Como se lembra, considerada um dos pilares da implantação do Plano Real e de seu êxito, a ideia de âncora cambial importava na adoção de um câmbio fixo que, em sua implantação estabelecia a cotação de um real para um dólar.
Dessa forma, e junto à adoção de uma política de abertura comercial sem precedentes, principalmente na gestão do ministro Ciro Gomes, procurava-se quebrar o poder de fixação de preços do empresariado nacional, o que contribuiria de forma contundente para a estabilidade de preços. Pelo menos no tocante a produtos considerados tradeables, ou seja, aqueles que podiam se sujeitar à concorrência de bens produzidos fora do país. Só a título de observação, serviços obviamente não constavam dessa lista de produtos, o que permitiu uma elevação da renda dos prestadores de serviços, o que levou FHC a comemorar que o povo de menor condição social e, em geral, prestadores de serviços, estavam podendo se alimentar melhor.
Em função da pressão da concorrência, não apenas os produtores nacionais tiveram seu poder de fixação de preços reduzido, como também tiveram que se preocupar com a melhoria da produtividade de suas empresas, para enfrentarem os produtos internacionais mais competitivos.
Parece-me que a Coteminas de José Alencar, por exemplo, foi uma das empresas, na área têxtil, que teve grande êxito em tal busca de melhoria de produtividade, conseguindo enfrentar a invasão de nosso mercado por produtos chineses.
Auxiliado por uma política monetária rigorosa, que tinha como consequência uma taxa de juros elevada, e contando com a grande liquidez existente nos mercados internacionais, houve um significativo influxo de capitais em nosso país, o que levou o real a se tornar mais valorizado que o dólar.
Embora isso fosse contrário ao fundamento do câmbio fixo, por interessar ao governo do ponto de vista do marketing do plano, o governo não adotou medidas imediatas para promover desvalorizações da nova e forte moeda.
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Foi apenas depois da crise do México, ainda em dezembro de 94 e início de 95, e o efeito contágio que esse tipo de situação gera, que o governo percebeu que não podia manter o real valorizado, implantando um sistema que ficou conhecido como sistema de banda cambial, que estabelecia valores mínimos e máximos entre os quais o dólar poderia variar.
A utilização desse sistema permitiu que nossa moeda passasse a ser desvalorizada, se não me falha a memória em até 7% em um daqueles anos, embora de forma paulatina e até despercebida para o grande público.
A ocorrência de crises na Ásia e Rússia e, mais uma vez o efeito contágio, acabaram fazendo com que nossa taxa de juros alcançasse valores exorbitantes, tornando nosso país a Meca para os capitais externos. Com isso, nossa disponibilidade de dólares permitiu que continuássemos importando bens e mantendo a inflação sob controle, às custas de uma gradativa deterioração de nossa balança de transações correntes.
A tal ponto chegou essa deterioração, denunciada pela oposição e tratada como nhem-nhem-nhem ou simplesmente choro dos adversários por FHC, que a necessidade de uma correção do câmbio passou a ser cada vez mais evidente.
Entretanto, para não dar o braço a torcer, admitindo falhas na condução do plano, especialmente em ano de eleição, o governo do PSDB preferiu manter o câmbio sem alterações mais relevantes, praticando o que ficou conhecido pelo nome de estelionato cambial.
O resultado não poderia ser outro: com todos os analistas reconhecendo a fragilidade da situação cambial do país e de suas contas, tanto aqui como no exterior, ocorreu o fenômeno inevitável e temido, da corrida contra a moeda nacional.
Mas, tal corrida especulativa apenas se intensificou depois de passadas as eleições, vencidas no primeiro turno por FHC.
E em janeiro de 99, a desvalorização do real passou a ser mais que uma opção a única saída para manter nossa economia estável.
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Comento todo esse processo não apenas por estarmos comemorando os 20 anos do Plano que venceu a inflação, mas por que, por ser 2014 um ano eleitoral, a questão do estelionato eleitoral e seus desdobramentos, tem sido lembrado agora por críticos do governo Dilma e seus esforços na busca da malsinada reeleição.
Apenas que agora, ao contrário do câmbio e da situação externa, que muito me preocupa, a bola da vez para justificar uma prática de estelionato, é a questão da energia.
Para alguns críticos, querendo fazer demagogia e conter a inflação com base nos velhos moldes autoritários e intervencionistas adotados antes da implantação do Plano Real - que tanto mal acarretaram-, Dilma optou por adotar uma política de represamento de preços, principalmente em relação aos combustíveis quanto da energia.
