quarta-feira, 4 de março de 2015

Pitacos da questão externa: endividamento externo, balança comercial e a dúvida: quanto custará a rebelião de Renan

As informações dão conta de que a dívida externa do setor privado, ou seja, dívidas de empresas e bancos dobrou nos últimos cinco anos, alcançando o valor de US$ 208 bilhões.
Segundo notícia de capa da Folha em sua versão escrita no dia de ontem, esse é o maior valor desde 1989, quando o Banco Central começou o registro.
As causas do endividamento: o grau acentuado de liquidez no mercado internacional e a diferença significativa dos juros no exterior, em relação aos praticados aqui em nosso país. Nesse sentido, ganharam destaque as dívidas feitas pelas filiais de empresas brasileiras no exterior, para as suas matrizes.
Duas preocupações principais acompanham essa elevação do nível de endividamento: o alto volume de dívidas que vencem já nesse ano de 2015, no valor de 102,5 bilhões de dólares, quase metade do total da dívida. Em segundo lugar, a perspectiva de elevação dos juros nos Estados Unidos, que poderia provocar fuga de recursos dos países emergentes, entre os quais o Brasil, o que poderia levar a uma alta do valor da moeda americana.
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Embora o Banco Central do Brasil mostre certa tranquilidade com a situação,  já que seus levantamentos indicam que aproximadamente apenas 17% das empresas não contam com algum tipo de mecanismo de proteção ou 'hedge' no caso de uma desvalorização, enquanto outros 16% contam com um 'hedge' imperfeito, a situação preocupa, em especial, ao BIS - Banco de Compensações Internacionais.
A razão é que para o Banco dos Bancos Centrais, esse volume de dinheiro não parece ter sido direcionado para o setor produtivo, tendo características de 'hot money'. Sem subterfúgios, capital especulativo, da pior espécie, que entra em nosso país apenas com o intuito de sugar nossas riquezas (estimulado pelos juros estratosféricos aqui praticados).
Dinheiro que pode ser retirado do país a qualquer momento, já que essa liberalização dos fluxos de capital é uma das principais características desse movimento já em curso há mais de uma década, de globalização financeira.
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Agora o mais importante, em minha opinião, desse pitaco. Embora a memória da maioria das pessoas possa ser, e normalmente é considerada muito curta, já vivemos situação semelhante antes.
Na década de 70, o mesmo quadro já foi vivido, com a economia enfrentando uma crescente situação de endividamento do setor privado.
Na ocasião, a dívida do setor público tinha participação menos importante no total.
Mas, conforme o demonstra excelente estudo de Júlio Sérgio Gomes de Almeida, à época na Unicamp e hoje diretor do IEDI - Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, a elevação do valor do dólar, trazendo a ameaça de uma quebradeira das empresas sobreendividadas, levou o governo da ocasião a promover um processo de estatização da dívida.
Ao final do processo, as empresas privadas estavam com suas contas em ordem, rodando certinhas e criticando o governo endividado e desorganizado.
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Essa estatização da dívida é uma das causas da crise da dívida que nosso país atravessou, durante toda a década perdida dos anos 80.


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E continua o problema de nossa Balança Comercial

E mesmo com o dólar cada vez mais valorizado, o que em tese deveria melhorar o desempenho de nossas exportações, o resultado de fevereiro mostra, mais uma vez, o que vem sendo considerado um expressivo déficit, agora, de US$ 2,84 bilhões.
No bimestre, o déficit já acumula 6 bilhões.
Justifica esse resultado a queda de vendas tanto em quantidades físicas quanto em relação aos preços das commodities que o Brasil cada vez mais vem se especializando em exportar, em parte por caausa da desaceleração econômica de países como a China, tradicional grande importadora.
Do ponto de vista dos produtos manufaturados, a queda de veículos, em face da crise econômica de nosso grande cliente, a Argentina, também é destaque, atingindo 25%.
Dentre nossos parceiros comerciais, apenas os Estados Unidos apresentaram algum aumento nas compras, principalmente de aviões e café em grão.
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As notícias dão conta de que a greve dos caminhoneiros não afetou os embarques.
O problema é mesmo de desaceleração na economia mundial, e da perda de competitividade de nossa indústria, e também de mercados, por força de vários anos de política cambial prejudicial ao nosso comércio exterior. Política cambial que esteve aprisionada à política monetária, de juros excessivamente altos com a desculpa de manter a inflação sob controle, mas mais efetivamente, destinada a promover a atração de capitais externos para nosso país.


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Enquanto isso, em Brasília

Para aumentar a confusão e deixar o clima político mais tenso, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, do PMDB, partido da base de apoio de Dilma, recusou-se a colocar em exame e devolveu a MP que mudava as alíquotas do regime de contribuição previdenciária sobre o faturamento bruto para o Planalto.
À primeira vista, o ato de insubordinação parece visar apenas o objetivo de Renan ampliar seu poder de negociação.
Afinal a alegação para a atitude de revolta foi de que uma Medida Provisória não se presta para esse tipo de finalidade. Imediatamente o Planalto reagiu, preparando e já enviando um projeto de lei ao Congresso, de mesmo teor.
O interessante a se assinalar é que a MP não foi recusada por seu conteúdo: a matéria não foi o principal motivo da reação do Congresso, o que assinala que não há uma discordância explícita em relação ao aumento da sanha arrecadadora do ministro Levy.
Sinal de que, como é comum, algumas negociações irão ocorrer por baixo dos panos e é provável que o Planalto acabe vendo o projeto aprovado.
A dúvida que fica é quanto isso irá custar, a mais para o país...

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