segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A responsabilidade fiscal é condição necessária e suficiente para o crescimento?

Começo relembrando algumas das identidades trabalhadas nos modelos macroeconômicos, baseadas nas Contas Nacionais. Uma dessas identidades, em especial, merece destaque nesse momento.
Trata-se da equação I + G = S + T, em que I representa a decisão de gastos em investimentos por parte dos empresários, G os gastos de governo incluídos os investimentos públicos, S a poupança familiar ou poupança feita pelo setor privado da economia e T os tributos arrecadados pelo governo.
A forma de derivar essa equação é simples, já que o produto ou a renda, idênticos em valor, para haver equilíbrio deve atender justamente às decisões de gastos ou despesas dos agentes econômicos.
Em uma sociedade fechada, sem qualquer relação com o exterior, ou em  que o resultado das contas externas fosse igual a zero, o total produzido, cujo símbolo é Y seria idêntico a C + I + G, onde C representaria o consumo das famílias.
Logo: Y = C + I + G.
Por outro lado, a renda é, por definição, o pagamento feito a todos que produziram, sob a forma de salários, lucros, juros ou aluguéis. Mas, para nossa equação, interessa aqui verificar a destinação, ou o uso que as pessoas fazem da soma de dinheiro que recebem. Ou seja, como gastam o seu dinheiro.
E sabemos que as pessoas têm de pagar impostos T, consumirem para sobreviverem C e poupam o restante.
Isso nos indica que pela ótica da destinação da renda, Y = C + T + S.
Como, por trabalhar com identidades, sabemos que as duas equações têm que dar o mesmo valor, podemos fazer C + I + G = Y = C + T + S.
E, como temos C de ambos os lados, podemos eliminar esse valor, chegando finalmente à fórmula do início:
I + G = S + T.
Vale observar que a simplificação que fizemos de tratar de uma economia fechada, não sofre qualquer alteração se a economia for aberta. Apenas que o valor de I e de S se expandem e passam a significar a soma de investimento externo (caso tenhamos exportados bens e serviços e recebido rendas em quantidade maior que os mesmos valores importados ou as rendas enviadas para fora do país), ou a soma de toda a poupança, incluída a chamada poupança externa.
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Mas, qual a importância da equação de equilíbrio mostrada acima?
É que um grupo de autores com base na equação costuma desenvolver o seguinte argumento: se tudo está em ordem, o governo gasta o que arrecadou em tributos. Ou seja, está com orçamento equilibrado. Assim sendo, os empresários vão decidir investir e o país, em consequência irá crescer, na medida em que a sociedade estará disposta a poupar.
É um raciocínio que indica que, se a sociedade quiser melhorar seu padrão de vida e consumo, no futuro, terá de fazer sacrifícios no presente, tal como a formiga da fábula com a cigarra.
Se a sociedade quiser crescer mais ou de forma rápida, deverá poupar mais. Com mais dinheiro poupado, mais os empresários terão como financiar seus projetos de investimento.
O problema é quando o governo não está equilibrado. Pior: quando está gastando mais que sua arrecadação. Ou seja, na existência de um déficit nominal do governo.
Nesse caso, para financiar seus gastos, com pagamentos dos compromissos de juros caso estivesse endividado, ou para financiar os seus gastos de custeio se a máquina pública inchada e perdulária gastasse acima do que estivesse a sua disposição, caso estivesse com déficit primário, o governo teria o recurso de ir tomar empréstimos no mercado.
Com isso, estaria utilizando da poupança que a sociedade gerou, deixando menos recursos para o empresariado financiar seus projetos de investimento.
Haveria o que se chama de processo de deslocamento, dos agentes privados e produtivos, pelo governo. Em inglês, o fenômeno com nome sofisticado de "crowding-out".
Como emprestar ao governo é sempre um risco infinitamente menor que emprestar para empresários cujos negócios são sempre sujeitos a oscilações (já que o governo pode, em último caso, ou aumentar a quantidade que extrai a título de impostos da sociedade ou então criar dinheiro e pagar a todos os credores), os bancos preferem usar os recursos poupados de que são depositários para comprar os títulos públicos.
A consequência é que a poupança se reduz, os juros sobem e os empresários não investem. O país não cresce ou tem que depender de investimentos ou financiamentos ou capitais de fora. Ou seja, financiar o nosso processo de crescimento, e desenvolvimento, com poupança externa. Capital externo.
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Alguma semelhança entre o que tratei até aqui e o nosso país ou nossa economia, "arrasada pelo governo Dilma 1 e por esse Mantega que de nada entende"?
Vejamos: o governo tem e sempre teve dívida bruta elevada, o que o obriga a pagar o serviço dessa dívida. Para isso, tem que fazer superávits primários em volume elevado. Ou seja, gastar menos que o que arrecadou.
Mas, no governo Dilma, o superávit primário veio se reduzindo e até deve chegar a valor negativo esse ano de 2014. Ou seja, teremos um déficit.
Com isso, temos de tomar empréstimos não apenas para pagar parcela dos juros absurdos - o que todos os governos vêm fazendo desde há muitos anos, seja o governo Itamar, FHC, Lula ou Dilma.
O problema é que com um déficit, não teremos que financiar parcela dos juros. Mas os juros integralmente e também o valor do déficit gerado.
Isso expande a razão Divida Pública Bruta em relação ao PIB, que é um importante indicador da solvência de nosso país e, como tal, acompanhada de perto pelos credores, internos e internacionais.
No limite, se a dívida estiver crescendo em termos de sua participação no PIB, os credores irão exigir maiores juros ou prazos cada vez mais encurtados para financiar ou refinanciar a dívida. E a economia se degrada como aconteceu no governo Sarney, em seu final.
