Vivemos tempos muito
estranhos.
Dita em 2012 pelo
ministro Marco Aurélio, do Supremo, a frase choca. Ou deveria chocar,
especialmente no mês de março, em que se comemora o dia Internacional da
Mulher.
Embora dita em outro
contexto, a frase surpreende mais quando sabemos que foi o ministro que decidiu
favoravelmente à soltura do goleiro Bruno, condenado pela morte de uma mulher. Decisão absurda, não fosse estranho o
ex-atleta, não ter ficado aguardando o julgamento de seu recurso em liberdade, ao
contrário de outros assassinos de linhagem mais nobre.
Se tecnicamente a decisão
do ministro é correta, a liberdade deveria causar indignação a todos nós para
quem as mulheres, como qualquer ser
humano, merecem desfrutar de igualdade de condições de vida e direitos sociais.
***
Mais estranho, sem dúvida,
é ver o goleiro tratado como ídolo, parado nos locais por onde passa para tirar
selfies. Pior: selfies com mulheres, jovens e sorridentes como era Eliza.
Enquanto isso, os jornais noticiam que a violência atingiu uma em cada 3
mulheres no ano passado.
Não estamos em guerra.
Diz o mito que, felizmente, o Brasil é um país pacífico, nunca alcançado por conflitos
cruentos.
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Tudo bem! Desde que aceitemos como natural aquilo que
disse o poeta Affonso Romano de Sant'anna: há 500 anos matamos índios e mulheres, e pobres e pretos. Especialmente jovens, pobres, pretos, da
periferia.
Somos um povo de boa
índole, pois.
Que conviveu com 59 600 homicídios apenas em 2014, ano de início
da crise econômica e social que nos assola. A maior parte das mortes causada
por armas de fogo e com envolvimento da polícia. E ainda há aqueles que fazem
campanha contra a lei do desarmamento.
Em cinco anos, o número
de assassinatos no Brasil foi superior ao da Síria, um país em estado de
guerra, sob ataques do temível Estado Islâmico.
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Exceto o Brasil dos dois
últimos anos, expande-se em todo mundo a quantidade de bens produzidos o que não impede
de assistirmos, cada vez mais,
populações inteiras condenadas à morte pela fome, destaque para as crianças. Um
dado: no mundo, o desperdício de alimentos atinge a mais de 1,3 bilhão de
toneladas de comida; 41 milhões apenas em nosso país.
Paradoxalmente, a pujança
na produção de riqueza, ao invés de gerar vida, permite que a morte ceife 1,7 milhão de vidas, principalmente de
crianças, fruto da poluição do ar, água contaminada, falta de saneamento e
higiene. No Brasil, embora tenha havido uma evolução, 30% dos lares não são
atendidas por esses serviços.
***
No mundo, cresce o volume
de produção e riqueza, mas a estatística indecente mostra que apenas 1% da
população detém mais que o total da riqueza possuída pelos demais 99% de
pessoas. No Brasil, 74600 pessoas detinham 15% da renda e mais de 22% da
riqueza total, em 2014.
***
Na esfera política, testemunhamos
a ocorrência de um golpe que, sob a desculpa do combate à corrupção, alçou ao
poder um grupo tão ou mais corrupto e há
mais tempo envolvido em tramoias e trambiques.
Desesperançado o povo já
não tem forças para retornar às ruas. Omite-se. Silencia-se e às panelas.
Atônito, assiste ao desfilar de promessas de recuperação econômica,
condicionadas à aprovação de reformas que lhes retiram direitos e um mínimo de
dignidade de vida. Recuperação que será aproveitada por uma minoria privilegiada, que sobreviver
a esse ataque aos direitos sociais.
***
É nesses tempos estranhos
que vocês se formam, e chegam ao mercado, com o dever de alterar o panorama
descrito acima. De imediato, um aviso: a tarefa é árdua. Mas vocês são capazes.
Para isso tiveram uma sólida formação profissional.
Só não lhes será
permitido, assim como aos atletas, se deixarem abater pelo desânimo. A esse propósito, cito a frase de Iturbe em
seu livro A Bibliotecária de Auschwitz: “Se
você não luta pela vitória, não chore depois pela derrota”.
Do mesmo livro extraí o
texto a seguir: “O atleta mais forte não é o que atinge a meta antes. Esse é o
mais rápido. O mais forte é o que se levanta cada vez que cai. O que, quando
sente dor nas costas não para. É aquele que, quando enxerga a meta bem ao
longe, não desiste. Quando esse corredor atinge a meta, ainda que chegue em
último, é um vencedor. Às vezes, mesmo que você queira, não está em suas mãos
ser o mais rápido, porque suas pernas não são tão compridas ou seus pulmões são
mais limitados. Mas você sempre pode escolher ser o mais forte. Só depende de
você, da sua vontade e do seu esforço. Não vou pedir que vocês sejam os mais
rápidos, mas vou exigir que sejam os mais fortes. “
***
Acredito, como George
Addair, que “Tudo que você sempre quis está do outro lado do medo”. O que nos
leva a Shakespeare, em a Tempestade: “Somos da mesma substância que os sonhos”.
Portanto sonhem. Lutem. Ousem. Não se deixem levar por vaidades,
promessas fantasiosas e riquezas egoísticas,
incapazes de criar um mundo mais igualitário e fraterno. Mais feliz. Porque a riqueza
maior é a que compartilhamos com nossos irmãos.
Lembrem-se que, da mesma forma que seus pais e todos que os apoiaram
nesses últimos tempos, a quem presto minhas homenagens, vocês já mostraram seu
valor. São vitoriosos.
Então, vamos à luta. Há um mundo lá fora a ser construído. Menos
estranho.
Assim, mãos à obra. que a vida é trem bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir. Boa sorte.
Obrigado.
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