sábado, 15 de março de 2014

Discurso para a colação de grau do curso de Ciências Econômicas da UNA

Ao longo da história, nazistas negaram aos judeus o direito à vida. Ainda hoje, alguns povos se julgam superiores a muçulmanos, que se julgam superiores a cristãos, que se julgam superiores aos adeptos das religiões afro.
Em nossa sociedade, alguns de nós se acham superiores aos homossexuais e, casos recentes demonstram como alguns se sentem superiores a outros com base na cor da pele, indiferente ao fato de o outro ser um atleta como Tinga ou Arouca ou um juiz de futebol. Ou em sã consciência, alguém duvida que Glenn Ford, o homem que passou 30 anos esperando a execução da sentença que o condenou à morte, mesmo sendo inocente, não teve a seu desfavor a cor da pele?
Por isso, não deveria ser surpreendente verificar que ainda há aqueles que se sentem superiores apenas por sua posição social ou tipo de trabalho ou meio de transporte, como nos mostra a reação e críticas nas redes sociais à atriz Lucélia Santos, fotografada andando de ônibus.
Tão surreal a situação, que essa sensação de superioridade por força de condições sociais e do trabalho exercido tornou-se base de uma tese, provando como um ser humano, pelo tipo de seu trabalho pode tornar-se invisível.
Nesta sociedade que segrega os menos favorecidos, a fome ameaça 1,2 bilhão de pessoas. Embora tenhamos a atenção mais atraída por aqueles que, bafejados pelo prêmio da loteria biológica, lutem contra a obesidade. Em suas famílias, podem se dar ao luxo de optarem por comer menos, para não engordarem.
Como diz Frei Betto clonam-se corpos, não a justiça. E a preocupação com a estética dos corpos não permite espaço para que valores, subjetividades, utopias e espiritualidades sejam discutidos.
A forma como a economia lida com os corpos, revela a política de uma sociedade. Onde os objetos de luxo preocupam mais que o modo como trabalhadores são tratados ou destratados,  onde o valor do dinheiro se sobrepõe ao das vidas humanas e as guerras tornam-se motor de prosperidade, é preciso de nos perguntarmos que sociedade estamos ajudando a construir.
Reclamamos da insegurança e violência, sem percebermos que reproduzimos o ambiente em que o homem permanece sendo o lobo do homem, como mostram os casos recentes em que a população, entende e aceita o direito de fazer justiça com as próprias mãos.
Brigamos por reduzir a maioridade penal, entretanto, a maioria da população mundial nasce para morrer antes do tempo e isso não nos preocupa.
Vivemos uma sociedade caracterizada pela privatização da moral o que a torna paradoxal: juridicamente repressivas mas economicamente liberais. Como indivíduos, não podemos fugir do padrão ético predominante nas relações sociais reguladas. Entretanto, temos a nossa disposição, no mercado e sujeito à lei da oferta e procura, uma série infindável de imoralidades. Que quanto mais forem condenadas, mais ampliam seu valor de mercado.
O que permite, enfim, que se realize o objetivo real do mundo que estamos construindo: a acumulação de riquezas em mãos de uma minoria que se destaca cada vez mais como especial. Quem sabe, superior?
Não nos apercebemos de que a imoralidade e violência cumprem a função de desviar nossa atenção do pecado social, que explora a maioria da população e nos reduz a um monte de nulidades.
Essa privatização da moral serve para camuflar o fato de que a moral que praticamos individualmente e nos torna virtuosos, aplaca nossa consciência. Afinal, assumimos comportamentos que nos tornam bons, justos, honestos.
E contraditoriamente, com a consciência limpa, aceitamos a ideia de que preocupações sociais escapem à nossa responsabilidade pessoal, transferindo tal responsabilidade para os que participam diretamente do poder.
E passamos a cobrar o governo, a quem culpamos por toda a nossa passividade e inércia ou fuga.
O que me lembra de uma piada da internet, sobre a expressão que fazia sucesso nos início dos anos 60, quando a tv brasileira exibia o seriado do herói Lone Ranger, aqui batizado de Zorro, sempre acompanhado de seu fiel e servil índio Tonto: um dia Zorro e Tonto encontram-se encurralados por índios sioux de um lado; comanches, apaches e moicanos pelos outros lados. Quando acaba a munição, Zorro se lamenta: "Nós estamos perdidos, Tonto". Tonto faz sua melhor pose de índio, capricha no sotaque e responde: "Nós, quem, cara-pálida?".
Expressão que capaz de expressar rápida e eficazmente, como uma pessoa tenta se esquivar da tentativa de um amigo, de envolvê-la em um problema  particular.  De quebra, transmite a ironia de um comportamento que se de um lado aprova quem deseja desfrutar sozinho dos sucessos, por outro lado admite que, na hora do aperto, os problemas devam ser compartilhados.
É, a história fala de todos nós.
Mas, estou certo de que vocês, formandos hoje, que contam com a solidez de princípios e valores que seus pais e familiares lhes transmitiram, o que me leva a agradecer-lhes e cumprimentá-los, felicitando a cada um deles, saberão evitar as armadilhas a que nos referimos.
Jovens, inteligentes, esforçados como ficou demonstrado em todo esse tempo dispendido para chegarem a esse momento; formados por professores e profissionais aptos a lhes fornecerem as ferramentas para que usem o conhecimento e experiência acumulados menos em proveito próprio mas em prol de toda a sociedade, sei que saberão lutar pela construção de uma sociedade mais justa e mais digna.
Ao vê-los iniciarem suas brilhantes jornadas, trago a certeza de que não me decepcionarão: vocês irão fazer a diferença. Em todo lugar. E sempre.

Obrigado.

Um comentário:

Unknown disse...

Caro Professor Paulo, discurso maravilhoso! Atual e verdadeiro! Parabéns ! Orgulho em ser sua aluna! Paula Faria 1b comércio exterior noite UNA 2014