segunda-feira, 9 de março de 2015

Discurso de Dilma e panelaço: quando Dilma muda o passo, a oposição muda a música

Também eu ouvi, ontem, os gritos de "Fora, Dilma" e algumas buzinas e panelas sendo batidas nas janelas da vizinhança, enquanto a presidenta discursava em rede nacional.
E apesar de janelas de meu apartamento estarem abertas, o barulho não foi capaz de impedir-me de ouvir a fala da presidenta, e suas justificativas, toscas em minha opinião, para a guinada que resolveu dar, em seu segundo mandato.
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É verdade que a crise internacional prossegue, e está longe de terminar. A Grécia, em destaque, e outros países da Europa, são exemplos de que ainda convivemos e iremos conviver por mais algum período com as consequências da crise financeira iniciada em 2007/2008 nos Estados Unidos.
Também é verdade que até a China foi forçada a reduzir seu crescimento vertiginoso, embora as razões para tal decisão não sejam exatamente aquelas que explicam o baixo crescimento do Japão, que já atravessa uma crise de estagnação há bastante mais tempo, ou dos maiores países da Europa.
Inegável, ainda, que ao contrário de outras épocas, a economia brasileira não sofreu os impactos da crise financeira internacional com problemas de estrangulamento de divisas e crise cambial. 
E, por fim, a economia brasileira não elevou seu desemprego, não praticou as tradicionais políticas que, em primeiro lugar, atingiam os salários, que foram mantidos crescendo acima da inflação, e o governo adotou sim, postura correta de defesa da população, absorvendo os efeitos da crise e utilizando seu arsenal de políticas fiscais para impedir que a crise reduzisse a pó, os ganhos recém conquistados pelas camadas menos privilegiadas.
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Mas, aí é que, em minha opinião, reside o principal problema da nossa economia e de Dilma e seu (des)governo.
Se tais políticas eram as adequadas para o momento, o que mudou de lá para cá, já que a própria presidenta reconhece que as mudanças no cenário externo foram até para pior?
Alegar, como a presidenta o fez em seu discurso, que não haveria como prever que a crise duraria tanto é, no mínimo, reconhecer um alheamento da realidade e a falta de um planejamento e de uma visão estratégica que nos deixam chocados. 
Ou a presidenta e sua equipe não viam os índices de desemprego na Espanha, na Grécia, as várias manifestações na França; não acompanhou as notícias relativas ao baixo crescimento da economia alemã, a mais forte da zona do Euro; ou não viu o quanto a economia americana patinava, a ponto de as medidas de restrição monetária, prometidas a mais de um ano, ainda estarem aguardando melhor oportunidade para saírem da gaveta; para não falar da crise de nosso parceiro preferencial no Mercosul.
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Ora, todos viam e percebiam que a situação do país no front externo não recomendava qualquer expectativa favorável. Mais ainda quando, a meio do caminho da política traçada, houve uma primeira guinada, e os juros voltaram a subir em nosso país, atraindo capitais externos, mantendo nossa moeda sobrevalorizada e, mais uma vez, retirando a chance de qualquer recuperação de nossa indústria, tanto em relação aos mercados externos quanto internos.
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Então, se é verdade que a governo tentou proteger a população mais desfavorecida, as medidas que adotou foram além de apenas promoverem redução de graus de liberdade na gestão do orçamento. E embora tais medidas beneficiassem a grande maioria das famílias brasileiras, que se aproveitaram da redução de preços de energia para aumentar seu consumo de forma irracional; que se aproveitaram da redução do preço dos combustíveis; que se aproveitaram da redução de impostos para trocarem os veículos ou renovarem a frota de carros da família, o governo foi conquistando cada vez mais inimigos. 
Especialmente, junto a setores mais conservadores da nossa sociedade, ou famílias de classe de renda mais favorecidas, inconformados muitas vezes mais com o discurso de Dilma e seu PT, e com o atrevimento deles, de sempre privilegiarem as famílias de menor poder aquisitivo.
Porque afinal, se houve Bolsa Família, houve também o Ciência Sem Fronteiras, programa que financiou a ida para estudar em universidades estrangeiras de muitos filhos de famílias mais ricas. Se houve o programa Minha Casa, minha Vida, as condições de obtenção de financiamentos permitiram que o setor de construção pudesse experimentar um boom, em parte sustentado por empreendimentos cujos imóveis não valiam menos que o milhão de dólares.
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Viagens aéreas, férias no exterior, automóveis cada vez mais sofisticados, foram produtos que cada vez mais fizeram a festa de pessoas e famílias de todos os níveis de renda, sem deixar de fora, claro, os mais ricos.