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Não escapa à ninguém que a taxa básica de juros está muito elevada em nosso país. E que com taxas altas nenhum empresário irá tomar recursos para investir, o que fará nosso crescimento minguar. O que nos leva a Pibinhos.
E nem adianta dizer que havia empréstimos com juros subsidiados em nosso país durante todo o tempo do primeiro mandato de Dilma. Nem adianta lembrar que o BNDES emprestou muito dinheiro, a juros muito baixos, já que baseados na TJLP.
Porque o BNDES financiou empresas de setores específicos, especiais, e mesmo nesses setores, as chamadas empresas campeãs nacionais.
Ou seja, emprestou a privilegiados e causou revolta, natural, em grande parte de empresários que, por pequenos, ou por não estarem nos setores eleitos nem serem considerados campeões, não foram beneficiados.
Diga-se que a própria política fiscal de redução de alíquotas para estimular o consumo da população, pautou-se sempre por setores específicos. Não foram medidas de cunho geral, amplo.
Isso explica porque o empresariado ficou contra o governo e não quis investir, mesmo tendo condições para tal.
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O círculo vicioso de aumento da dívida, aumento do pagamento de juros, elevação da necessidade de geração de superávit primário, aumento da dívida, etc. fica mais grave se o resultado primário foi deficitário.
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Seria essa a preocupação de nosso novo ministro Levy?
Seria para romper esse círculo vicioso que o ministro enfatiza todo o tempo a necessidade do corte de gastos públicos, e até, se necessário, uma elevação de impostos?
Mas, se todo mundo concorda com a necessidade de se voltar a gerar resultados positivos no orçamento, isso só seria o suficiente e necessário para que o país voltasse a crescer?
De acordo com nossa equação: bastaria fazer o máximo possível para que o governo limitasse seus gastos e pudesse manter sua dívida em relação ao PIB estável, que sobraria necessariamente recursos para que os empresários pudessem voltar a investir e o país crescer?
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Parece-me que essa é a ideia que sustenta o argumento ou raciocínio de nosso ministro. O que valeu até uma crítica de professores de economia, tanto da FEA-USP, quanto da Unicamp, no programa Entre Aspas da Globonews, na semana passada. Programa que citei ligeiramente aqui, em postagem anterior.
E o que os professores falaram? Falaram que parece que o ministro acredita que, apenas por ter as contas públicas em ordem, o país retomará o seu crescimento.
O que não é automático, como a análise da equação poderia indicar.
Pela fórmula, basta que o governo não tivesse que vir concorrer com os empresários pela poupança acumulada, estaria dada a solução.
Mas, porque os empresários iriam investir? Apenas por terem recursos disponíveis? Ou seja, o motivo do empresário investir ou deixar de investir é somente a disponibilidade de recursos e a consequência natural dessa disponibilidade, os juros baixos?
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Só para lembrar, já foi objeto de estudo, e já se constatou que os investimentos empresariais, em geral, realizam-se na maior parte das vezes, a reboque de investimentos públicos em nosso país.
Se essa hipótese se mantém, e se o investimento privado depende primeiro da realização de investimentos em infraestrutura feitos pelo governo, como os empresários costumam argumentar, então o raciocínio do Ministro Levy, está fadado ao fracasso.
Teremos  cortes de gastos, inclusive cortes de investimentos públicos, sacrifícios grandes e restrições cada vez maiores a gastos do governo que têm impactos multiplicadores enormes, como os gastos das transferências previdenciárias e dos programas assistencialistas, que sustentam grande parte da vida econômica de pequenos municípios.
Com a queda da demanda do governo, teremos queda de demanda agregada geral, e possivelmente desemprego.
Com medo de perda de emprego, as pessoas não irão consumir, exceto o mínimo necessário. E, com isso, o consumo tende a encolher ou manter-se estável.
Ora, ninguém irá em sã consciência, expandir capacidade produtiva, para um consumo que não se expandiu. Pior para uma demanda agregada em queda.
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Então, os empresários não investiriam apenas pela disponibilidade ou o custo barato do dinheiro. Estaria faltando o principal: motivo para expandir a produção. Sem tal motivo, para que tomar dinheiro, mesmo que barato?
Para exportar para um mundo que está comprando cada vez menos, ainda sob os efeitos da crise? Para exportar para a economia americana, que está crescendo com algum vigor, mas cujos interesses comerciais estratégicos não colocam o Brasil em posição de destaque?
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E o que dizer da possibilidade de atração de capital externo para financiar nosso crescimento? O que dizer da estratégia de crescer com utilização e atração de poupanças externas, como o professor e ex-ministro Bresser Pereira salientou ser tradicional em nosso país, em entrevista dada ao Luis Nassif, no programa brasilianas.org, apresentado na TV Brasil, o canal 3 da Net.
Afinal, para atrair o influxo de capitais forâneos, um requisito  seria  a prática de juros elevados, na contra-mão do desejo do ministro de juros civilizados. E caso a entrada de capitais fosse em volume elevado, isso interferiria no câmbio, tornando o real valorizado.
Dessa forma, nosso empresariado não investiria por não conseguir competir nem no mercado internacional, onde os preços seriam mais baratos, nem no mercado interno. O que apenas reproduziria o que temos visto acontecer cada vez mais, desde a entrada em ação do plano Real:  o sucateamento de nossa indústria, outrora orgulho de todos nós.
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Se Dilma 1 não teve êxito e a economia fracassou, com medidas de caráter menos ortodoxo, a verdade é que, Dilma 2, por maior que seja a ortodoxia a ser implantada, também promete ser um fracasso semelhantes, ao menos em termos de crescimento.
Mas, se teremos ainda e novamente mais pibinhos, é certo que teremos sacrifícios muito mais agudos.

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