quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A crise fiscal e a fantasia criada em torno dela pelo PSDB: afinal, já estamos vivendo o ambiente de eleição

Que o resultado das contas públicas em setembro tenha sido alarmante, não há dúvida. Conforme noticiado, o déficit primário alcançou a cifra de R$ 9 bilhões, reduzindo significativamente as expectativas do mercado quanto à capacidade do governo cumprir a sua meta de "economia" para pagamento dos juros da dívida.
Apenas recordando, quando o governo gasta mais que sua arrecadação, restam-lhe três mecanismos para financiar esse excesso de seus gastos: elevar a arrecadação, emitir mais moeda ou financiar-se junto ao mercado financeiro, operação que é também conhecida como a emissão e colocação no mercado de títulos públicos.
De forma bastante simplificada, cada uma das três formas de financiamento, todas de curto prazo, têm consequências negativas, conforme os ensinamentos dos manuais de economia.
A elevação de arrecadação consiste em extrair mais recursos reais do setor privado, transferindo-o para o setor público. Além de ser extremamente impopular, do ponto de vista político, enfrenta ainda alguns problemas de ordem prática, como a exigência de que aumentos de carga tributária cumpram o princípio da anualidade, ou seja, possam ser efetivados apenas no ano imediatamente seguinte ao da aprovação da lei que promoveu a elevação do tributo.
Por sua impopularidade pode gerar aumento da sonegação, fenômeno que está vinculado ao formato da curva de Laffer, que mostra que alíquotas mais elevadas provocam aumento da arrecadação até um certo limite, quando começam a apresentar declínio.
A emissão monetária, por sua vez pode provocar o fenômeno da elevação de preços, se cumpridas as hipóteses em que se baseiam as teorias que têm por base a teoria quantitativa da moeda em suas várias vertentes. Ou seja, não há garantia de que a maior emissão monetária seja causa da inflação, podendo ser apenas uma necessidade do mundo de negócios de contar com maior liquidez que permita a continuidade da realização desses negócios e consequentes pagamentos em uma sociedade que já experimenta elevação generalizada de preços proveniente de outras causas. Além disso, outras condições ou hipóteses precisam de ser atendidas, como a da manutenção em um valor constante da velocidade de circulação da moeda (ou do quanto de moeda as pessoas decidem manter em mãos, para realização de suas transações normais) ou ainda a de que a economia já se encontra em pleno emprego de recursos, situação em que não consegue mais elevar a produção para atender ao aumento de gastos que, supõe-se todas as pessoas com mais dinheiro irão promover.
Dito de outra forma, se as pessoas que tiverem mais dinheiro não quiserem correr às compras e aumentar suas despesas, optando por manterem esse dinheiro em aplicações financeiras, pensando em sua segurança no futuro, não haveria escassez de produtos e motivos para os preços se elevarem.
Claro está que não afastamos a possibilidade de ocorrer sim, inflação, caso o governo aumente a emissão de dinheiro, e por conta disso e das expectativas que isso cria e desenvolve no ambiente econômico e junto à sociedade, as pessoas - principalmente empresários, comecem a elevar seus preços -de serviços ou de produtos, antecipando uma possível retomada do fenômeno inflacionário, como uma espécie de hedge ou proteção.
De qualquer forma, a emissão monetária costuma não ser utilizada, por todos esses possíveis resultados.
***
A terceira forma de financiamento é a da emissão de títulos da dívida ou o endividamento público.
Como qualquer tomador de recursos, para convencer os agentes com recursos excedentes a suas necessidades, ou seja, com dinheiro em mãos a usarem seus recursos emprestando-os ao governo, é necessário que se prometa pagar ao emprestador um juro, o que implica o compromisso futuro de o governo gerar recursos orçamentários para cumprir essa nova obrigação.
