Sinceramente, há coisas que são muito difíceis de entender. Especialmente em se tratando de economia.
Senão vejamos: enquanto no Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, Joaquim Levy era alçado à condição de queridinho da reunião e da mídia internacional, justamente por estar adotando as medidas de cortes de gastos e elevação de impostos consideradas necessárias para recuperar a responsabilidade fiscal deixada de lado no primeiro mandato da presidenta Dilma, a Grécia realizava eleições no dia de ontem.
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Amplamente prevista, embora não com a margem obtida nas urnas, a população grega deu vitória ao Syrisa, partido dito dominado pelos radicais de esquerda, que teve como uma de suas mais importantes bandeira, a rejeição aos cortes de gastos e selvagens elevações de impostos, que conduziram o país à penúria.
Segundo comentário do portal UOL, nessa segunda feira, a vitória ressalta como 5 anos de ortodoxia fiscal levou a Grécia ao caos, estimulando os dissidentes antimainstream e criando um precedente antiausteridade significativo. Com o risco de tal reação à política conservadora de inspiração alemã fazer surgir seguidores, como a Espanha, mergulhada em crise semelhante à grega, por força de adoção de medidas impostas de caráter semelhante.
A Espanha realiza eleições esse ano e o Syrisa, Tsipras e o povo grego podem se tornar uma referência importante, a amedrontar os principais líderes europeus.
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Independente disso, e dos elogios à ortodoxia de Levy e de sua preocupação em promover um ajuste fiscal severo e restritivo, também a política monetária adotada no Brasil, de cunho restritivo remete a economia a um futuro preocupante.
Destinado a resgatar a confiança dos mercados no sistema de metas de inflação, e conduzir a inflação para o centro da meta até o final de 2016, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, também presente a Davos, tem dado demonstrações de que, para conter a inflação desse início de 2015, identificada como resultado da correção de preços administrados no país, fará uso intensivo da elevação da taxa Selic, se necessário.
Em outras palavras, a elevação da Selic representa uma menor quantidade de moeda em circulação, no momento em que o Banco Central Europeu anuncia a adoção de uma política monetária fortemente expansionista.
Segundo o BC Europeu, 60 bilhões de euros serão utilizados mensalmente para permitir compra de títulos junto aos governos dos países da zona do euro. A política de "quantitative ease" ou afrouxamento monetário segue o modelo daquela adotada com sucesso pelos Estados Unidos, e prevê a injeção de mais de 1 trilhão de euros, em pouco mais de um ano.
Sua justificativa é a recessão que atinge praticamente a todas as economias da eurozona.
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Tudo bem que enquanto a Europa enfrenta um recessão sem previsão para chegar a seu termo, os Estados Unidos começaram a reagir, apresentando sinais de recuperação e crescimento econômico a tal ponto que as autoridades econômicas já deram início à adoção de medidas no sentido contrário, ou seja, de contenção monetária.
Mas, uma política de afrouxamento monetário em economias praticando taxas de juros muito baixas, até próximas a zero, fazem surgir a dúvida quanto a sua eficácia, ao menos em retirar a demanda agregada do patamar insuficiente em que se encontra.
Isso porque pode se repetir naqueles países, o mesmo fenômeno de armadilha da liquidez que ocorreu na economia americana em certo instante, com os portadores de dinheiro optando por ir aplicar seus recursos em mercados financeiros de países emergentes, como o Brasil.
Nesse sentido, a prática de politicas ortodoxas que constituem as preferidas pelos donos de capital financeiro por parte do governo brasileiro pode servir de estímulo para atrair para cá, os recursos necessários para financiar de forma mais tranquila, nosso cada vez maior déficit nas transações correntes, que alcançaram o valor de 91 bilhões de dólares, em 2014.
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Lembremos que tal capital não vem ao nosso país, senão para obter sua valorização financeira, nos circuitos especulativos, sem muita expectativa de gerar a expansão de investimentos produtivos.
Ao contrário, um grande influxo de moedas externas, valorizando o real, tende a trazer mais problemas para nossa já combalida indústria. E agravar ainda mais nossa dependência desses recursos.
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Mas o que faz a economia brasileira ter de adotar medidas na contramão daquelas adotadas pelos países que cobram uma maior responsabilidade de nossa parte?
Ao contrário dos países europeus, mesmo a Grécia ou Espanha, ou Rússia, que enfrentam crise e deflação, o Brasil atravessa um período de estagflação. Ou seja, embora já tenha sinais de recessão, há uma inflação que apresenta sinais de resistência. Seja pela correção de preços, seja pela questão que se prenuncia, devido à seca, de escassez de água, energia, alimentos.
Parece-me pois, que a ideia é de primeiro debelar a inflação, se necessário aprofundando nossa recessão e desemprego. Para então, com o atraso que nos é peculiar, adotar as medidas destinadas a afrouxar a política econômica.
Claro, se até lá, sobrar ainda um setor industrial a ser estimulado.
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Interessante, também verificar a mudança de postura e comportamento de Martin Wolf, colunista do Financial Times, que prevê uma nova crise internacional em seu livro The Shifts and the Shocks: What We’ve Learned—and Have Still to Learn—from the Financial Crisis.
Para o influente analista econômico, é necessário se retomar os ensinamentos de Lorde Keynes, abandonando as políticas de liberalização que ele apoiou, quando adotadas por Thatcher e Reagan, e que apenas proporcionaram condições para crises financeiras como a dos anos 2007-2008.
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Mas, ao optar pelo Chicago Boy, Levy, Dilma resolveu adotar os preceitos ditados pelos mercados. Tomara que, acreditando ficar bem com sua biografia, não passe à história como a presidenta que levou a economia brasileira à depressão. Sem inflação, como o governo com superávits primários invejáveis, e um desemprego brutal, como chegou a ocorrer na Espanha e Grécia.
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