Nos manuais de Finanças Públicas, no capítulo destinado à abordagem do Orçamento e ao processo de sua elaboração, é comum definir-se o orçamento público como a expressão financeira de um plano de ação. Integra, pois, o processo de planejamento governamental, sendo o documento onde a Administração Pública apresenta à sociedade as suas diversas propostas de ação, os custos envolvidos na execução de cada uma delas e de onde virão os recursos para que elas possam ser executadas. Transforma-se em um documento onde o governo reúne as receitas arrecadadas e aloca ou distribui esses recursos.
Sendo o Executivo a instância responsável pela fixação e cumprimento da agenda demandada pela sociedade, o que significa a identificação e hierarquização das necessidades sociais, a proposição das soluções desses problemas e a implantação das ações destinadas a alcançar tal resultado, é ponto pacífico que cabe ao Executivo a responsabilidade por planejar, orçar e executar tais ações.
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Em nosso país, por força de preceito constitucional, essa responsabilidade pela manutenção de um Sistema de Planejamento e Orçamento é atribuída ao Poder Executivo, que também detém a exclusividade da iniciativa dos seguintes projetos de lei, que integram aquele sistema: Plano
Plurianual (PPA) ; Diretrizes Orçamentárias (LDO); Orçamento Anual (LOA).
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Fica claro assim que, sendo o Executivo a instância que tem a responsabilidade de atender aos reclamos da sociedade, compete a este Poder definir as propostas que se julga em condições de cumprir em um dado horizonte de tempo e, considerando os recursos com que conta para tanto, que ações está em condições de desenvolver em um ano, por exemplo.
Em outras palavras: é atribuição exclusiva do Executivo listar as ações que deverá desenvolver em prol da sociedade que lhe atribuiu o mandato para cumprir exatamente esse compromisso. E ao Executivo cabe ainda, com exclusividade, apontar o montante de recursos de que dispõe e a distribuição desses recursos entre as várias ações a serem implementadas, de forma a atender da melhor forma ao vasto elenco de problemas e demandas a serem atacados.
Nesse processo, como representante da sociedade cujos interesses é que devem ser atendidos, e mais especificamente para discutir as prioridades, os valores a serem alocados em função das reais necessidades, e principalmente para aprovar a proposta apresentada pelo Executivo e poder, num momento seguinte, exercer o controle necessário a todo processo de planejamento, do cumprimento das execução das ações autorizadas, é que destaca-se o papel fundamental do Poder Legislativo.
Ou seja: além de ser o porta-voz dos interesses da sociedade que foi eleito para representar, e dessa forma, de aprovar as ações que atendam a esses interesses, o poder Legislativo tem o papel fundamental de exercer o acompanhamento e o controle, necessário, das atividades realizadas pelo Executivo e de sua direção, além da fiscalização do emprego dos recursos orçamentários previstos.
Isso significa que não é competência do Congresso propor ações e definir atividades e gastos para serem realizados por outra instância, atendendo o que recomenda o bom senso, ou seja, só se deve cobrar de quem quer que seja, o cumprimento daquilo com que aquele a ser cobrado se comprometeu.
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Por isso, considero uma incoerência, embora também tenha previsão legal, o instituto do contingenciamento, ou seja o retardamento ou a inexecução de parte da programação de despesa prevista e autorizada na Lei Orçamentária, explicada em função da insuficiência de receitas.
No mínimo, a figura do contingenciamento revela uma má elaboração do plano e dos vários documentos que lhe dão suporte, apresentados pelo Executivo ao Legislativo e à sociedade, ou seja uma falha.
Erro fruto, na maioria das vezes, de uma previsão de receita superior àquela parcela de recursos factível de ser extraída da sociedade em função de sua situação econômica ou financeira, ou da listagem de uma série de ações cujos valores são irrealisticamente projetados, e cuja finalidade é ludibriar a sociedade, por meio da proposta demagógica de se propor a atender a suas necessidades, sem condições reais para tanto.
Em outras palavras, a mim, cheira mais como um espécie de engodo, mera medida politiqueira que visa agradar aos eleitores que acreditam que suas demandas serão atendidas.
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Por força desse contingenciamento, que ocorre normalmente no início de cada ano, pela emissão pelo Governo Federal de um Decreto limitando os valores autorizados na LOA, relativos às
despesas discricionárias ou não legalmente obrigatórias (investimentos e
custeio em geral), o nosso orçamento é classificado como sendo de caráter meramente autorizativo, ao contrário do orçamento impositivo, onde o Congresso, como representante e agindo em nome da sociedade, aprova o que o Executivo compromete-se a fazer, o que obriga o governante a fazer o que prometeu sujeitando-se a penalidades no caso de descumprimento.
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Claro, tratamos aqui de uma situação hipotética, em que o Congresso representa efetivamente os interesses dos eleitores da sociedade, mais que seus próprios interesses, e de um Executivo que não se preocupa em manter recursos reservados para negociar e comprar apoios para suas propostas e planos, muitas vezes alheios à vontade da sociedade.
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Por tudo o que foi dito, é que sempre fui favorável a que o Orçamento Público no Brasil passasse a ser elaborado e tratado com a seriedade que merece, mesmo se sabendo que todo o planejamento está sim, sujeito a falhas e correções de rumo posteriores, já que no fundo trata-se de projeções, previsões e as incertezas inerentes ao desconhecimento do futuro. E, imbuído desse espírito, sempre fui favorável a que o Orçamento no Brasil passasse a ser de caráter impositivo e não autorizativo, que é a forma de antecipadamente fornecer a quem se propôs a desempenhar certas atividades, a desculpa para cumprir apenas algumas de maior interesse, em geral politiqueiro, quando não escuso
Entretanto, não posso concordar, e acho que merece muito maior discussão por toda a sociedade, com a aprovação, ainda em primeiro turno, pela Câmara de Deputados à PEC - Proposta de Emenda Constitucional que atribui caráter impositivo, tão somente ao conjunto de emendas parlamentares, essa outra excrecência do processo orçamentário no nosso país.
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Nitidamente, o que os deputados estão aprovando é a autorização para que o Executivo reserve a eles, recursos subtraídos da resolução de problemas da sociedade para que eles possam exercer livremente, a definição de gastos cujos interesses são ou apenas eleitoreiros, de "compra de apoios políticos" junto a seus eleitores, ou no mínimo, gastos que beneficiam apenas a parte minoritária de uma população muito mais ampla a ser atendida, ou ainda gastos com interesses reais, mas de menor prioridade e relevância social.
Dessa forma, a PEC institucionaliza o erro de obrigar e responsabilizar a outra instância pelo cumprimento de metas com as quais ele não está comprometido. Além disso dá a decisão do gasto a quem não tem qualquer responsabilidade posterior de prestação de contas do que foi feito com os recursos utilizados, o que abre caminho e facilita a malversação de fundos.
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Medida de cunho politiqueiro, defendida sob o argumento de que torna os deputados imunes a serem tratados a reboque dos interesses do Executivo, que transforma a Câmara e a negociação da aprovação de projetos de interesse do mandatário em um verdadeiro balcão de negócios e negociatas, na verdade, o que deveria ser discutido e aprovado, para acabar com esse comércio de interesses vergonhoso, cuja existência todos admitem e ninguém nega, é a adoção do caráter impositivo de forma ampla e geral.
Com o estabelecimento de penalidades para as situações em que o Executivo não cumprisse ou entregasse aquilo com que se comprometeu perante a sociedade.
Mas, sem essa outra excrecência que privilegia os deputados e mantém o poder que eles já detêm junto ao grupo de eleitores que, em tese, visam representar.
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