Desnecessário afirmar que tal endividamento significa também a transferência de recursos reais do setor privado ao setor público, mas por não ser compulsório como a tributação e por ser uma opção feita pelo emprestador dos recursos que considera - na abordagem mais convencional - sua preferência intertemporal de utilização de riqueza, representada por ter menos recursos à sua disposição no presente em troca de ter mais recursos no futuro, não se sujeita ao mesmo tipo de crítica que a primeira das alternativas listadas.
Apenas um parêntese, para lembrar que a mesma disposição do agente detentor de riqueza financeira, não reprodutível, encontra também explicação na teoria keynesiana, já que para ela, o indivíduo se sente recompensado na medida em que abre mão de liquidez (moeda), desde que obtenha um prêmio (os juros) por tal decisão.
***
Como consequência do afirmado acima, uma vez criada a dívida pública, o governo deve adotar as medidas necessárias para que possa, nos exercícios seguintes, cumprir o seu compromisso, efetuando os pagamentos de juros aos seus financiadores.
Daí a necessidade de, daí em diante, o governo passar a reduzir seus gastos ou elevar a arrecadação para poder gerar o superávit primário, a economia para pagamento dos juros aos seus credores.
Um detalhe é que, de verdade, não há a necessidade de que seja feito um corte nos gastos públicos, que crescem vegetativamente, seja por força de aumentos dos preços de tudo aquilo que o governo necessita contar para poder funcionar e operar (aumento dos gastos de custeio, por força da variação de preços de um exercício para o outro), seja por força de aumentos dos gastos da folha de pessoal, por força das correções salariais para repor a desvalorização das remunerações, ou por força da elevação natural de despesas por promoções de tempo de serviço, ou ainda devido a necessidades de aumento do quadro de servidores, em substituição aos que se aposentam no serviço público ou por aumento mesmo da necessidade de recursos para prestação de serviços cada vez mais demandados pela sociedade.
Embora haja esse crescimento dos gastos públicos, por outro lado, cresce também a arrecadação acompanhando o crescimento do nível de atividade econômica, da produção e da renda.
Assim, o que o governo tem de impedir é que o crescimento da despesa supere a taxa de crescimento esperada da economia.
***
Pois bem, do que foi apresentado até aqui, já deu para perceber que a situação econômica de nosso país hoje não é uma situação que poderia ser considerada tranquila.
Afinal, como a economia não cresce às taxas projetadas ou imaginadas, a receita não apresenta evolução capaz de compensar a elevação dos gastos. Para compensar esse baixo crescimento projetado, o governo, atendendo a reclamos dos setores empresariais, resolveu conceder estímulos à produção e vendas, promovendo uma grande desoneração de tributos.
Se o objetivo último do governo era manter um ambiente econômico estável, de forma a manter o nível de atividade visando impedir a elevação do nível de desemprego, resultado que foi obtido com a manutenção da demanda agregada aquecida, isso implicou, por outro lado, em mais redução da arrecadação, o que não foi, nem podia ser para não tornar a medida de redução de tributos inócua, acompanhada pela redução dos gastos públicos.
Nunca é demais lembrar que, além de importante elemento integrante da demanda agregada, que mantém o estímulo a que os empresários continuem produzindo e gerando empregos, o gasto público tem a característica de ser um gasto muitas vezes impossível de se comprimir, por suas características.
De mais a mais, lembre-se também que a redução de gasto público não assegura queda da demanda agregada, já que pode haver substituição de gastos públicos por gastos privados na mesma de mesma natureza. Apenas lembrando, se o governo corta despesas em saúde, aumenta o gasto privado com os planos de saúde; caso o corte se dê na educação pública, aumentam os gastos familiares com educação privada.
O problema é que ao haver a substituição de despesa pública por privada, apenas alguns setores mais privilegiados da população teriam acesso a bens e serviços de qualidade, muitos dos quais indispensáveis.
***
Então, impossibilitado de cortar muito em seus gastos e com arrecadação em queda, até porque a economia continua não deslanchando e continua com taxa de crescimento esperada reduzida, é natural que o superávit primário previsto não se efetive. E que isso provoque algum tipo de preocupação.
