Vá lá. Pelo bem da diplomacia de nosso país e da manutenção das boas e cordiais relações com nossos vizinhos, vamos concordar que o governo brasileiro, incluído aí o Itamaraty, não sabia do plano - exitoso- de fuga do senador Roger Pinto Molina.
Mas, se concordamos que entre rapapés e salamaleques nos salões festivos e iluminados de Brasília, nossos funcionários portadores de punhos de seda não sabiam de nada, nós, a plebe rude e ignara dessa Pindorama não podemos nos furtar a reconhecer a coragem e o bom senso, além da capacidade demonstrada no planejamento e execução da operação por Eduardo Sabóia.
Apenas questionar o porquê da demora de mais de 450 dias para que essa solução fosse tramada: afinal, há mais de um ano Roger Molina já havia solicitado e visto aprovado seu pedido de asilo junto ao governo brasileiro.
E durante todo esse tempo, preso no interior da representação brasileira em La Paz, o governo boliviano não se dignou a conceder o salvo-conduto necessário para sua transferência para nosso país.
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E tudo isso acontecendo justo com o presidente Evo Morales, cujo vôo foi intercept dado e retido em viagem à Europa, proibido que estava de cruzar espaços aéreos de países daquele continente, tão somente por haver a suspeita de que estivesse dando uma carona a Edward Snowden, o ex-agente da Cia, responsável por denúncia de espionagem feita pelo governo americano junto às redes sociais e emails trocados pela rede mundial de computadores.
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Acertadamente e de acordo com a suas tradições, imediatamente o governo brasileiro manifestou sua indignação com o tratamento discriminatório contra um legítimo e democraticamente eleito mandatário de um governo amigo.
Isso, no que se refere diretamente ao presidente boliviano. Porque antes, já havia dado demonstrações claras de sua posição contrária à atitude e comportamento que o governo britânico vem adotando, em assunto exatamente semelhante, recusando-se a conceder salvo-conduto a Julian Assange, o responsável pela divulgação de documentos secretos via Wikileaks.
Recorde-se que Assange teve seu pedido de asilo concedido pelo governo do Equador, cuja embaixada já chegou, inclusive, a receber ameaça de ser invadida por forças britânicas.
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Dessa forma, pelo visto, as relações diplomáticas internacionais chegaram a um momento de exaustão, já não conseguindo resolverem qualquer dos problemas que estariam afetos sua alçada.
Mas, se rápido em manifestar-se em situações para as quais não haveria outro comportamento a ser adotado, especialmente, em relação à defesa da dignidade de seus parceiros e vizinhos, agindo, inclusive, no papel que se espera de uma nação que se deseja líder mundial, o mesmo não se pode dizer do governo brasileiro e do Itamaraty, quando ou o povo e o cidadão brasileiro é que é vítima de desmandos dos governos aliados.
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Assim, é que durante todo o tempo em que esteve asilado na embaixada brasileira em La Paz, não se ouviu, ou a imprensa não noticiou qualquer que seja a atitude de nossas autoridades, no sentido de resolver a pendência, exigindo o respeito a normas internacionais de proteção aos asilados políticos e a acordos entre os dois países.
Convenhamos que, de fato, seria mais difícil a imprensa ficar repercutindo atos do nosso governo nessa área, onde as negociações devem ser encaminhadas com certo sigilo e cuidado. Até pelo fato de que implica em se estar protegendo aquele que, em tese, teria sido considerado persona non grata exatamente por quem deveria estar autorizando a medida protetora.
Mas, a imprensa tem acesso a agendas e poderia sim, caso pesquisasse mais a fundo, pelo menos levantar indícios de que o governo brasileiro estaria dando alguma atenção ao problema diplomático.
E isso não aconteceu, nem mesmo quando 12 cidadãos brasileiros foram presos na Bolívia, apenas por estarem próximo, ou no local em que um irresponsável acendeu um sinalizador, que foi direcionado para a torcida boliviana, indo acertar em cheio e causar a morte infeliz sob toda a análise, de Kevin Spada. Jovem vítima da irresponsabilidade que se alastra por nossos estádios dando vazão à violência.
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Na oportunidade, os doze paulistas presos em Oruro não tiveram, ao menos com o destaque que o caso impunha, grande apoio do governo brasileiro, que parece agir sendo mais solidário quando uma autoridade amiga é atacada, e se transforma em vítima, que quando essa mesma autoridade muda de lado e torna-se o algoz, e brasileiros é que se tornam as vítimas.
Curioso é que, já naquele momento, a filha do senador foi à midia para declarar para quem quisesse ouvir, que o comportamento do governo boliviano tratava-se no fundo, de uma chantagem, e que o objetivo era a troca dos torcedores do Corinthians, pelo senador sob nossa proteção.
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Depois do caso dos 12 torcedores, já houve o caso do presidente Evo e seu vôo conturbado de regresso para seu país. E já houve o caso da prisão de David Miranda, pelas mesmas autoridades britânicas que negam salvo conduto a Assange, no caso do brasileiro, apenas pelo fato de ser namorado do divulgador dos documentos secretos do caso da espionagem da internet.
Reconheçamos que o governo brasileiro fez sua parte: adotar o jus sperneandi, e que não resta mesmo muito mais que isso.
Ainda mais se considerarmos que os países envolvidos, seja Inglaterra ( nesse último caso), seja a Bolívia, são países com quem mantemos e devemos manter relações comerciais e que... cada vez mais, em nosso mundo, o dinheiro vale e manda mais que a dignidade pessoal... e até de toda uma nação.
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Bem, no caso de Molina, o salvo-conduto não é mais necessário e em ação espetacular, foi empreendida a transferência do ex-senador para nosso país. Fosse com cidadão norte-americano ou israelense, fosse em países da antiga cortina de ferro ou vinculados de alguma forma à países considerados como apoiadores de ações terroristas, a história com final feliz já estaria tendo seus direitos negociados com Hollywood, para aparecer nas telas dos cinemas.
Mas no Brasil, conforme nota do Itamaraty, o embaixador será chamado, para dar explicações, já que ninguém sabia de nada. Até a ameaça de punição com a instauração de um processo administrativo já foi divulgada.
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Quanto à Bolívia, está mais que em seu direito de reclamar e fazer as bravatas julgar necessárias, para resgatar, perante sua população e seu público interno, seu prestígio. Embora, seja difícil que uma viagem de 22 horas, cortando grande extensão do território e, inclusive cruzando fronteiras, não tivesse sido percebida. Ou até mesmo autorizada, embora essa parte da história, nunca nós pobres mortais iremos tomar conhecimento.
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