terça-feira, 5 de agosto de 2014

Recessão e enfraquecimento da indústria nacional tratados em palestra do professor Belluzzo

Em palestra promovida na noite de ontem, em São Paulo, o professor Belluzzo, um dos mais conceituados economistas do país e conselheiro da presidenta Dilma Roussef afirmou que são dois os principais riscos que desafiam nossa economia: a possibilidade de entrarmos em recessão - tecnicamente, dois trimestres sucessivos de queda do PIB, e o processo de desindustrialização ou pior, a continuidade desse processo, sinal de  uma indústria cada vez mais fraca.
Repercutindo as opiniões do professor, o jornal Valor Econômico destaca que Belluzzo apontou que especialmente o problema da indústria será um dos principais desafios a merecerem a atenção do futuro ocupante do Planalto, ao lado da necessidade de se promover reformas estruturais e estruturantes.
Entre as reformas, cita a política, visando reduzir o número de siglas partidárias que inviabilizam o funcionamento de qualquer democracia, e a reforma institucional, voltada para desobstruir os caminhos do investimento.
Quanto à recessão, indica que o modelo baseado no dinamismo dos gastos do consumo já alcançou seus limites, particularmente por força do tipo de bem que alavancou a nossa economia nos anos recentes. Isso é: sendo o consumo puxado por bens duráveis, como automóveis e eletroeletrônicos, uma vez adquiridos, não há um movimento de troca ou de novas compras em curto período de tempo.
Além disso, o professor constata que as famílias atingiram seus limites de endividamento, o que as faz reduzir a utilização das opções de crédito.
***
Quem acompanha nossos comentários sabe que também essa, coincidentemente é nossa opinião, tanto pelo lado do consumo que não vai continuar se expandindo, por força da compra de um segundo ou terceiro automóvel, ou de uma segunda geladeira ou de um novo fogão, quanto pela preocupação em não se sobreendividar, em um momento em que o pessimismo que domina a conjuntura, recomenda cautela e redução de riscos. Afinal, configurando-se uma desaceleração da produção, como a que está em curso, é inegável que a situação dos empregos passa a ficar cada vez mais vulnerável.
De mais a mais, lembre-se que, comprados os bens de consumo que inserem as famílias no maravilhoso mundo do consumo, as famílias são atraídas e passam a se dedicar mais a um outro tipo de gasto, dessa forma, gastos em serviços. Razão porque salões de beleza, gastos com produtos de maquiagem e outros do gênero, gastos com academias e até mesmo em viagens, nacionais ou internacionais, começam a frequentar o menu de opções das famílias recém-chegadas ao mercado do consumo.
***
Quanto à questão da preocupação com o enfraquecimento de nossa indústria, o professor afirmou que caímos no conto da pouca importância da manufatura, o que nos levou a dedicar pouca, se alguma atenção a esse importante setor da economia. Em lugar disso, passamos cada vez mais a dar atenção e ficarmos satisfeitos em nos tornarmos, cada vez mais, produtores de commodities.
Na verdade, em relação a esse ponto, devemos relembrar que esse não foi um movimento necessariamente intencional, ligado às ideias antigas das teorias de vantagens comparativas no comércio internacional, que culminam sempre na conclusão de que o Brasil é o celeiro do mundo, etc.
Como já tive a oportunidade de manifestar antes, minha opinião é que tudo isso foi e tem sido fruto da grande liquidez que predominava nos mercados do mundo durante os anos 90, com maciças quantidades de capitais vultosos em busca de sua valorização, uma vez esgotadas as oportunidades nas economias mais maduras ou desenvolvidas.
Procurando se valorizar, migraram para as economias, como a brasileira, que em um primeiro momento puderam se beneficiar desses recursos, servindo-se deles para eliminarem a situação de hiperinflação que muitas delas experimentavam.
Ora, se devemos o êxito do Plano Real, em parte e como o mostra o livro em que Cesar Benjamin nos apresenta as conclusões de um encontro de economistas em Itaici, à grande liquidez internacional, tal liquidez em nada nos beneficiaria, não fossem a liberalização financeira internacional, a queda das regulações aos fluxos de capitais, a livre mobilidade que daí decorreu e as taxas de juros de que os governos brasileiros se valeram para manter a inflação sob controle.
Com juros elevados, e a inundação de dólares em nossa economia, seguiu-se a valorização do real, responsável por derrubar nossas exportações de manufaturas, ao tempo em que estimulava, por baratas, as importações de peças, partes, componentes e matérias primas. Tudo isso, agindo no sentido de destruir nossa produção industrial.
Ao mesmo tempo, a entrada da China no cenário internacional e seu crescimento deu ensejo a que uma grande demanda de produtos como minério de ferro, soja e outras commodities tivesse lugar, o que beneficiou a nosso país duplamente. Primeiro pela expansão da produção e venda de tais produtos, depois pela elevação da receita de vendas dos produtos exportáveis, tanto em moeda internacional, quanto em moeda nacional, com os grandes empresários dos setores primários ganhando também pela valorização do real.
***
Bem, foi o que bastou para criar essa situação que o professor identifica de fraqueza da nossa indústria, que corre o risco de criar outro problema caso o dólar seja valorizado, no futuro imediato.
Afinal, com dólar mais caro, pagaremos pela imprevidência de termos deixado grande parte de nossas cadeias produtivas terem sido sucateadas, quando substituímos os fornecedores internos por outros estrangeiros.
Sinal de que, nem sempre o que é uma decisão correta do ponto de vista microeconômico (redução de custos e preços dos produtos manufaturados) de curto prazo, gera benefícios macroeconômicos ou sociais, em prazos mais longos. Ou seja, as decisões micro podem sim, se revelarem portadoras tão somente de uma importante miopia.
***
O professor está correto e, embora temporalmente difícil, como ele mesmo afirma, recuperar a força de nosso parque manufatureiro, esse será certamente um dos mais importantes desafios de qualquer que seja o próximo governo eleito.

Nenhum comentário: