quinta-feira, 16 de março de 2017

Tempos Estranhos; as contradições de um país expostas em um discurso

Repetindo o procedimento que venho adotando há algum tempo, publico hoje, o discurso que proferi ontem, como paraninfo dos alunos do Curso de Ciências Econômicas da UNA, formandos no segundo semestre de 2016.


Vivemos tempos muito estranhos.
Dita em 2012 pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo, a frase choca. Ou deveria chocar, especialmente no mês de março, em que se comemora o dia Internacional da Mulher.
Embora dita em outro contexto, a frase surpreende mais quando sabemos que foi o ministro que decidiu favoravelmente à soltura do goleiro Bruno, condenado pela morte de uma mulher.  Decisão absurda, não fosse estranho o ex-atleta, não ter ficado aguardando o julgamento de seu recurso em liberdade, ao contrário de outros assassinos de linhagem mais nobre.
Se tecnicamente a decisão do ministro é correta, a liberdade deveria causar indignação a todos nós para quem as  mulheres, como qualquer ser humano, merecem desfrutar de igualdade de condições de vida e direitos sociais.
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Mais estranho, sem dúvida, é ver o goleiro tratado como ídolo, parado nos locais por onde passa para tirar selfies. Pior: selfies com mulheres, jovens e sorridentes como era Eliza. Enquanto isso, os jornais noticiam que a violência atingiu uma em cada 3 mulheres no ano passado.
Não estamos em guerra. Diz o mito que, felizmente, o Brasil é um país pacífico, nunca alcançado por conflitos cruentos. 
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Tudo bem! Desde que aceitemos como natural aquilo que disse o poeta Affonso Romano de Sant'anna: há 500 anos matamos índios e mulheres, e pobres e pretos.  Especialmente jovens, pobres, pretos, da periferia.
Somos um povo de boa índole, pois. 
Que conviveu com 59 600 homicídios apenas em 2014, ano de início da crise econômica e social que nos assola. A maior parte das mortes causada por armas de fogo e com envolvimento da polícia. E ainda há aqueles que fazem campanha contra a lei do desarmamento.
Em cinco anos, o número de assassinatos no Brasil foi superior ao da Síria, um país em estado de guerra, sob ataques do temível Estado Islâmico.
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Exceto o Brasil dos dois últimos anos, expande-se em todo mundo a  quantidade de bens produzidos o que não impede de assistirmos,  cada vez mais, populações inteiras condenadas à morte pela fome, destaque para as crianças. Um dado: no mundo, o desperdício de alimentos atinge a mais de 1,3 bilhão de toneladas de comida; 41 milhões apenas em nosso país.
Paradoxalmente, a pujança na produção de riqueza, ao invés de gerar vida, permite que a morte ceife  1,7 milhão de vidas, principalmente de crianças, fruto da poluição do ar, água contaminada, falta de saneamento e higiene. No Brasil, embora tenha havido uma evolução, 30% dos lares não são atendidas por esses  serviços.
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No mundo, cresce o volume de produção e riqueza, mas a estatística indecente mostra que apenas 1% da população detém mais que o total da riqueza possuída pelos demais 99% de pessoas. No Brasil, 74600 pessoas detinham 15% da renda e mais de 22% da riqueza total, em 2014.
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Na esfera política, testemunhamos a ocorrência de um golpe que, sob a desculpa do combate à corrupção, alçou ao poder um grupo tão  ou mais corrupto e há mais tempo envolvido em tramoias e trambiques.
Desesperançado o povo já não tem forças para retornar às ruas. Omite-se. Silencia-se e às panelas. Atônito, assiste ao desfilar de promessas de recuperação econômica, condicionadas à aprovação de reformas que lhes retiram direitos e um mínimo de dignidade de vida. Recuperação que será aproveitada  por uma minoria privilegiada, que sobreviver a esse ataque aos direitos sociais.
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É nesses tempos estranhos que vocês se formam, e chegam ao mercado, com o dever de alterar o panorama descrito acima. De imediato, um aviso: a tarefa é árdua. Mas vocês são capazes. Para isso tiveram uma sólida formação profissional.
Só não lhes será permitido, assim como aos atletas, se deixarem abater pelo desânimo.  A esse propósito, cito a frase de Iturbe em seu livro A Bibliotecária de Auschwitz:  “Se você não luta pela vitória, não chore depois pela derrota”.
Do mesmo livro extraí o texto a seguir: “O atleta mais forte não é o que atinge a meta antes. Esse é o mais rápido. O mais forte é o que se levanta cada vez que cai. O que, quando sente dor nas costas não para. É aquele que, quando enxerga a meta bem ao longe, não desiste. Quando esse corredor atinge a meta, ainda que chegue em último, é um vencedor. Às vezes, mesmo que você queira, não está em suas mãos ser o mais rápido, porque suas pernas não são tão compridas ou seus pulmões são mais limitados. Mas você sempre pode escolher ser o mais forte. Só depende de você, da sua vontade e do seu esforço. Não vou pedir que vocês sejam os mais rápidos, mas vou exigir que sejam os mais fortes. “
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Acredito, como George Addair, que “Tudo que você sempre quis está do outro lado do medo”. O que nos leva a Shakespeare, em a Tempestade: “Somos da mesma substância que os sonhos”.
Portanto sonhem. Lutem. Ousem. Não se deixem levar por vaidades, promessas fantasiosas e riquezas  egoísticas, incapazes de criar um mundo mais igualitário e fraterno. Mais feliz. Porque a riqueza maior é a que compartilhamos com nossos irmãos.
Lembrem-se que, da mesma forma que seus pais e todos que os apoiaram nesses últimos tempos, a quem presto minhas homenagens, vocês já mostraram seu valor. São vitoriosos.
Então, vamos à luta. Há um mundo lá fora a ser construído. Menos estranho.
Assim, mãos à obra. que a vida é trem bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir. Boa sorte.
Obrigado.




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