domingo, 17 de agosto de 2014

Discurso em homenagem aos formandos de Economia 1º semestre de 2014

Vivemos um momento singular em nosso país, que exige de nós tanto maior reflexão quanto responsabilidade. E isso não só porque realizamos um evento do porte de uma Copa do Mundo, aquela que não iria acontecer ou em que acontecendo,  seria um desastre.
A Copa não apenas foi realizada como foi um êxito, ao menos em campo. Independente de termos de aprender amargamente, a engolir nossa arrogância. Afinal, não somos mais os reis do futebol, se é que já o fomos algum dia. Devemos até ter cuidado para não descobrirmos debaixo de nossos assentos algum gol perdido da Alemanha.
E a Copa funcionou APESAR da confusão tão típica nossa, tão admirada como exótica pelos estrangeiros, incapazes de entenderem como algo que tem tudo para dar errado, funciona.
Certo que a Copa não foi nenhuma maravilha, nem o seu legado, embora seus custos irão pesar por muito tempo sobre os ombros e bolsos de todos nós.
Vivemos ainda um instante rico, de corrida eleitoral,  que entra agora em sua etapa mais crucial, com o início da propaganda eleitoral gratuita, abalada pelo trágico acidente que ceifou a vida de um candidato à corrida presidencial. Político jovem, de grande potencial, mais que uma promessa, já uma realidade. Uma perda para a democracia, essa flor sempre tenra e débil de nosso país.
Episódio que levou a presidenta Dilma a manifestar seu pesar, reconhecendo e refletindo sobre a fugacidade da vida.
Mas mesmo reconhecendo a importância da figura de Eduardo Campos, vale perguntar: será mesmo tão frágil a vida?
Afinal, em meio a toda a efervescência que nosso país atravessa, somos um povo cordial. Onde não existem guerras nem a bestialidade humana nos arrasta a um genocídio, como o que assistimos em Gaza.
Onde desde 8 de julho, início da ofensiva militar 1928  palestinos foram mortos, dentre os quais 1300 civis, principalmente mulheres e crianças. Quanto às baixas israelenses, também recordes, 64 soldados já perderam suas vidas.
Vá lá. Por mais a primeira vítima da guerra seja a verdade, tais números chocam e aterrorizam.
Mas, e aqui no Brasil?  Como é sabido que as estatísticas perseguem os economistas, somos informados pelo Mapa da Violência de 2014 que o número de assassinatos no Brasil passa de 500 mil, no período de 10 anos. A maioria das vítimas na faixa etária de 15 a 29 anos. Negra.
Apenas em 2012, 154 pessoas morreram a cada dia, em média, vítimas de homicídios. Número que cresce em um ritmo superior ao do aumento da população na mesma década. E que nos coloca na honrosa 7ª posição em 2014, ao se calcular o número de mortes por cada grupo de 100 mil habitantes entre 100 países. O que nos permite ficar atrás de Colômbia, Venezuela, Guatemala e outros.
Enquanto preparava esse discurso, ergui os olhos para o quadro pendurado à minha frente, com o poema Que País é Esse, de Affonso Romano de Sant’Anna, que se inicia assim:
 Há 500 anos caçamos índios e operários
Há 500 anos queimamos árvores e hereges
Há 500 anos estupramos livros e mulheres
Há 500 anos sugamos negros e aluguéis.
E matamos jovens, pretos, pobres, putas, gays, gente invisível, por sua insignificância. Mas, gente!
Prova cabal de que para a imensa maioria de nosso povo, a morte não pode ser considerada um acidente. Ao contrário o acidente é o ato de nascer. É a própria vida.
País que trata a maior parcela de seus filhos de forma injusta, como deserdados.
Porque a leitura atenta dos jornais nos informa que levantamento realizado pela Prefeitura de São Paulo, comparando os rendimentos ganhos entre 2000 e 2010, revela o enriquecimento do 1% das pessoas mais ricas que ao invés de embolsarem 13 de cada 100 reais gerados na cidade, passaram a ganhar 20 reais.
Por outro lado, os 50% mais pobres pioraram sua renda, que caiu de 11,65 para  10,57 reais. Cifra que o autor da matéria considera ter ficado estagnada!!!
Estudo que nos leva a concluir que enquanto os muito ricos ou muito pobres melhoram, a classe média vê a banda passar. E que se as políticas assistencialistas afetaram a renda da classe média, não afetaram negativamente a renda dos muito ricos.
Curiosamente, no mesmo dia, o mesmo jornal informava que para estacionar um jatinho como o que vitimou Eduardo Campos no pátio de Congonhas, pagava-se entre 92 centavos e 1 real e 7 centavos a hora. Enquanto no estacionamento de veículos, o preço era de 4 reais a hora.
Fiquemos por aqui. Afinal hoje é dia de festa. Hoje é dia de comemorarmos a conquista de mais uma vitória na sua trajetória. Vitória fruto do esforço pessoal, do interesse, dedicação, vontade de cada um de vocês.
Claro que tudo isso não seria possível se não fora a contribuição de pais, irmãos, filhos, companheiros, companheiras, amigos, que nos suportaram nessa jornada. Suporte de apoio e de paciência. Merecedores também eles de nossos cumprimentos e agradecimentos.
Mas se é festa, não podemos nos esquecer de que a responsabilidade suas agora é a de profissionais. Fica maior, se amplia.
E que serão vocês que irão no futuro, serem os responsáveis pelos rumos de nosso país. E que o futuro já começa agora, nas próximas eleições.
Devo admitir que não invejo sua responsabilidade. Afinal serão vocês que decidirão entre construir um tecido social cada vez mais esgarçado, uma sociedade cada vez mais polarizada e injusta ou cada vez mais justa, mais digna e fraterna. Se não os invejo, não os temo. Sei do potencial e nobreza de intenções de cada um de vocês.
E a todos parabenizo. E desejo felicidades.
Obrigado.



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