terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O câmbio e a desindustrialização

A preocupação com o câmbio e suas consequências nefastas para nossa economia, nossa indústria em especial, à frente, foi o tema principal da entrevista que o professor Bresser Pereira concedeu a Luís Nassif, no Canal 3, TV do Brasil.
Na conversa, se interpreto corretamente o pensamento do Professor Emérito da FGV, ele expôs sua tese de que, como país emergente e de grande dimensão e grande dotação de riquezas naturais que o caracterizam como grande exportador de commodities, o Brasil convive necessariamente e de forma duradoura com um tipo de problema cujas consequências são, em média, exatamente as mesmas da doença holandesa.
Mas, qual o significado dessa doença holandesa? Qual a ideia que o ex-ministro expõe com tanta preocupação?
Por doença holandesa entende-se o fenômeno vivido pela Holanda a partir do instante em que foram descobertas significativas reservas de gás natural em seu mar territorial. Com a demanda mundial do  produto em alta, e também seu preço, a Holanda tornou-se grande exportadora dessa commodity, gerando um volume elevado de influxo de divisas. Tamanha prosperidade provocou a desvalorização do dólar e a valorização do florim, barateando produtos industrializados importados e encarecendo a produção interna holandesa.
Como consequência, sem condições de competir com produtos industrializados do exterior, a Holanda deu início a um processo de desindustrialização  de consequências desagradáveis.
No caso do Brasil, rico na produção de commodities e um dos mais importantes países no comércio mundial de produtos do agronegócio e de produção mineral, segundo o professor, não haveria um único desses produtos, exceto esporadicamente que tivesse seu preço muito elevado. Mas, em média, os preços desses produtos seriam responsáveis pela entrada de uma quantidade de recursos que teria um efeito análogo ao da doença holandesa.
Com muita entrada de dólares pelas exportações de commodities, nossa moeda fica valorizada e nossa indústria acabaria sendo afetada pela perda de competitividade derivada do câmbio desfavorável. Bresser Pereira estima que por volta de 15 a 20 ou até 25% do valor de nosso câmbio seriam justificados por tal fenômeno, típico de países emergentes que, como o Brasil tem tais condições de produção natural. Em consequência, nossa indústria não teria como alcançar os níveis de produtividade que lhe permitissem concorrer tanto nos mercados externos com exportações,  quanto com vários tipos de produtos importados  em nosso próprio mercado interno. Resultado do fenômeno: o sucateamento de nossa indústria, a perda da importância relativa que já teve em nosso país, e que tanto nos encheu de orgulho.
Daí sua defesa da adoção de medidas protetivas de nossa indústria, em especial, a adoção de uma política tarifária, que permitisse a elevação de nossa alíquota média em algo em torno de 20/25%.
Além dessa medida, se entendi corretamente a tese e a proposta do professor, Bresser abordou outras questões importantes, provenientes do câmbio desequilibrado.
Uma dessas questões, que achei importante, é relativa a um pensamento keynesiano meio capenga  ou, como ele definiu, vulgar. Trata-se de que para muitos economistas, não haveria motivação capaz de levar o empresário a investir se não houvesse uma demanda agregada sustentada. Daí a razão de programas de apoio à manutenção do consumo da sociedade, através dos programas sociais de transferência de renda, os programas de bolsa, tão benéficos em termos de geração de poder aquisitivo e elevação dos níveis de consumo da população, com os efeitos decorrentes sobre a produção e a geração de emprego.
Nessa mesma direção foi dada muita importância à criação e à melhoria das condições de ao crédito para estimular a nossa demanda agregada.
Mas, como o professor lembrou, não basta ter as condições de estímulo à demanda. Há também que se preocupar em dar acesso aos nossos empresários a essa demanda gerada. Ou para simplificar: não basta dar recursos para que as famílias aumentem seus gastos, especialmente se tais gastos poderão alimentar um processo de aquisição de bens – mais baratos – no exterior.
Isso provocaria apenas uma deterioração de nossa conta de transações correntes, e a condenação de nossa indústria a uma perda gradativa de importância econômica, em caminho sem retorno.
***
É verdade. O câmbio pode, se muito valorizada nossa moeda, nos condenar à perda de mercados clientes e de receitas de exportações importantes, além de poder também direcionar para o exterior, nossos fluxos de demanda, de produção e até de empregos.
Por isso concordo com a crítica feita pelo professor á ideia de utilizar para financiamento de nosso processo de crescimento, a poupança externa, entendida como um resultado negativo em nossa conta de transações externas.
Tecnicamente, e por definição, a poupança externa nada mais é do que estarmos comprando, no exterior, bens e serviços em maior proporção do que vendemos. Em termos de rendas, representa também que estamos remetendo mais para fora do país do que recebendo de nossas empresas que operam em outras regiões do mundo.
Ou seja, financiamos o excedente do que compramos lá fora, em relação ao que vendemos e, para cobrir essa diferença, temos de tomar financiamentos. Ou contar com o interesse em que proprietários de capitais queiram vir investir em nosso país.
De um jeito ou de outro, a atração e a entrada desses valores financeiros –representa nas contas de movimento de capitais do Balanço de Pagamentos – exige para o seu proprietário algum tipo de ganho. Afinal, só se houver perspectiva de ganhos, sob a forma de lucros ou de juros, o capital terá interesse em se dirigir a aplicações em nosso país.
Tendo em vista nossas fragilidades em infraestrutura e logística, é natural que os prêmios pedidos pelos donos dos capitai, para se dirigirem à nossa economia, sejam elevados. Ou seja, taxas de juros elevadas, benesses em termos de política fiscal para aqui se instalarem.
É verdade que nós crescemos, ou instalamos novas empresas, mas grande parte do dinheiro vem atraída pelos juros elevados.  E repete-se o ciclo: juros altos, entrada de montantes vultosos de capitais, nova desvalorização do câmbio, novas dificuldades de exportar e aumento das importações, nova conta negativa de transações correntes, nova necessidade de atrair capitais externos.
***
Com isso, ao final do processo, as medidas do governo  saem como um tiro pela culatra: mais nos desindustrializamos. Mais frágil nossa economia se torna.
E aí é que fico me perguntando? Ao elevar juros, para atrair capital externo que seja, o que irá levar o industrial nacional a desejar modernizar sua empresa, expandir, crescer, se sabe das dificuldades de vender e realizar sua produção internamente e principalmente externamente?
Caso seja um bem não comercializável, ainda vá lá. Mas no caso dos bens que sofrem e enfrentam concorrência internacional, não é muito mais negócio utilizar os recursos financeiros de que dispõem ou a que têm acesso, para aplicar tais recursos no mercado financeiro, com remuneração assegurada e elevada?
***
Ao final, a verdade é que, mesmo não concordando com todo o raciocínio de Bresser Pereira, é de se destacar sua preocupação com o câmbio. Esse sim, que mata, como dizia Simonsen. Esse sim, que é o instrumento de política mais estratégico com que devemos nos preocupar, em um mundo globalizado como o que vivemos. 

Um comentário:

Unknown disse...

O senhor se sente traído por defender que este seria o melhor candidato para o trabalhador e para o micro empresário, afirmando ainda que o passado negro de remuneração do capital voltaria com o PSDB, quando no momento vemos o PT com seu discurso socialista e de medidas contra trabalhadores e remunerando o capital?