O que se constata facilmente, bastando observar os gastos de viagens de turismo e o resultado de nossa balança de serviços, nessa rubrica.
Mas, aí estava parte do problema. A distribuição de renda, ainda mais quando feita de forma mais concentrada no tempo, levanta imediatamente uma série de restrições e críticas. E quem diz isso não sou apenas eu. A esse respeito, e comparando o nosso país com o que aconteceu nos anos 50 nos Estados Unidos, Tom Hartmann já havia descrito o quadro em que estávamos mergulhando.
É verdade que, nesse meio tempo, e por motivos às vezes alheios às políticas do governo, a inflação andou dando sinais de resistência à queda. Nada muito sério, já que ainda sob controle. Mas, isso foi a senha para que o mercado e seus analistas, e a mídia deflagrasse uma campanha de amplas dimensões contra o governo Dilma e seu ministro Mantega.
A ponto de as medidas destinadas a favorecer o empresariado não surtirem efeito, não os estimulando a saírem da inércia e a decidirem a realização de investimentos, sob a alegação de falta de confiança nos fundamentos da economia.
Sem investimentos, a economia parou de crescer, apresentando pibinhos de que a imprensa se valeu para por mais lenha na fogueira e ampliar a crítica ao partido no poder.
Processo que se desenvolveu de tal forma, que quase transforma nossa última disputa eleitoral em um sério confronto direita versus esquerda.
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Pois bem. Dilma ganhou, mas o PSDB e os setores mais conservadores, não conseguiram absorver o resultado das urnas, partindo para o golpismo.
E o panelaço de ontem tem, claro, filiação nessa fissura criada na sociedade brasileira desde sempre.
E curiosamente, para mostrar que a questão é muito mais política e ideológica que econômica, tudo acontece quando a presidenta dá uma guinada monumental na política, adotando as recomendações e medidas que a oposição considerava suas.
Ou seja: como Dilma roubou a bandeira da oposição, a oposição age tal qual o governo. Rouba as preocupações do partido do governo. E enquanto Dilma faz política de corte recessivo, a oposição discursa favorável a políticas voltadas para assegurar as conquistas sociais.
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Seria cômico, não fosse o Brasil o país da pantomima. Seria trágico. E pode ainda vir a ser.
Mas, não pelo caráter das medidas que Dilma adota, sob a tutela de Joaquim Levy e do mercado que o apadrinha. Essas medidas são as que a classe mais privilegiada sempre cobrou, talvez por ser a única beneficiária do resultado final das mesmas.
O governo vai acertar suas contas, e Dilma apenas admite, timidamente, que estava errada. O governo vai aumentar a extração de riqueza gerada pela sociedade, elevando a carga tributária para pagar seus credores ricos, e Dilma continua prometendo que a classe mais desfavorecida não terá perdas de conquistas. Dilma anuncia redução de gastos em áreas fundamentais, mas continua anunciando serviços públicos melhores, mais eficientes. 
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Se antes era acusada pela oposição de viver em um país ficcional, completamente róseo, agora sim, tinge suas fantasias de cores mais berrantes prometendo que o povão extrairá vantagens de sua guinada. 
O interessante é que, ao mudar toda a política, querendo ou não reconheceu que estava errada e que ajudou a construir uma situação considerada próxima ao caos. 
Que o povo mais necessitado de nosso país, que se beneficiou da primeira parte, possa vir a se beneficiar ainda mais dessa segunda, que é justo o contrário, é onde deve residir o milagre. 
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Mas, abraçada a seus novos amigos, Dilma vai descobrir, e o panelaço pode influir nisso, que esses não são amigos verdadeiros. São amigos de ocasião. Falsos. Tão falsos como as promessas feitas por ela no discurso de ontem.
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Uma última observação: embora não tenha sido objeto de qualquer comentário, a reação de parte das classes médias de maior poder aquisitivo, que se beneficiaram de medidas do primeiro mandato; tanto como a reação de camadas mais pobres, que não negando os benefícios, ainda são contra a permanência de Dilma, passa muito pela questão dos escândalos.
E talvez o panelação seja mais a manifestação de que a sociedade brasileira não aceita mais conviver com a corrupção, a roubalheira e os privilégios, entre os quais a impunidade, que sempre foram características de nossa classe política e dirigente.
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Desse ponto de vista, a reação de ontem, a princípio restrita a bairros de classe média alta, faz mais sentido ao menos. E pode e deve ganhar mais adeptos junto à sociedade. 

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