Interessante, para dizer o mínimo, a situação a que chegou o governo Dilma. Ou melhor seria o desgoverno.
Mais interessante ainda, a imagem que a presidenta passa, à medida que seu governo parece definhar. Antes mesmo de ter iniciado. Se antes era a gerentona do Lula, e no início de seu primeiro mandato, como lembrou o ex-presidente FHC em entrevista à Folha (p. A8 do caderno principal de hoje), chegou a passar a imagem de faxineira, Dilma é hoje apenas uma sombra do que foi.
Recuperando parte da entrevista de FHC, e também nossa lembrança, logo que assumiu, Dilma não teve qualquer pudor em assumir a imagem de faxineira, com a qual, surpreendentemente, chegou a agradar a toda a classe média de poder aquisitivo mais elevado.
Naquela oportunidade, Dilma promoveu além da dispensa de ministros, uma verdadeira dança das cadeiras que alcançou inclusive a Petrobrás, chegando a ser apontada como a guardiã da moralidade, a responsável pela luta anti-corrupção. Que, segundo FHC, ela herdou.
De lá para cá, a recusa de se pronunciar quando da condenação decidida pelo STF dos mensaleiros, a denúncia de uma certa conivência com as manobras recomendadas pelo jogo de cintura de seu secretário do Tesouro, Arno Augustin, que mais que criativas mostraram-se excessivamente flexíveis, quase no limite da irresponsabilidade, a vinda a público de uma nunca bem explicada compra de uma refinaria feita pela Petrobrás, tudo foi fazendo Dilma ir se transformando no negativo da imagem que cultivara.
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Mas, se Dilma hoje é encarada como condescendente com a corrupção, já que aos olhos da população, mesmo que sob a proteção dos óculos da mídia conservadora, ela tinha conhecimento do que se passava em nossa principal empresa e preferiu não agir, seu governo vai se esfarelando, em parte por culpa da própria presidenta.
Por força de não ter dado nunca sinais de estar disposta a negociar com o Congresso, que agora, na mão da situação mais oposicionista de toda a história política nacional, aproveita-se com raro oportunismo para colocá-la sempre contra as cordas.
Como lembra Vinícius Torres Freire, colunista da Folha (caderno B - p. B, também de hoje), as lideranças do Legislativo, com raro senso de oportunismo, passaram a cobrar da presidenta, na área econômica, ações que mais que um plano de ajuste fiscal, apresentem alternativas capazes de alavancarem um processo de desenvolvimento, tornando-se em um autêntico plano de recuperação do desenvolvimento. Veja bem: não apenas um plano de crescimento, mas de desenvolvimento.
Adicionalmente o presidente do Senado, cujo filho tornou-se governador de Alagoas, ameaça obrigar o governo a regular a lei, criada e aprovada pelo mesmo Executivo, mas não regulamentada, que altera os índices de correção das dívidas de estados e municípios. Alagoas, óbvio, sendo um dos estados mais beneficiados, embora não o único ou o mais privilegiado.
Tal mudança implicará em mais um rombo, de 3 bilhões de reais ao ano, nas combalidas contas públicas.
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Mas não para aí o avanço do Legislativo tentando prensar Dilma no canto do ringue, de forma a reduzir seu raio de ação a um mínimo.
Embora todos sejam sempre muito favoráveis à discussão de uma cada vez mais necessária Reforma Tributária, em que uma das principais modificações tem, necessariamente passar por mudanças profundas no ICMS, Vinícius Freire nos informa que Calheiros ameaça também com a proposta de legalização de incentivos que os Estados concederam aos empresários no que se denominou "guerra fiscal". Guerra para tornar locais antes inviáveis, atraentes para a instalação de grandes empresas.
Ou seja, fingindo preocupação com os eleitores de classes de renda mais reduzida, que acreditaram nas promessas de Dilma, votaram nela e se sentem ludibriados agora, Renan Calheiros, que nunca se mostrou muita preocupação com eles, vem em sua defesa, exigindo um plano que imponha menos sacrifícios. Isso, à frente das câmaras de tv. Nos bastidores, trama com empresários e governos estaduais e municipais, a permanência de interesses, esses sim, contrários ao povo.
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Em relação a tudo isso, o que Dilma pode fazer? Sem base. Sem apoio. Dependente de seus algozes quererem manter funcionando o tubo de oxigênio que ajuda a presidenta a ganhar fôlego.
No âmbito econômico, por outro lado, Dilma está também refém de Levy, seu ministro da Fazenda, conforme constatação de FHC na já mencionada entrevista.
Curiosa essa observação de que Levy é quem governa, embora sendo apenas um tecnocrata, cujas soluções por mais racionais que possam ser, denotam a falta de jogo de cintura político.
Para FHC, a racionalidade econômica pura (se é que existe isso!) esmaga tudo. E se o "problema é econômico, a solução é política".
Isso, em ambiente em que falta coalizão e até mesmo vontade à dita base política de apoio à presidenta.
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Mas, mais interessante na entrevista do ex-presidente, é que em trecho anterior da conversa, ele observa que "Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumentou a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele."
Ora, ou é Levy quem mantém Dilma refém, ou os interesses que levaram Dilma a fazer o que ela tinha que fazer: nomear Levy, como ministro.
Então Dilma é refém, na verdade, dos interesses que Levy representa. Interesses que sabemos bem quais são e a quem estão ligados.
Interesses que estão mais vinculados aos credores da dívida pública federal, cujo valor já apresentou crescimento, ou seja, piora, degradação nesses primeiros meses de Levy.
Resultado que a ninguém deve enganar. Se ruim para o governo e seu ajuste, é muito benéfico para os credores, especialmente, em função das elevadas taxas de sua remuneração, e da preocupação de assegurar que eles receberão os pagamentos de juros prometidos. Para isso, o superávit primário, tão desejado.
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Também não devemos deixar que nossa visão seja turvada pelo fato de que a dívida mobiliária é decorrente de comportamento, digamos irresponsável, adotado pelo governo. Porque grande parte dos recursos que a financiam, são fruto da conversão de capitais externos em nossa moeda. Ou seja, são capitais externos, a quem estamos inapelavelmente submetidos.
Desde o plano real e sua implantação, aproveitando e criando espaço para valorização dessa massa de recursos que inundavam os mercados internacionais com uma liquidez extremamente elevada.
Daí que a midia toda comemorou, junto com o governo, os mercados, o sistema financeiro e o próprio Levy, o fato de termos mantido nossa avaliação, conforme rating da Standard & Poors.
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Ou seja, não é Levy, mas o mercado globalizado, ou financeirizado em escala global, que mantém Dilma refém.
E que manteria também qualquer que fosse o político que tomasse seu lugar. Caso o povo assim o quisesse.
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O que vale uma última observação quanto à sagacidade de FHC, que deixa claro que não vê condições, por ora, de um pedido de impeachment de Dilma. Mas, que arrisca-se a comentar, em outra resposta, que hoje, e entre parêntesis, se Dilma cai e fazem novas eleições...
Ora, o ex-presidente sabe que se Dilma cai por impedimento, não teremos novas eleições.
Mas ao fazer a insinuação, está dando força a todos aqueles que, desconhecendo as leis que regem o processo de impeachment, acreditam que NESSE CASO, e só dessa forma, conseguiriam eleger Aécio.
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Faz-me rir. Se não for preocupante o ar golpista da afirmação.
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