Especialmente, se a tudo isso for acrescentado o fato de que, por força de uma série de fatores, um dos quais a situação que nossa economia atingiu que significa ter chegado ao nível de pleno emprego de sua força de trabalho o que eleva muito o custo desse recurso na produção, em especial de serviços - "non tradeables" - o país começou a conviver com elevação de preços, projetando o risco de termos uma inflação acima dos limites máximos tolerados para a inflação de acordo com o sistema de metas.
Tal situação como se sabe, obrigou o Banco Central a elevar os juros básicos da economia brasileira, elevando custo do carregamento da dívida pública.
Conforme dados apontados por André Perfeito, em coluna na Folha de São Paulo de ontem, o Brasil gasta hoje 5,7% do PIB só com juros. Perde apenas para a Grécia, na casa de 6,9% e ganha da Itália (4,6%).
Com isso, a economia deveria ser maior, e ao contrário está se reduzindo.
Situação clara de alerta.
Mas como o próprio André Perfeito mostra em sua análise (Caderno Mercado da Folha, B1), se a dinâmica fiscal não é confortável e ninguém o nega, hoje essa dívida é praticamente em sua maioria pré-fixada, não sendo afetada por elevação nem das taxas de juros e suas elevações, nem por mudanças do valor do dólar (outra fonte recente e cada vez mais importante de preocupação).
A situação que parece estar se deteriorando, não é desesperadora. E isso o leva a questionar porque o mercado deseja e cobra do governo o mesmo tipo de comportamento adotado em 2002, quando a situação da dívida era outra por força da forma de sua indexação.
A conclusão do articulista é que "é como se o investidor dissesse: o Brasil não reúne as qualidades suficientes para crescer, logo, ou o BC eleva a Selic para bem além dos dois dígitos, ou o governo reverte sua política fiscal. Em ambos os casos, o resultado líquido e certo é a recessão econômica.
***
Hoje, em sua coluna no primeiro caderno da mesma Folha, Delfim Netto argumenta que nada há cientificamente errado com a dívida pública quando ela ajuda no financiamento de obras de infraestrutura, ou é usada para reduzir o valor do gasto de investimento privado, graças a concessão de subsídios.
Argumenta que tudo isso deve ser feito de acordo com a exigência de transparência.
O ex-ministro afirma que seria absurdo, se a economia estando próxima do pleno emprego, utilizar a dívida pública para pagar despesas de custeio, já que isso elevaria a taxa de juro real.
Ora, a ministra do Planejamento tem, por outro lado, mostrado que a despesa pública está sob controle, com o montante dos gastos realizados como percentual em relação ao PIB apresentando redução, como no caso dos gastos com folha de pessoal e outros.
Não nega entretanto a forte elevação do percentual em relação ao PIB, dos gastos sociais, o que tem contribuído para a melhoria das condições de nosso país.
***
Portanto, não há porque tanta gritaria e até mesmo essa criação de  um ambiente de desconfiança quanto à capacidade de o governo manter o controle dos gastos, que beira o terrorismo, inclusive com declarações como a de Gustavo Franco, para quem o "governo colhe o que plantou. Quando há credibilidade, pode-se cometer pequenos erros, mas, quando a credibilidade se esgota, qualquer pequeno erro é um grande problema." E conclui: " a política fiscal é uma sucessão de equívocos e maquiagens, que só não é pior que o desempenho setorial e regulatório".
Bem, vindo do mágico do dólar fixo no início do Plano Real, que levou-nos á aventura do choque cambial de 1999, e uma das autoridades econômicas de menor credibilidade em nosso país, Gustavo Franco pode falar bem. Afinal de descrédito ele sabe como poucos.
Mas, nem é essa a situação pintada por Carlos Tadeu de Freitas, ex-diretor do BC, nem por Delfim, nem por André Perfeito, nem por qualquer economista que tenha ou juízo, ou não esteja engajado na campanha política, já lançada nas ruas por Aécio e seu PSDB.
É isso.

Nenhum comentário: