terça-feira, 25 de março de 2014

Nota do Brasil rebaixada e os interesses de sempre dos magnatas das finanças mundiais

Qual o real significado do rebaixamento da nota do Brasil, anunciado ontem, pela Standard & Poor's?
Em primeiro lugar, é importante lembrar que a redução da nota não afetou o status do país, em relação ao que os mercados denominam de grau de investimento. Ou seja, o Brasil continua sendo um pais recomendado para a realização de investimentos pelos gestores financeiros internacionais.
A situação piorou um pouco, mas não abalou a confiança na capacidade do país honrar seus compromissos.
Apenas, e isso não é nem um pouco interessante, a aplicação de capitais aqui deverá ser feita contra a elevação da taxa de juros de remuneração, em função do aumento necessário do prêmio de risco.
Dizendo em outras palavras, os todos poderosos das finanças internacionais continuarão aplicando seus recursos líquidos no Brasil, já que nenhum país do mundo mantém uma taxa de juros tão elevada e que remunera como acontece por nossas terras, só que irão querer ganhar algo a mais, em função do risco.
Como nossa conta de transações correntes está cada vez mais fragilizada, com déficits crescentes, o Brasil precisará cada vez mais de atrair capitais externos, de investimentos ou de empréstimos, para financiar essa utilização de "poupança externa".
Na medida e no instante em que se fizer mais necessária a entrada de tais capitais, o risco maior será lembrado e os donos desses capitais irão nos cobrar juros mais elevados.
Curioso é que foi exatamente essa política de juros elevados, algumas vezes sob a desculpa da necessidade de se controlar a inflação via contração da demanda, que levou a que tantos capitais se sentissem atraídos e viessem a ser aplicados aqui, o que promoveu a valorização de nossa moeda, o real.
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Ok, o real valorizado nos inseriu, à elite e às classes sociais mais abastadas, na onda do consumo importado mais sofisticado e de mais glamour ou luxo. Permitiu-nos viver as delícias do "primeiro mundo", inclusive pela possibilidade cada vez maior de estarmos, de fato, no primeiro mundo, como apontam as estatísticas dos gastos com viagens internacionais, que tanto cresceram.
Mas, como o empresário não é bobo, e visa lucro, também ele passou a enxergar as vantagens de comprar insumos e matérias-primas no exterior, pagando mais barato em produtos importados e reduzindo seus custos de produção.
Com isso, parte das cadeias produtivas de fornecedores se desmantelaram, incapazes de concorrerem com os produtos vindos de fora.
Sem competitividade, especialmente pela questão do câmbio, vários fornecedores nacionais foram obrigados a fecharem as portas, situação que, agora, quando a situação se inverte, revela sua face mais dramática.
Isso porque, sem muita confiança em nosso país, além de cobrar juros mais elevados, alguns investidores poderão preferir ou até serem obrigados por seus regulamentos, a reduzirem suas carteiras no Brasil. Como se sabe, alguns fundos de pensão e outros chamados investidores institucionais seguem regulamentos de aplicação financeira que estabelecem a exigência de um certo rating do país ou empresa onde os recursos deverão ser alocados.
Pois bem, o rebaixamento de nossa avaliação pode então ter também o efeito de levar a que alguns investidores saiam do país, o que nos levaria a assistir a uma demanda maior pelo dólar, e a elevação do câmbio.
E com o dólar mais caro, e sem os fornecedores nacionais, já que esses foram desmantelados, a chance de nossa indústria, por exemplo, ter de adquirir os insumos mais caros, no exterior, é uma possibilidade que se manifesta no horizonte. O que poderia provocar uma elevação de custos e de preços, alimentando o processo inflacionário.
O que levaria a imprensa, os mercados, os credores estrangeiros e as agências de rating a cobrarem juros maiores, para debelar a inflação. Em uma corrida sem fim, do cachorro atrás de seu próprio rabo.
Maiores juros, maior o gasto público, maior o déficit nominal do orçamento público e maior fragilidade da economia brasileira, o que provocaria mais uma redução de nossa avaliação.
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Curioso é que, como disse a Miriam Leitão no Bom dia Brasil de hoje, essas agências de rating já falharam muito. Inclusive contribuindo com a formação da crise financeira internacional, onde fizeram lucros espetaculares, conforme nos mostra o excelente filme documentário Inside Job, e chegando a dar as mais altas notas para bancos que, em seguida, tiveram de encerrar suas atividades, quebrados.
Entretanto, mesmo falhando e cometendo erros, e até crimes, essas agências não perderam a pose. Não perderam o prestígio e continuam atribuindo notas e avaliações como se a avaliação delas fosse, antecipadamente e de forma parcelada, o juízo final para as condições econômicas de países e suas empresas.
Como disse a jornalista da Globo, elas falharam muito, mas junto aos mercados a opinião delas continua com o mesmo prestígio de antes. O que deve ser atribuído ao fato de elas acabarem sendo porta-vozes dos tais mercados. E agindo, com  um pretenso rigor técnico, em defesa dos interesses das classes que estão por trás do eufemismo que é o uso dessa expressão "mercados".
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Mais interessante é o comentário de que ao servirem de parâmetro para o mercado internacional, ao darem suas notas e justificarem suas decisões, essas agências acabam assumindo o papel de condução das políticas econômicas do país ou países avaliados, de forma ditatorial e sem levar em consideração os interesses da sociedade avaliada.
Assim, justificam a redução da nota por força do crescimento baixo do PIB brasileiro, que impediu a receita pública de apresentar um comportamento mais confiável, entendendo-se aí, a capacidade de se cobrir as despesas de custeio da máquina pública. Dessa forma, o superávit primário, aquele resultado cuja função é assegurar que o dinheiro dos credores é sagrado e seus direitos serão honrados haja o que houver, acabou apresentando queda, sendo sustentado por uma contabilidade criativa.
Ou seja, foi por artifícios contábeis, como recuperação de créditos fiscais junto a sonegadores, que o governo alcançou o superávit prometido, como se qualquer agente que fosse cobrar àqueles que devesesem a ele estivessem incorrendo em uma falha de comportamento. Melhor seria o que? Quebrar? Valorizar, elogiar e deixar o sonegador posto em sossego?
Alegam que esse comportamento ajuda uma vez, e não poderá ser repetido, ou seja, não é solução sustentável.
Por outro lado, criticam os gastos públicos, procurando mostrar que se elevaram muito, sem controle, sem considerar que tais gastos são ou causados principalmente pelo pagamento dos juros sagrados, exatamente aos credores, ou por aquilo que Samuel Pessôa chamou em artigo publicado na Folha de o contrato social.
Para não haver dúvidas: aquilo que a sociedade deseja que seja feito em seu benefício.
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Pois bem, entre a sociedade e seus desejos e aspirações, e a vontade e interesses defendidos por essas agências de rating, em nome dos magnatas das finanças internacionais e seus parceiros e aliados internos, ficamos constrangidos a atender às agências.
Para acabar de vez com essa ideia de que os interesses dos analistas do mercado e das grandes finanças internacionais estejam de acordo com o que recomenda a racionalidade e a noção de bem estar geral, essa ficção de ótimo paretiano, e mostrar que quem manda mesmo é o capital.
E quanto mais forte, mais o seu poder, submetendo a tudo e a todos.

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