quinta-feira, 11 de abril de 2013

A inflação e o samba do crioulo doido

Começo afirmando que não sou favorável a que, depois de tantos anos de sacrifícios impostos à população brasileira no intuito de debelar a inflação, a própria sociedade, o governo ou quem quer que seja não se sinta na obrigação de impedir o retorno desse monstro, adequadamente representado pela figura do dragão.
Para nós, que tivemos a experiência de vivenciar todo o período de descontrole inflacionário, desdenhar dos sacrifícios feitos, e flertar com o retorno desse mal, seria sem dúvida uma irresponsabilidade, por tudo que a inflação representa: redução do poder de compra da população menos favorecida, empobrecimento de grande parte da população, ausência de ambiente favorável ao planejamento de uma vida econômica e financeira estável, concentração de renda, etc., etc.
Não precisamos nos alongar na lista dos malefícios sobejamente conhecidos da maioria de nós.
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Por outro lado, apropriando-me de uma analogia com o doente internado no CTI, submetido a febre não controlada depois de tentados vários tipos de tratamento e medicação, não acho nem adequado nem necessário que se desligue todos os aparelhos que mantêm o doente vivo, para que ao final, já em óbito, possa a equipe médica comemorar o êxito no combate ao processo infeccioso com a consequente redução da febre.
Quero, com essa imagem, voltar a bater na tecla já surrada de que não há necessidade de adoção de medidas drásticas e urgentes, em minha opinião, na tentativa se tentar debelar o mal representado pela inflação. Principalmente, quero reafirmar que acredito que, se é verdade que a elevação da taxa de juros seja instrumento hábil para combater  o soluço identificado no índice que mede a inflação, o funcionamento desse remédio pode alcançar seu objetivo apenas depois de ter liquidado todo o sistema econômico doente.
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Dito isso, podemos tecer alguns comentários a respeito da divulgação no dia de ontem, pelo IBGE, da taxa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, que é utilizado como índice de referência para o acompanhamento e controle da evolução do processo inflacionário em nosso país, e do êxito da Autoridade Monetária em atender aos objetivos fixados segundo o regime de metas inflacionárias adotado em nosso país.
Como amplamente divulgado, o IPCA de março alcançou a taxa de 0,47%, denotando uma desaceleração da taxa mensal, que havia atingido 0,87% em janeiro, e 0,6% em fevereiro. Conquanto a taxa de março revele estar havendo uma inflexão de tendência do índice ao longo do primeiro trimestre, esse fato não mereceu da mídia o destaque dado ao fato de que, anualizada, ou seja, considerada de abril do ano passado a março deste 2013, a inflação acumulou uma elevação de 6,59%, ficando acima do teto superior admitida pelo regime de metas, de 6,5%, equivalente à meta de 4,5% mais um intervalo aceito de 2%.
Corretamente, está aceso o sinal de alerta, coisa que o governo vem sinalizando já desde a última reunião do COPOM, conforme consta na Ata daquele Conselho.
Inclusive o documento já deixou claro que a Autoridade Monetária vê com atenção e acompanha com cuidado o comportamento do índice de preços, e está disposta a utilizar de todos os instrumentos disponíveis para impedir um recrudescimento e uma maior propagação dos efeitos inflacionário. Admite mesmo que a inflação está apresentando uma resistência que pode indicar estar havendo uma mudança de patamar.
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Por outro lado é importante lembrar que a meta de inflação e seus limites fixado pelo regime é relativo ao período de 12 meses compreendido de janeiro a dezembro, o que significa que se as previsões quanto à inflação indicarem a ocorrência de um retrocesso, a adoção de medidas monetárias mais duras pode não ser nem urgente nem necessária.
E, o que as próprias matérias que repercutiram o anúncio do IBGE no dia de ontem indicam é que o mercado continua trabalhando com a previsão de que a inflação atingirá os 5,7% ao final do ano. Dentro do limite definido em lei e demonstrando o cumprimento de sua tarefa por parte do Banco Central.

