposto é q nenhum banco faria uma apropriação indébita de valor de forma proposital, o q além de ser ingênuo, exclui a possibilidade de erro, o q ao contrário do q pressupõe o senso comum, é muito mais frequente do q se imagina. Minha sugestão é q, como o recolhimento é feito e declarado por IF, essa responsabilidade seja formalmente atribuída ao BC (e não à Receita, q não pode ter acesso à base de movimentação financeira dos clientes, onde o BC tem acesso corriqueiro, além de deter a administração da transação Sisbacen - ou web Bacen - de recolhimento via reseva bancária da contribuição para a conta única do Tesouro).

6) Ressalto q com a sistemática de compensação acima o valor da alíquota pode até ser mais alto, pois não vai onerar nada quem movimenta em níveis compatíveis com sua renda (exceto quando fizer uma movimentação excepcional, p. exemplo em débitos na conta devido a trocas de aplicação financeira ou compra de imóvel), vai onerar menos quem já recolhe IR, e movimenta um pouco acima da sua renda declarada (ou seja, inclui quem faz uma sonegação de IR de parte de sua renda), e vai onerar mais quem não recolhe ou não declara mas faz muita movimentação financeira.

7) Além de tudo acima, só seria favorável se a destinação do recurso fosse carimbada para uso exclusivo na saúde

É isso. Cláudio B. Machado.”

Anônimo disse...

Concordo em gênero, número e grau com os comentários de Cláudio Machado. Porém, a princípio, não aceito a volta de mais um imposto para financiar seja lá o que o governo e os congressistas desejem. Os cidadãos brasileiros pagam uma carga tributária de primeiro mundo para serviços públicos de quarto mundo. E a CPMF é uma contribuição desastrada, tanto sob o ponto de vista econômico como jurídico, e que só tem uma utilidade: identificar os sonegadores de todos os matizes. No mais, é empulhação. Enquanto não mudar a forma de administração e de gestão da coisa pública no Brasil só teremos mais do mesmo: ineficiência,negligência, desperdícios, desvios. Já chega!
Ricardo Vasconcelos