E começo dizendo que não me lembro de, há muitos anos atrás, haver o número e a violência dos acidentes de trânsito que testemunhamos a cada dia deles em vrtude dos efeitos do álcool, embora vários de nós dirigíssemos muitas vezes sem condição mínima de segurança.
É verdade que havia um menor número de automóveis em circulação, e que os carros eram bem menos potentes, aceleravam menos e eram também feitos de forma a que, em uma batida, até que todo o material do motor fosse consumido e se retorcesse, a pessoa teria uma segurança de um impacto menor, motorista ou passageiro.
De lá para cá, embora não tivesse havido um aumento do número de vias de circulação ou até mesmo da largura delas, pelo menos não na região central de nossas cidades maiores, o número de carros experimentou uma ampliação exponencial. E com mais carros se acotovelando em uma região limitada, o número de choques e encontrões e trombadas - os famosos abalroamentos dos BO devem ter ficado mais comuns.
De mais a mais, aumentou em muito a capacidade de aceleração e velocidade dos motores, o que é um convite a maior número de imprudências e maior número de acidentes. Em cidades com São Paulo, e outras com suas vias expressas, de 4, 6 ou até 8 pistas para acomodar todo o fluxo, a velocidade pode atingir limites antes inimaginados.
Conta também o fato de novos esquemas de segurança, alguns até obrigatórios, proporcionarem aos motoristas uma sensação de maior resistência aos problemas, o que os leva a cometer certos exageros ao volante. O que faz lembrar uma frase de Schumpeter, creio eu que em Socialismo, Capitalismo e Democracia, em que dizia que, os homens passaram a acelerar mais não em função da ampliação da capacidade dos motores mas, exatamente por força da melhoria dos sistemas de .... freios.
Quanto à questão dos materiais de que são feitos os automóveis, dizem os entendidos que, embora sejam aparentemente mais sujeitos a se retorcerem, os novos materiais assim se comportam por sua muito maior capacidade de absorção de impactos quando comparados aos antigos e pesadões carros produzidos.
A prova disso é o fato de, embora o estrago material ser visivelmente maior, a segurança dos motoristas ter aumentado mais que proporcionalmente, como o indica a gaiola que protege os pilotos de corridas de automóveis, que saem incólumes de acidentes a mais de 200 ou 300 km por hora.
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O certo é que, aumentadas as causas de acidentes, aumentou o número deles, e até a melhoria das estatísticas nos mostrou o óbvio, que a ninguém preocupava antes, exceto às famílias das vítimas.
E a sociedade, em sua própria proteção, decidiu adotar as medidas necessárias para evitar a reunião explosiva da dupla álcool e direção.
E foi implantada a lei, dita seca. E, embora em seu início a fiscalização não pudesse ser chamada de rigorosa, muitos motoristas flagrados dirigindo bêbados foram punidos e, com as pesadas penalidades previstas, em especial a multa, aquela que afeta imediatamente o órgão mais sensível do ser humano, seu bolso, o número de acidentes começou a regredir.
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Foi o suficiente para que a fiscalização, já deficitária, ficasse mais frouxa e o número de acidentes voltasse a se manifestar.
Aqui mesmo, na época de fim de ano, festas, férias, chuvas e excessos (cansaço, imprudência, pressa de chegar, velocidade e.... muita bebida, que ninguém é de ferro!!!) já comentamos da quantidade de acidentes, vários deles com vítimas fatais.
São perdas de vidas preciosas, claro, e que, para cada família enlutada tem um significado e uma dimensão que somos incapazes de comentar. Mas, além dessas vidas interrompidas, há o problema dos vários cujas vidas serão irremediavelmente afetadas por incapacidades de todas as espécies.
E, se não são importantes as perdas materiais, que existem também, frente às perdas humanas, há o problema sério de saúde pública envolvido. Custos de hospitalização, da perda da capacidade laboral de tantos que tornam-se incapacitados de várias maneiras...
E nem vamos contar com seguros, etc. etc.
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E, se a estatística nos assegura que, na maioria das vezes, a combianção explosiva de acidente e álcool, estava ou esteve presente, então não há como ficar contrário à lei seca.
E foi o que decidiu o Congresso ao propor, aprovar, a lei de tolerância zero.
Embora, a lei de tolerãncia zero, mesmo em vigor, não impeça de quem quer que seja (e que beba), continue se divertindo e, irresponsavelmente, pegando o volante e expondo a si mesmo e a outros inocentes a sua inconsequência.
Como toda lei que, embora em vigor, não acaba com os homicídios, furtos e outros crimes em qualquer sociedade, apesar de suas penas, às vezes tão severas.
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Tudo isso para falar que estou de acordo com a lei, com a tolerância zero, com a punição, mas...
Devagar com o andor. Para que a lei seca não faça secar nossa capacidade de racicocínio e, especialmente, nossa capacidade de emitir juízos e opiniões.
Digo isso, a propósito do acidente que houve, em São Paulo, em que um rapaz, representante comercial, já com um processo instaurado por ser flagrado dirigindo bêbado, participou de um acidente de trânsito na madrugada do início do ano, que resultou em uma colisão, capotamento e morte de uma moça grávida e de seu feto.
