sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Jornalismo econômico e a onda de catastrofismo no país, apenas por não querer dar voz a outras visões de mundo

Embora já abordado, ao menos implicitamente, em outras postagens, aproveito para retomar hoje, um tema que me parece mais que oportuno, muito necessário.
Trata-se de uma reflexão sobre o papel e o comportamento e a forma como se manifesta o que se entende por jornalismo econômico.
Na verdade, o tema é consequência da excelente coluna publicada na Folha, caderno Mercado, de ontem, de autoria de Marcelo Miterhof, jovem e brilhante economista do BNDES.
Gostaria até de reproduzir aqui sua coluna, permitindo que mais pessoas pudessem participar da discussão do assunto, tal qual tive a oportunidade de fazer ontem, ao levar o jornal para a sala de aula e ler o texto integral, de forma a alimentar o debate.
Sem o mesmo brilho que o colunista, vou abordar o tema, da mesma forma que o fiz em sala ontem, começando por recordar que os cursos de jornalismo, como outros vários cursos de formações em várias áreas em que se divide o conhecimento humano, têm apenas umas poucas matérias de Economia em suas matrizes curriculares. Talvez duas ou três matérias.
Cada uma dessas matérias, com conteúdo programático previsto para um semestre de 4 meses (coisas de nossa realidade educacional), com algumas interrupções provocadas por recessos e coisas do gênero o que limita muito o conteúdo real apresentado aos alunos.
Agrava ainda mais esse quadro, o fato de que, nas áreas de ciências sociais e humanas, embora Economia não seja equivalente à Matemática, ciência da qual faz uso apenas como ferramenta e linguagem para tornar as explicações mais enxutas, em algumas circunstâncias e situações, os alunos nem sempre têm muita familiaridade e paciência e gosto para lidarem com equações e gráficos e funções, maximandos e etc.
O que leva o professor, em algumas circunstâncias, a ser obrigado a transmitir um conteúdo de profundidade menos acentuada que aquela desejada ou mesmo necessária.
Forma-se o aluno, ou melhor, o aluno foma um tipo de conhecimento geral, vago, muito superficial.
Alguns, mais tarde, especialmente na área de jornalismo irão depois fazer cursos de pós, na área específica a que se dirigem, mas aí, na pós, já não há mais como reverter a situação de sua formação. Na maioria das vezes, ao contrário, sua formação apenas é reforçada.
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Refiro-me ao fato de que, com todas as dificuldades já tratadas, o conteúdo que lhes é transmitido na graduação é fundado no uso dos manuais disponíveis no mercado que fornecem, em geral, um conteúdo raso, do que poderíamos chamar de visão convencional da economia. Na verdade, da corrente principal do pensamento econômico, ou corrente dominante - o chamado "mainstream" em inglês, que é a corrente mais respeitada pelos setores oficiais, mas que representa apenas a concepção de uma corrente ou escola de pensamento, que não pode e nem deve, definitivamente, se declarar como a dona da verdade absoluta.
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Como é sabido, a Economia, como ciência social que lida com sociedades humanas, o HOMEM, como matéria prima básica e pano de fundo, além de objeto, trata da questão de interesses, antagônicos, em geral, individuais ou de classes.
Ou seja, sujeita a toda sorte de abordagens, que se modificam a partir mesmo da posição do analista, do ponto de partida que ele assume.
Em poucas e claras palavras, sujeita a toda a influência de concepções ideológicas.
E essas ideologias, refletem-se, não raro, nas correntes e escolas de pensamento, o que permite que um mesmo problema da realidade seja encarado, entendido, definido, explicado e dê origem a propostas de soluções as mais distintas possíveis.
E não há, exceto pelo emprego de análise baseada em juízo de valor, como dizer da correção de uma ou precedência de uma sobre a outra.
