Tomar posse no primeiro dia do ano é, sem dúvida, de extremo mal gosto. Às autoridades convidadas, frustra a passagem do ano com os seus conterrâneos e familiares. E, embora para muitos, a passagem fora do país de origem possa ser já normal, o fato é que uma coisa é passar a virada do ano em um ambiente de festa, informal, com amigos, brindes, alegria, fogos de artifício, quem sabe uma praia... Outra completamente diferente é passar o Ano metido dentro de um terno, engravatado, em um calor sufocante e cheio dos protocolos e formalidades.
Trata-se de castigo, exceto, talvez para os que estão tomando posse e, dessa forma, chegando ao poder.
Ainda assim, no caso de governadores, alguns dos quais apressando-se em seus discursos a pedirem desculpas aos convidados pelo horário do evento há outro problema adicional. A necessidade de que a solenidade se dê nas primeiras horas da manhã, para que tenham tempo de se deslocarem depois, à capital federal, onde se dará a posse mais importante do dia.
Mas, fico mais preocupado com os representantes estrangeiros, alguns dos quais líderes de seus países de onde saíram com nevascas e frio intenso, e obrigados a ficarem mais de quarenta minutos em um ambiente fechado e repleto de parlamentares, como estava o Congresso, ouvindo o discurso de Dilma.
Vá lá que tinham o benefício do ar refrigerado, mas ainda assim, continuo achando que uma das mudanças necessárias em nosso processo político está relacionado à data da posse.
Tirando esse problema, a posse merece alguns comentários breves.
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O primeiro para manifestar o meu espanto ao ver a elegância ou a simpatia da presidente do Chile, Michelle Bachelet, cantando toda a letra extensa de nosso hino nacional. Poucos foram os órgãos de comunicação que vi comentarem o fato, que merecia referência. Até porque teve parlamentar que não foi capaz de cantar como a nossa convidada.
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Do ponto de vista da forma, achei que Dilma brilhou em seu discurso, falando sem hesitação, sem tropeços, de forma bastante diferente de suas intervenções nos debates da campanha eleitoral, em que mostrava-se titubeante, sem completar seu raciocínio, falando coisas sem muito significado.
Em sua segunda posse, ao menos na Câmara, Dilma deu a impressão de estar muito bem preparada, com o discurso na ponta da língua, sem estar lendo.
Quanto ao seu discurso, achei que leu um texto bem estruturado, embora com contorcionismos necessários para justificar a guinada que está prometendo dar nesse segundo período de governo, mais de acordo com as medidas que criticava em seu opositor.
Ainda assim, concordo com a opinião de André Singer, colunista da Folha de São Paulo, para quem cada vez ficará mais difícil para a presidenta explicar aos seus eleitores, como a guinada à direita que está prometendo pode vir a beneficiá-los, logo ela que tanto criticou a oposição por prometer fazer o que agora ela está pondo em prática.
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Como já tive a oportunidade de comentar, as medidas que criam critérios mais rigorosos para que a população tenha acesso aos benefícios sociais, longe de cortarem tais benefícios, apenas eliminam a possibilidade de excessos e de falcatruas.
Mas, também é necessário dizer que, nem de longe, as fraudes serão extintas. E a inventividade do povo brasileiro irá mostrar essa triste verdade.
O grande problema então não é o da criação de condições mais rigorosas para acesso aos benefícios. Essas condições, ninguém irá negar, eram muito flácidas, frouxas. E permitiam abusos que poderiam, em um prazo maior por em risco a própria capacidade de sobrevivência do sistema de benefícios.
Entretanto, o anúncio como medida de caráter fiscal, adotada para cortar 18 bilhões de gastos anuais do orçamento, soou como o começo das mudanças que Joaquim Mãos de Tesoura irá promover no orçamento. E, pior que isso, tendo em vista a imagem já passada do novo ministro da Fazenda, cortando em gastos mais ligados à grande maioria da população, ou seja, atingindo diretamente as camadas mais baixas da escala de rendas.
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Insisto, os benefícios ou ao menos os que foram atingidos, tinham critérios muito frouxos de acessibilidade e permitiam uma avalanche de situações que podiam ser consideradas abusivas. Repito, nem são só essas situações agora alteradas que merecem discussão maior da sociedade. Embora podendo ser criticado por muitos, creio que ser necessária a discussão do menor tempo de contribuição para a mulher ter direito à aposentadoria; creio que a discussão da fixação de idade mínima também deve ser tema de uma ampla pauta de discussão. Ninguém nega que a questão das pensões deve ser revista, e nem por que muitas vezes, pensionistas têm ainda pouca idade e toda uma vida para receber o direito. É preciso, antes, criar condições para que a pensionista de mais nova idade tenha condições de cuidar de seus filhos com segurança e ainda possa se preparar para o futuro, obtendo condições para estudar, bem como aos filhos, e de obter algum tipo de colocação no mercado de trabalho. Aí sim, ela deixaria a condição de pensionista e não por uma questão apenas de idade.
