Mais uma vez, no dia de hoje, o Supremo se reúne para dar sequência ao julgamento dos recursos interpostos pelos advogados dos envolvidos, e condenados, no julgamento do mensalão.
O que se espera é que o julgamento transcorra sem os destemperos que marcaram a sessão da última semana, e que seu resultado possa honrar, não necessariamente as tradições da casa, mas aquele bem intangível maior que a Casa deveria representar, e possa fazer Justiça.
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Quando menciono as tradições da casa, não há qualquer intenção em diminuir a Corte maior de nosso país. Na verdade, penso apenas em situações e julgamentos anteriores, em que a Justiça ficou a reboque dos interesses digamos mais pedestres do próprio governo. Refiro-me aqui, ao julgamento, por exemplo, do confisco praticado pelo governo Collor, analisado e aprovado pela Corte, embora nitidamente contrário à nossas tradições e legislação.
E ficamos apenas nesse caso, embora esteja longe de ser caso único em nosso passado recente.
Mas não é interesse aqui ficar criticando as razões e o comportamento do Supremo.
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A questão aqui é que há em nossa tradição, para o bem ou para o mal, inclusive inscrito no Regimento ou regulamento do Supremo, embora não constando da legislação, o instituto dos embargos infringentes, pelos quais o julgamento cujo resultado tenha sido tão apertado, que revele a existência de uma dúvida razoável em relação ao tema tratado e objeto da condenação.
Trocando em miúdos: quando a Corte decide pela condenação por um resultado apertado, com apenas um voto de diferença, eis aí uma clara manifestação de que parte importante dos julgadores não estava suficientemente convencida da culpabilidade do réu.
O que, para dirimir qualquer dúvida, seria decidido a partir de um novo julgamento.
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Traduzindo de forma mais prática: caso estes embargos fossem aceitos, conforme o costume mas não a legislação brasileira, haveria a necessidade de que um José Dirceu, João Paulo Cunha e o Bispo Rodrigues, se não me engano, tivessem um novo julgamento em relação tão somente, à acusação de formação de quadrilha.
Entendo, caso não esteja errado, que no caso de uma possível - mas não necessariamente provável - absolvição, o resultado final não seria outro senão a redução da pena, o que implicaria na possibilidade de os condenados não terem de pagar suas penas em regime fechado. Ou seja: não haveria prisão e cadeia.
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Muitos poderão alegar do absurdo dessa situação, já que livraria a cara do ex-ministro da Casa Civil de Lula, que não iria para trás das grades.
Alguns mencionariam a injustiça de um novo julgamento se dar sem que os mesmos juízes do primeiro momento pudessem participar, já que alguns ministros se aposentaram e novos juízes compõem a Corte maior.
Haveria até aqueles que iriam lembrar que a indicação ao Supremo, sendo feita pelo presidente poderia implicar em indicações de cartas marcadas, com os novos juízes sendo indicados apenas por serem considerados amigos ou partidários ou favoráveis ao partido ou posição do presidente, no caso a presidenta Dilma e o PT.
Esquecem-se esses que além da questão da carreira e da própria honra dos juízes envolvidos, há que se considerar que os ministros indicados devem ser aprovados por outras instâncias de poder, o que envolveria então, necessariamente a aprovação de várias pessoas, de vários e distintos partidos.
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Outros poderiam aferrar-se à questão de nosso direito positivista, ao contrário daquele do tipo americano, consuetudinário, em que costumes e tradições valem mais que a letra fria e congelada no tempo das leis.
Esses, estariam revelando, no mínimo um comportamento curioso, já que alguns deles, muitas vezes tecem críticas exatamente ao fato de nosso Direito não se atualizar, não dando conta de acompanhar a evolução dos costumes sociais.
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Mas, vá lá. É inegável que a opinião pública no nosso país chegou a um limite. A um ponto em que não interessa mais, necessariamente, fazer justiça. Aparentemente, o que ela deseja, nesse momento, é aplacar toda sua ira, com sangue.
Mesmo que sob argumentos de que, mesmo forçando nossos costumes e tradições, afinal de contas estaria sendo feita a justiça devida.
Pode ser.
Como pode ser também que, mesmo com novo julgamento, os ministros ainda mantivessem suas opiniões e votos anteriores e até que os novos julgadores mantivessem os votos condenatórios.
Tudo é possível, como diz o ditado quando se trata de cabeça de juíz e do fundo das fraldas das crianças...
Mas, sabemos todos que isso seria um prato especialíssimo a ser servido à midia, também sedenta de matérias de grande evidência.
E que partidos de oposição e várias pessoas e interesses raivosos com os rumos que o governo do PT deu em nossa trajetória vão se aproveitar para fazer um grande estardalhaço. Num instante em que a situação política inspira um mínimo de cuidado e ... juízo e serenidade.
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De qualquer forma, independente de o que seja o resultado do julgamento dos tais embargos, o que tem sido mais destacado é que a Corte Suprema tem hoje, como seu presidente, um ministro que, por mais que tenha sólida formação intelectual - e parece que o Ministro Joaquim Barbosa é de fato dos ministros de maior cultura e conhecimento jurídico, por méritos exclusivamente de seus esforços, diga-se de passagem- mostra um grau de autoritarismo e uma arrogância que beira à soberba.
Talvez por ter sido tão comemorado na primeira fase do julgamento do mensalão, em que era o ministro relator do processo, e ter adotado posições que o tornaram ídolo da imprensa e da grande maioria da classe média (seja lá o que isso possa significar) o ministro parece, às vezes, se tornar a expressão única e absoluta da verdade e da defesa do direito e da justiça.
O que se não faz dele um julgador menor, o torna, ao menos uma pessoa que, por demonstrar tradição de comportamento não democrática, o faz um péssimo candidato a qualquer cargo político, em especial, no Executivo, como parte da sociedade - a parcela mais autoritária, parece desejar transformá-lo.
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Em minha opinião, mais que o Messias, o nosso ministro parece às vezes, arvorar-se no papel da própria divindade, o que o transforma em um perigo para nossas tradições, mais que um salvador.
Aliás, como disse Marina Silva, em sua entrevista na Folha de São Paulo dessa semana, não precisamos de Messias, e o povo que precisa de um é aquele que não está maduro para exercer sua cidadania.
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Aguardemos o espetáculo no STF no dia de hoje.
E, por favor, se algum juízo de valor aqui exposto contiver erros de interpretação jurídico (se eu tiver postado alguma bobagem para falar mais claro), gostaria que os que tivessem acesso a esses comentários se manifestassem para que eu pudesse extrair algo de positivo de toda essa situação, ao menos do ponto de vista pessoal.
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