quinta-feira, 12 de março de 2015

Reações e movimentos de uma sociedade fragmentada

A verdade é que não nutro qualquer simpatia pela presidenta Dilma.
Se votei nela no segundo turno da campanha eleitoral, é porque achava que era o mal menor. E quando me refiro a mal, em hipótese alguma estou fazendo menção à pessoa do candidato Aécio. Por quem também não tenho qualquer simpatia, embora pessoas de minha relação que o conhecem mais de perto, de Cláudio até, falam de seu carisma, de seu jeitão simples e de seu bom papo.
A questão é que não voto em pessoas, mas em ideias. E no que julgo serem as ideias mais adequadas para o país, em um dado momento.
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Em relação ao momento eleitoral de 2014, achava então, e continuo com o mesmo pensamento, que Aécio representava a volta dos interesses do capital financeiro internacional e de seus associados nacionais ao centro do poder em nosso país. 
Não. Não sou ingênuo. A verdade é que esses interesses nunca deixaram de ser dominantes e seus atores os mais privilegiados beneficiários das políticas praticadas, mesmo nos tempos de Lula e também nos tempos de Dilma 1.
Não é à toa que enquanto o Bolsa Família representava um gasto de uma quantia que poderíamos chamar de razoável, a bolsa banqueiro, representada pelo pagamento de juros sobre a dívida pública, calculado com base em taxas de juros vergonhosas, representava um gasto várias vezes mais elevado.
Sim. A mídia poucas vezes deu destaque a esse ponto. Afinal, sócia dos interesses financeiros dominantes, também ela se beneficiou da situação. O que transformava o silêncio em melhor postura.
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Mas na eleição de 2014 houve uma reviravolta. Os interesses hegemônicos estavam tão fortalecidos que se sentiram em condições de sair de seu lugar de observador privilegiado, situado atrás do cenário para vir ocupar o centro do palco, talvez em busca de aplausos a coroarem os ganhos exorbitantes. 
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Por várias vezes nesse blog comentei do desastre que eu imaginava que estaríamos preparando para nossa economia, caso os interesses do capital financeiro, internacional e especulativo, assumissem a condição de ator principal de nossa história.
Por esse motivo, em especial, fiquei contra a candidatura do PSDB.
Outros motivos haviam, claro. Menos importantes, mas também capazes de influenciarem minha opção de voto.
Entre tais motivos, a certeza de a candidatura Aécio trazer em seu entorno, um certo ranço de visão individualista, liberal, ao menos do ponto de vista da economia. Uma ideia de Estado mínimo, de sociedade baseada no cada um por si. Em minha opinião, uma visão de sociedade que nega o próprio fundamento de comunidade que é base para a vida social. 
Ao lado dessa visão econômica, muito difundida dentro de uma certa classe de pessoas em nossa sociedade, em geral situadas nos estratos mais elevados de renda, sempre achei que estava presente um certo conservadorismo de costumes. O que não é definitivamente contraditório, já que para as classes integrantes das elites, que se supõem suficientemente bem formadas, informadas, intelectualmente preparadas, etc. as regras da boa conduta e convívio são algo que já nascem com elas. Inerentes. Inatas.
Dessa forma, elas podem ser liberais tanto no campo econômico quanto do comportamento. Mas, devem exercer a eterna vigilância em relação ao comportamento, nem sempre adequado das classes que não tiveram a sorte de nascerem em berços esplêndidos.
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A esse propósito, relembro-me de Marx, no Manifesto, comentando a respeito das cobranças feitas ás classes trabalhadoras, de adoção de comportamentos mais afeitos à moral burguesa, em especial, os comportamentos de respeito às relações da fidelidade no casamento, etc. embora entre eles, tudo fosse permitido e liberado.
Logo, não há contradição aqui, como não havia quando o liberal comerciante de açúcar, que encantava os salões europeus com sua verve e filosofia, retornava a suas terras e seus canaviais, plantados e cuidados por braços escravos, como o descreveu tão bem Caio Prado.
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Pois bem, grande parte de pessoas dos extratos mais privilegiados da nossa população, embora não participando das benesses auferidas pelo grande capital, adotaram imediatamente a candidatura peessedebista, do chamado candidato playboy, com quem se identificavam nos modos, comportamentos, maneiras de ver o mundo. 
Dentre essas formas de ver o mundo, manifestavam, sempre que possível, sua insatisfação com o que o governo petista estava fazendo, reduzindo as diferenças entre eles, e os outros. Tornando cada vez mais difícil que eles pudessem ter e sustentar batalhões de empregados domésticos. Pior, ainda, dando asas a cobra, ao assegurar direitos e dar a eles a opção de não ter que se venderem a qualquer trocado. Afinal, agora havia a opção de uma renda que lhes permitia poder exigir um salário minimamente digno.
E, suprema arrogância, essa turma do andar de baixo começou a entulhar as ruas e estradas com seus carros populares de segunda mão, e encher os saguões dos aeroportos e até os iates de cruzeiros.
Tudo por conta de grana que o governo lhes assegurava, segundo seu pensamento, extraída de seus esforços.
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Quantas vezes, nos ambientes por mim frequentados, não ouvi essa ladainha: tinha de fazer pela gente, que é quem se esforça e luta. E faz por esse pessoal que nada fez para merecer. Porque eu tive de me esforçar, correr atrás e não recebi nada de mão beijada?
Pois bem, essas pessoas que eram eleitoras do PSDB derrotado é que, dando uma demonstração cabal de que não sabem perder, e que não respeitam a democracia, é que se articulam e tentam de todas as formas criarem condições para  que um golpe possa ser desferido em nosso país. 
Essas pessoas é que, mesmo sem perceber, estão fomentando uma crise que pode descambar em mais um período de autoritarismo. Que como todo autoritarismo é sempre muito pior que a pior democracia. 
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Mas, é direito deles irem às ruas, se manifestarem. Mostrarem sua indignação. 
Mesmo que, sem que tenham percebido, o governo contra o qual se levantam, é o que está adotando todo o comportamento que eles desejavam e pelo qual optaram, ao menos no campo econômico, 
Mas, esperar que percebam isso, é mesmo exigir demais. Acreditar que tenham a capacidade para ver que os interesses que continuam sendo atendidos nos dias de hoje, sob a batuta do ministro Levy, são aqueles mesmos que eles apoiavam em outubro, é não reconhecer a realidade. 
Achar, inclusive,  que eles tenham, ao lado de um nível melhor de vida e renda mais elevada, um padrão de educação que permita que suas manifestações sejam menos agressivas, menos grosseiras e com menos baixarias, é uma ilusão. 
O que nos força, mesmo a contragosto, começar a analisar a hipótese de que, por trás de toda essa movimentação existe apenas, e tão somente, a manifestação de um ódio de classe. Como todo ódio, sem qualquer fundamentação razoável.

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