Um detalhe que deve ser observado em minha opinião, e que não foi abordado nas análises até aqui efetuadas, é que o comportamento do índice mensal do IPCA mostra que o pior momento já passou, e deve ser identificado com o período de agosto de 2012 até janeiro último, quando alcançou seu pico.
Janeiro, como se sabe, é um mês em que se acumulam vários aumentos de preços e tarifas de serviços de utilidade pública, como os gastos com educação (matrículas e material escolar), elevação de gastos com transporte urbano etc.
Além disso, aumentos do salário mínimo e, nesse ano, aumento de combustíveis, sem trocadilho, serviram para colocar mais lenha na fogueira.
O que sinaliza que pode-se esperar uma tendência de queda dos índices a partir de agora, especialmente pela entrada no mercado da safra recorde já anunciada de produtos agricolas.
Como já bastante divulgado, o item alimentação tem sido, em função de problemas climáticos, desde o início do ano um dos principais vilões da inflação. E contribuiu para elevar os preços em janeiro.
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Entretanto, a leitura das análises elaboradas pelos economistas de mercado me deixa cada vez mais surpreso, para dizer o mínimo.
E faz-me lembrar, inclusive, do saudoso Stanislaw Ponte Preta, alcunha do cronista Sérgio Porto e seu impagável FEBEAPÁ, o Festival de Besteiras que Assola o País. Em especial, a leitura de comentários me remete ao Samba do Crioulo Doido que o Lalau compôs em 68, em que se misturavam fatos e personagens  históricos sem qualquer respeito à cronologia e à vinculação entre eles.
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Digo isso porque, ao mesmo tempo que um analista reclamava que já passou da hora do Banco Central elevar as taxas de juros, para recuperar o tempo perdido desde 2011, quando  resolveu reduzir a taxa básica de juros mesmo a inflação já manifestando sinais de elevação (?), em outro trecho de sua argumentação, era possível ver que a inflação era justificada pelo excesso de demanda provocada por elevação de salário e renda, o que permitiu um poder ampliado de consumo por parte dos trabalhadores.
Com esse diagnóstico, a solução apresentada era aumentar a oferta e a produção, a partir do estímulo a novos investimentos.
Ora, como até os manuais de economia estão cansados de afirmar, desde a crise de 29 Keynes já mostrou que taxas elevadas de juros desestimulam a decisão de investimento dos empresários, seja pelo encarecimento do custo do capital necessário, seja pelo fato de se tornar mais vantajoso aplicar o capital no mercado financeiro que em expansão de atividades produtivas.
Conforme Keynes, o que estimularia o empresariado a investir seria a expectativa de demanda para sua produção, o que seria obviamente desestimulado com a elevação de juros e redução que isso impactaria nas compras parceladas.
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Mas o samba do crioulo doido não para aí: a mesma matéria afirma que a analista, vinculada a uma das mais famososas consultorias do mercado, ligada aos interesses do mercado financeiro, afirmava que o problema é que no Brasil, os empresários não têm interesse em investir em função da sensação que experimentam de que o BC tem perdido a condução sobre a política monetária, de um lado, e pelo enfrentamento crescente do governo com o setor privado.
Apenas não explica como esse enfrentamento se coaduna com as desonerações tributárias que o governo tem adotado, atendendo a solicitação dos mesmos empresários, consideradas mero paliativo temporário, porque, se capaz de reduzir o preço a curto prazo, não muda as condições de funcionamento do mercado.
Sem perceber a contradição de seu raciocínio, afirma que ao se conflitar com o governo, os empresários deixam de promover novos aportes financeiros, o que compromete a produção, trava o crescimento e provoca o desemprego.
Como se os juros e uma política monetária restritiva, reduzindo a demanda agregada e a expectativa de vendas é que levaria o empresário a desejar expandir a produção de produtos para os quais não haveria compradores. E tratando a utilização dos instrumentos de política fiscal, no mínimo, como inócuos.
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Mais acertada a análise crítica do Prof. Samy Dana da FGV-SP,  no portal do UOL de ontem, que critica a política fiscal adotada taxando-a de arbitrária, por privilegiar a deteminados setores da economia, obviamente aqueles ligados aos interesses econômicos mais poderosos, no lugar de promover uma reestruturação necessária e mais profunda, em nosso sistema tributário.
Não tão escandalosamente interessado na defesa dos mercados financeiros e de uma elevação de juros em que só eles se beneficiam, o professor toca num ponto que considero crucial: o fato de que as margens de lucro em nosso país são bem maiores que a de outros países o que sinaliza que parte da resiliência manifestada pelos preços deve-se ao exercício de poder de mercado.
O que, aliás, é bastante compatível com o fato de os preços da cesta básica terem aumentado, mesmo com a desoneração de vários dos produtos que a integram.
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Em síntese: a gritaria a favor de elevação dos juros continua sendo feita, agora com um argumento novo e de peso, o fato de a inflação ter superado o teto da meta(???).
De minha parte, acho desnecessária a medida, a menos que seja para contentar aos tubarões do mercado financeiro e seus acólitos ou porta-vozes.
Ou então para que Dilma ao mesmo tempo possa resolver dois problemas que mexem com o imaginário popular e, pois, com o processo de formação de expetativas.
De um lado, mostrar que, mesmo não sendo adepta da idéia de mexer nos juros, o BC tem autonomia e mexe, se e quando necessário.
Segundo, provocar agora uma retração no cresimento e uma redução no desemprego, enquanto estamos há quase 18 meses das eleições. Abater, a inflação e, então, deixar para voltar a reduzir juros e estimular o emprego quando as eleições estiverem mais próximas. 


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