Ora, sendo assim, o que penso é que, como os manuais estão todos vinculados a uma mesma abordagem, de uma mesma escola ou corrente de pensamento, eleita como a preferível a ser transmitida, disseminada e apoiada, por seus compromissos com a situação de poder e dominação de classe existente em nossas sociedades, esse conteúdo, mesmo que parcial, ou até equivocado em algumas situações, é o que o jornalista aprende e vai utilizar em sua vida profissional.
Na pós a situação se agrava, porque com menos tempo disponível para cursar várias matérias dadas em ritmo mais intenso ou intensivo, o aluno vê é reforçado o aprendizado obtido, sem margem para conhecimento de novas ou diferentes abordagens patrocinadas por outras linhas de pensamento ou pesquisa.
Como disse o professor Galbraith, na especialização, em geral, o que se vê é a sofisticação e aprimoramento de modelos, o aprofundamento dos conteúdos já apreendidos na formação básica da graduação.
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Por isso, muitas vezes, o jornalismo econômico, míope desde sua origem, aceita e prega e repercute temas e assuntos, com um viés que, muitas vezes, é apontado e aceito pela maioria das pessoas como o correto, mas que está longe de ser isento. Muitas vezes expressão e formação de um senso comum, apenas feito para agradar aos interesses dominantes de classe ou da classe dominante.
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Não há como julgar e criticar os jornalistas. Afinal, trabalham com as ferramentas que lhes foram transmitidas. E por isso, muitas vezes, ocorrem descompassos como os que estamos vivendo e experimentando no Brasil nesse início de 2014, quando toda a imprensa insiste em ser a porta-voz do apocalipse, embora não seja essa a sensação que domina a maioria dos economistas ou dos empresários.
Que a situação não é mais confortável ou das melhores, ninguém duvida.
Mas está longe, muito longe do caos que as notícias de economia tentam transmitir.
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Tudo bem que há os mal-intencionados, há os que têm interesses,  às vezes inconfessos; há os que estão se aproveitando do momento político que o país atravessa, já muito influenciado pelo fato de ser ano eleitoral.
Mas nem a economia está ruim, nem como muitos pregam nos jornais e na grande midia, o governo está tão mal, independente de ser do PT, ou outra sigla qualquer.
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Para encerrar o assunto, vou transcrever parte do texto de Miterhof, chamando atenção para seu pedido de que a imprensa passasse a assumir uma posição mais esclarecedora e mais capaz de contribuir para aprimorar e permitir o amadurecimento do país e do debate que se trava.
Diz Miterhof:
"Nesse contexto, é fácil e legítimo fazer uma cobertura verificando o cumprimento de metas oficiais de inflação e superavit primário. Porém melhor é entender as razões de analistas de distintas cores. Afinal, o ajuste contracionista não é o único caminho possível. As perguntas a seguir sugerem uma investigação.
Superavit primário é relevante em que circunstâncias? A dificuldade de cumprir sua meta significa que a situação fiscal está ruim? O Estado brasileiro é mesmo tão ineficiente? Algum governo pós-democratização fez ajuste fiscal pelo corte de despesas? Se não, por quê? Os gastos públicos são rígidos?
Inflação anual de 6% é alta? Basta compará-la ao atual teto do regime de metas ou à inflação dos países ricos? Um país que passa por mudanças sociais e civilizatórias não tem uma inflação mais alta? Por exemplo, que ocorre se o frete sobe porque a jornada dos caminhoneiros foi mais bem regulada?
Algo parecido vale para o câmbio: um país em desenvolvimento tem balanço de pagamento mais volátil? Isso implica padrão inflacionário mais elevado? Choques de custo devem ser compensados por juros mais altos e/ou aperto fiscal? Houve reindexação porque a inflação estourou o teto da meta de 2001 a 2003?
As respostas apontam diferenças entre as abordagens econômicas."
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Pois bem. As perguntas são várias, importantes, sérias. Muitas.
As respostas podem ser ainda mais variadas. Não está na hora de a imprensa séria tentar mostrar os argumentos de cada forma de entender, ver e discutir e propor soluções para os problemas?

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