terça-feira, 5 de abril de 2011

Inflação, mercado, juros, medidas macroprudenciais e a pressão sobre o presidente Tombini

Discuto com um colega de serviço a respeito das medidas adotadas por parte da Autoridade Monetária de nosso país, objetivando impedir que a inflação descole, não mais do centro da meta, já perdido, mas do intervalo definido pela política de metas de inflação.
A rigor, nosso debate se dá em torno de uma questão central: o Banco Central está identificando a inflação como provocada por excesso de demanda interna - face às políticas distributivas, creditícias ou de outras vertentes, praticadas no final do governo Lula, ou está identificando a inflação como choque de oferta, em decorrência de elevação de preços internacionais de commodities?
No primeiro caso, de a explicação decorrer de excesso de demanda, as medidas de caráter monetário e creditício, a serem tomadas pelo Banco, deveriam ser no sentido de conter ou cortar esse excesso, abrangendo para tanto a adoção de uma política monetária mais restritiva, com elevação do compulsório, emissão e colocação de mais títulos públicos, para reduzir a liquidez da economia; elevação da taxa básica de juros; e, no tocante à política de crédito, restrições quantitativas ao crédito, como corte de prazos, ou ainda, elevação dos impostos incidentes sobre este tipo de operações.
De quebra, agir para que o câmbio auxiliasse no controle da inflação, uma vez que a desvalorização da moeda americana permitindo a elevação das importações poderia, de um lado, impedir que os empresários aqui instalados repassassem para os preços internos alguns gargalos identificados, em especial no mercado de mão de obra de maior qualificação; adicionalmente, serviria como instrumento de pressão para que as empresas nacionais dessem continuidade à busca de elevação de produtividade e competitividade. Por outro lado, o dólar barato privilegiaria as importações, retirando pressão sobre a capacidade instalada da indústria.
No entanto, nunca é demais lembrar e o governo tem consciência disso, de que o dólar barato, ajudado pelo influxo de capitais externos em nosso país em níveis recordes, pode ter um impacto desastroso para nosso parque industrial, podendo interromper a retomada do processo de crescimento dos últimos anos e provocar uma retomada da elevação das taxas de desemprego. Também fragiliza nosso balanço de pagamentos, que torna-se deficitário nas transações em conta corrente.
Enquanto as commodities que exportamos continuarem com preços em elevação, e a liquidez do capital internacional permitir o financiamento de nosso déficit, não há muito com que se preocupar. O problema é quando a situação se reverte, cenário difícil de ocorrer, mas não improvável.
E o governo sabe disso, e por isso está agindo no sentido de manter a desvalorização do dólar dentro de certos limites.
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Também é necessário reconhecer que está sim, faltando mão de obra, especialmente qualificada no mercado, fruto de uma política educacional e de qualificação e treinamento abandonada ou caracterizada nas últimas décadas, pela adoção de uma não-política.
Porque mão de obra há, embora migrando para o setor de serviços, de menores exigências e, por outro lado, oferecendo remunerações mais atrativas, já que caracterizado por atividades "non tradeables", ou imunes à concorrência estrangeira grande parte das vezes.
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Essa elevação dos preços de serviços, não expostos à competição internacional, é outra das causas que podem explicar a elevação de custos de mão de obra para a indústria, com impactos sobre os preços internos.
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Ora, de tudo que vimos abordando até aqui, o que percebemos é que o Banco Central está agindo conforme os manuais recomendam, nem um milímetro fora das medidas tradicionais. E é bom lembrar que, desta feita, contando com a colaboração do controle dos gastos públicos, que mais que discurso está realmente em prática, a julgar pelo resultado recorde de superávit dos últimos meses.
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A questão então é outra: que medidas o governo deveria tomar caso a inflação fosse caracterizada como de origem externa e, por esse motivo, imune a muitas das medidas cujo público alvo é o mercado interno?
Sem entrar no mérito da questão de tolerar-se uma inflação mais elevada ou não, de forma a não abortar o crescimento recém-iniciado, há que se admitir que o governo adotou medidas de caráter expansionista nos últimos anos, como forma de superar a crise financeira que levou a todo o mundo de roldão. E que em algum momento deveria/deverá reverter essas medidas, tirando-as de cena.
Mas, em minha opinião, as políticas que vêm sendo adotadas já começam a superar a simples retirada do apoio dado antes. Já têm um outro caráter de, no mínimo, não permitir que a inflação de fora ganhe reforço e seja ampliada por parte de um aquecimento da demanda interna.
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Então porque o mercado reclama e pressiona por mais aumento das taxas de juros? Porque a discussão com o colega de mesa?
Quanto ao mercado, ele chia apenas porque tem a ganhar com os juros elevados, carregadores que são de títulos públicos remunerando à taxa Selic e, agentes responsáveis pela conversão do capital externo que adentra nosso país e, depois da reconversão, que tem se mostrado muito rendosa, dos capitais aqui aplicados para um dólar cada vez valendo menos. Atividade especulativa de ganhos espetaculares.
Segundo, porque o Banco Central resolveu cortar o crédito, através de uso de medidas de caráter macroprudencial, ou seja, medidas voltadas a gestão de riscos. E dentro desse critério, obriga os intermediários financeiros a colocarem mais capital próprio (mais de seu próprio dinheiro e não do nosso!), para aumento do risco ou da exposure de sua carteira de operações de crédito.
Ora, isso é mais custo para esses intermediários, que têm redução de ganhos. Além disso, representa também uma situação para a qual os modelos de avaliação e gestão de riscos empregados pelos bancos não estão preparados. No jargão do mercado, essas medidas macroprudenciais ainda não foram adequadamente precificadas.
Por isso eles pressionam por mais juros. E só.
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Quanto a meu colega, a discussão é outra. Para ele, o mercado está travando uma queda de braço com as Autoridades Monetárias, inclusive tentando vender a idéia de que o Ministro Presidente Tombini seria incapaz de domar o diabo da inflação.
De minha parte, o que afirmo é que o mercado não está satisfeito, porque não conseguiu capturar o Banco Central e seus principais representantes. Não da forma completa que desejavam. Mas, junto à sociedade e midia já influenciados por suas argumentações, já conseguiram convencer ao Banco Central de que melhor sacrificar algum crescimento em prol do controle da inflação. Que, em minha opinião não terá êxito, por não depender de nossa ação.
É isso.

2 comentários:

Whatever. disse...

Boa noite professor.Como usualmente, excelente texto. Aproveito minha passada aqui para lhe convidar para um visita a meu blog:

http://nadamaisquealgunssegundos.blogspot.com/

Postei a alguns dias atrás um comentário sobre ser economista e que coincidentemente encaixou com a finalização de sua aula hoje.

Um forte abraço e até amanhã!

Paulo disse...

Irei a seu blog e vou me inscrever para seguí-lo. Obrigado pelas palavras e, continue vindo nos visitar.