Como quem "não tinha aprendido com a experiência exitosa do Plano, que deixou ao mercado e ao livre funcionamento de suas forças o controle da inflação", Dilma agiu de forma voluntariosa, provocando prejuízos de grande dimensão para as empresas energéticas e a Petrobras, cujo valor de mercado despencou.
Passando ao largo do voluntarismo e intervencionismo de Dilma, o que acho curioso é o fato de os críticos não se lembrarem de que a questão da energia e seu custo foi uma demanda, senão uma das maiores imposições da classe empresarial de nosso país, sempre reclamando da perda de competitividade dos produtos aqui fabricados, em função do chamado Custo Brasil.
Desnecessário dizer que um dos principais componentes desse custo é o preço da energia.
O que Dilma fez foi curvar-se aos grandes interesses empresariais, ao determinar a redução de preços da energia, como forma de incentivar a produção e a recuperação do crescimento de nossa economia. Tudo na direção e com a mesma intenção da política de corte de impostos, redução dos gastos com a folha salarial, etc.
Se nossa classe empresarial não reagiu conforme o esperado pela equipe econômica do governo; se a produção não apresentou a retomada projetada, e as razões disso, são outras questões, de mesma ou até maior importância.
Mas, aqui, vale dizer que o que foi a política econômica de Dilma foi a consequência das demandas dos empresários que, atendidos, não corresponderam e não cumpriram com sua parte do "acordo".
O PIB brasileiro teve um comportamento pífio, as contas públicas ficaram em situação menos favorável, e a situação da Petrobras (com o preço dos combustíveis contido) e das energéticas se deteriorou.
É certo que Dilma estendeu a concessão de subsídios para a energia residencial, o que pode ser considerado um ato populista.
Mas, nesse caso, a grande maioria da população foi quem se beneficiou e, agora, se as medidas corretivas que devem ser adotadas, passam pela elevação da conta para os consumidores e para os contribuintes, são os que se beneficiaram que agora vão ter de arcar com o ônus.
Ou seja, se revela má gestão ou gestão atabalhoada a política de Dilma, que vendeu ilusões para a população, ao menos serão os beneficiários de antes que irão pagar agora. Ou depois das eleições.
Chamar isso de estelionato eleitoral é no mínimo uma forma de apresentar o problema sem promover uma análise séria, o que, de resto, é o mais comum em nossa grande imprensa.
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Até porque quando da adoção da política, dita demagógica e que em verdade foi imprevidente, o país e sua população das regiões mais industrializadas e desenvolvidas, não estava passando pelo período de seca que estamos experimentando. Nem sequer a questão dos efeitos da estiagem poderiam ser previstos, com a queda dos níveis de água dos reservatórios e represas que afetam o fornecimento da energia hidrelétrica e até o fornecimento de água.
Com o verão extremamente quente, o gasto maior de energia obrigou a que se utilizasse a geração de energia de termelétricas, mais cara, o que põe mais combustível na fogueira dos preços.
Em minha opinião, se foi imprevidente, e induziu a um gasto de energia maior que o devido por sua política tarifária, com o que vale a pena frisar, concordo, não se pode imputar a Dilma a culpa por não chover.
E por estarmos precisando de usar fontes de energia mais caras, que é o custo para evitar um apagão ao estilo do que vivemos em 2001, no governo FHC.
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Quanto a sair bradando que a conta do ajuste terá que ser feita em 2015, já que em ano eleitoral ninguém fará a correção e elevação dos preços, só um detalhe merece comentário.
É que o ajuste deverá ser feito, e será amargo, claro, qualquer que seja o candidato que se sair vencedor nas eleições de outubro.
Querer acusar o governo de não começar esse ajuste agora, para evitar o prejuízo que isso provoca para as pretensões eleitorais de Dilma, é no mínimo, ingenuidade ou querer fazer-nos de idiota.
Porque se poderia ser justificado pelo fato de tornar os tais ajustes mais palatáveis e de menor sacrifício para a população, quem reclama da decisão de adiar todo o ajuste para 2015, pode passar a impressão de que seu candidato não tem a coragem ou força para promover os ajustes por mais dolorosos que possam ser, caso vitoriosos.
Para mim, essa imagem de Dilma como sendo a de uma governante que não tem coragem para tomar medidas necessárias, embora impopulares, acaba também sendo apropriada a outros candidatos, que desejam que o trabalho desagradável seja feito antes de eles exercerem seus mandatos, para que não sobre para eles o ônus da adoção de medidas impopulares.
Em outras palavras, acusa-se Dilma de comportamento que seus preferidos também podem estar manifestando.
Tudo, farinha do mesmo saco.......
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