Porque, no caso de pessoas com relação de mais de dois anos de união ou casamento, e com uma idade mais avançada, como a medida provisória criou, embora compreensível a razão que inspirou o governo, não foram alcançadas as mulheres e famílias em que as mulheres já trabalham e algumas em condições de remuneração até superior ao de seus maridos.
Ou seja: há muitos casos que mereceriam uma discussão maior da sociedade, especialmente para evitar que privilégios fossem eternizados, mesmo em condições em que não teriam motivos para serem mantidos. Afinal, se as mulheres, por exemplo, trabalham e têm condições de acesso ao mercado de trabalho de forma mais favorável, isso se deve a seu esforço, claro. Mas também ao fato de terem muitas vezes tido a oportunidade de estudarem, de terem um casamento que permitiu estabilidade financeira, manutenção de filhos em creches ou locais com atenção privilegiada, tranquilidade para investirem em sua carreira, etc.
Bem diferente das jovens de periferia, que se casam muito novas e sem terem completado o nível básico de educação. E cujos maridos, quando existem e têm emprego formal, costumam fazer parte do contingente de pessoas em condições mais precárias de vida. O que os torna mais propensos a acidentes, e até mesmo mortes prematuras.
Ou seja, essa mulher de periferia, cuja pensão é muito pequena, na maior parte das vezes, é que terá seus direitos mais restritos, DAQUI EM DIANTE.
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Alguém criticou o lema Brasil, Pátria Educadora.
Pode parecer mesmo um lema antigo, se olhado apenas pelo lado do destaque dado à Educação. Uma educação criadora, inovativa, poderia ser tratada sob o enfoque de um lema mais moderno.
Mas, pátria educadora obriga e transforma cada um de nós, em educadores. Em instrumentos ou agentes multiplicadores de um processo de educação que não pode se restringir apenas ao conhecimento formal, ou processo de transmissão e fixação de conteúdos técnicos.
Pátria Educadora obriga cada um de nós cidadãos, a nos comprometer com o processo de educação em sua mais ampla dimensão: a formação do ser humano, do ser político e participativo na seleção e ações voltadas para seu destino e para o destino de toda a sociedade a que pertence.
Cidadão que não pensa apenas em si, ou apenas em seus iguais, mas que luta para todos. Pertencente a uma classe social que não é apenas classe em si e para si, mas para todos iguais.
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Um último comentário: embora deixasse margem para muita manobra o que o novo ministro do Planejamento havia comentado não foi mal interpretado pela imprensa. Haveria mudança na fórmula de cálculo do salário mínimo, embora não fosse haver reajustes abaixo da inflação.
Se o reajuste iria assegurar aumentos reais do mínimo, a nova fórmula talvez trouxesse, como ele deu a entender, algum tipo de limite ao quanto a variação do PIB seria acrescentada à correção automática do INPC.
Aqui, um comentário: a manutenção da fórmula, ruim, de um indexador automático. Embora, os trabalhadores não possam prescindir ao menos dessa correção.
Mas, foi só falar, e ao que a imprensa comentou, Dilma reagiu e mandou o ministro voltar atrás.
No dia seguinte, Nélson Barbosa disse que apenas afirmou que nova lei deverá ser enviada ao Congresso, conferindo aumentos reais de salário mínimo, para o período 2016-2019, já que a lei atual ficou caduca.
Mas assegurou que a nova lei será mantida.
Ora para dar afirmações óbvias, da necessidade de novo diploma ser enviado ao Congresso e aprovado, sem qualquer alteração, não precisava ter feito afirmação alguma.
Ao fazê-lo, mesmo que não estivesse voltando atrás, depois de ter levado um pito, a impressão que dá, ou a que a imprensa vai explorar é essa, da Dilma, ainda gerentona. Mesmo que sob a forma de menos intervencionista.
É isso.
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Embora a posse de Joaquim Levy na Fazenda seja hoje, e vamos fazer comentários caso haja assunto a ser considerado, esse mês de férias é um mês que tem de ser considerado de mão dupla. Ou seja, nossos seguidores merecem não ter que ficar todo dia submetido a nossos pitacos.
Vamos, então, trabalhar no mesmo ritmo de Brasília, nesse período de verão intenso.
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