No carro do rapaz, bebidas, cerveja, acho que vodka, configurando as provas de seu crime.
Pior ainda, a combinação explosiva: o rapaz confessou o uso de cocaína, poucas horas antes do acidente.
Comoção. Prisão. Reportagens para averiguar por que o jovem, que não deveria estar ainda habilitado estava com sua carteira revalidada e em uso.
Isso do lado do massacre. Da mídia. De quem deveria informar com isenção.
Já condenado, o rapaz seria ainda incurso no artigo de homicídio doloso: aquele em que há intenção de matar, ou que o agente assume os riscos das consequências de seu comportamento.
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Antes de prosseguir, gostaria de manifestar minha ignorância (mais uma vez!!) e manifestar uma dúvida, que talvez, algum dia, quem tiver conhecimento desse blog possa me ajudar a esclarecer: a intenção é sempre de matar, no dolo? O irresponsável do motorista não poderia estar assumindo apenas o risco de cometer algum tipo de acidente, como a colisão?
Ou seja: estou dirigindo e faço uma conversão proibida, da qual advém um desastre. De minha atitude, posso dizer que assumi o risco da conversão, da batida, do acidente, mas... daí a pensar que o acidente teria ou poderia ter uma repercussão muito mais grave não seria exagero?
Afinal, para que a repercussão de certo gesto errado meu pudesse ser tão violenta, não teria o outro participante do fato de ter também uma parcela de contribuição.
Ora, quem faz a conversão não iria fazer em grande velocidade, sob risco de virar o veículo. E se o fizesse e na batida o choque fosse tão violento que tivesse consequênciias trágicas, o outro participante da tragédia não teria também que estar em velocidade talvez não compatível com a do local???
Diferente seria no caso de um atropelamento, mas... nessa guerra de trânsito entre veículos e pedestres, o pedestre sempre é a parte mais fraca. E, normalmente a que tem razão. Ou não, caso atravesse fora da faixa, sem prestar atenção à sinalização, etc. etc.
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A questão é que, mais uma vez, a imprensa escolheu o alvo para seu bombardeio e o representante comercial prestava-se magnificamente bem ao papel de vilão. Até por seu passado recente, e sua experiência com bebida e direção.
E a imprensa tinha o outro ingrediente: a comoção causada por uma jovem que morre, grávida. Cujo bebê ainda teve seu parto realizado, mas em vão.
E que o pai já havia sido vítima de uma perda anterior, viúvo que era. E, agora, mais uma vez, assumia a condição de vítima em circunstâncias tão dramáticas.
Ninguém nem percebeu a contradição logo apresentada. Quem dirigia o carro onde estavam as vítimas? A princípio, diziam que a jovem. Embora parentes da moça afirmassem que ela estaria no banco de trás, incapacitada de dirigir por sua situação.
E de onde vinham as vítimas? De uma comemoração, mas ninguém - DAS VÍTIMAS - haviia ingerido álcool. Embora também ninguém tivesse ser preocupado em medir, com o bafêmetro essa afirmação.
Ou seja: tendo alguém a quem condenar à mão, e já tendo uma família vitimada da forma mais virulenta, pela sua própria destruição, não havia mais necessidade de se verificar nada na história.
E, como sempre, a mídia fez seu triste papel: caiu de pau no rapaz incorrigível. E dá-lhe noticiário e ameaças de prisão, condenação, etc.
E isso não mudou nem mesmo quando o marido, sobrevivente, admitiu que era o condutor do veículo vitimado. E nem mesmo quando, depois, testemunhas relataram um avanço de sinal do carro das vítimas.
Avanço afinal confirmado pelas câmeras, sempre indiscretas, espalhadas por nossas cidades.
Que dessa vez confirmaram: a vítima é que era a causadora do acidente. O suposto responsável, afinal, era a vítima real.
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Meu problema aqui é chamar a atenção apenas para um fato. Alguém toma uma cerveja, uma só. Ou menos ainda. Sai de casa. Dá uma volta no quarteirão e, nesse trajeto, encontra-se com um suicida dirigindo em sentido contrário e pronto a atirar seu carro, em velocidade contra um poste ou um muro. Nesse momento, o carro daquele que bebeu pouco cruza o caminho do outro...
Tendo êxito aquele condutor que queria por fim a sua vida, ninguém vai lembrar de verificar se ele provocou o acidente. Ele vai virar a vítima, Talvez ainda vá parar na história como vítima de um mal súbito.
Já o teste do bafômetro indica a presença de álcool, em quantidade mínima, mas presença sempre no outro motorista que sobrevive ao acidente(?)
O que diria nossa imprensa? O que seria da vida do inocente - cujo crime maior foi estar no lugar errado na hora errada e com alguma dose mínima de álcool em seu sangue???
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A história claro é inventada. Mas, que eu fico matutando o que aconteceria se, com a lei seca a gente tivesse impedindo mortes, inclusive do bom senso, isso também é verdade.
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