quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Divagando sobre a cientificidade da Ciência Econômica e as outras ciências sociais

Comentava eu, ontem, em sala de aula, do questionamento que surge algumas vezes a respeito do caráter de cientificidade que se atribui ao corpo de conhecimentos que constituem o chamado conjunto das ciências sociais. Entre elas, claro, a economia.
Não era uma aula de metodologia, desde logo, embora a formação científica do aluno de economia, como qualquer outra ciência, exige um conhecimento mais amplo de conceitos como paradigmas, pressupostos, programas ou linhas de pesquisa, epistemologia, ontologia, instrumentalismo versus realismo, organicidade em contraponto à abordagem individualista, para ficar em alguns poucos.
Em dado momento, citava o prof. Galbraith em A Economia e o Interesse Público, quando dizia que, os economistas, como qualquer cientista pretende definir sua ciência de forma a transformá-la em algo abrangente, definitivo, com uma dimensão muito superior, mais universal e mais atemporal.
Daí a definição de economia tratar da relação entre homens e meios, aqueles por meio de seus desejos e necessidades, eternos e sempre infinitos, infindáveis, ilimitados enquanto os meios de atendê-los seriam escassos e com finalidades alternativas ou excludentes.
Em síntese, a ciência da escassez.
E, como desde que o mundo é mundo o homem teve necessidades a serem satisfeitas, e desde os primórdios, utilizava os que se convencionou chamar de bens para atender a tais demandas e, mais ainda, desde então, nem sempre os meios úteis para produzir os bens bastavam para todos, então, a Economia ganhava sua generalidade e universalidade.
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Provocando, afirmei que muitos questionam se as ciências sociais poderiam ser aceitas como ciências, dada sua impossibilidade de seguirem o que também se conhece como o Mito do Método. Nas Ciências Sociais, não há a possibilidade da experimentação, nem da repetição do experimento, com a garantia do mesmo resultado. Probabilisticamente, pode até se tentar uma aproximação, mas.... aí já entramos na seara da inferência, ela mesma sujeita a questionamentos de variada ordem.
Acompanhando Heráclito, para quem um homem não pode entrar no mesmo rio duas vezes, já que tudo muda e a única coisa permanente que existe é a mudança, a impossibilidade de se realizar experiências conduzidas em laboratório negariam o caráter científico e imparcial da verdade observada.
Chico de Oliveira, em artigo brilhante, por seu turno, afirmava ser a ciência social científica, exatamente por prescindir do método, e partir de posturas anteriormente já definidas, ou seja por ser ideologia.
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Mas, não é esse o tema desse pitaco. É que, questionando a cientificidade da economia, ao término da aula recebi de um aluno, o Leandro ou Lucas, um texto intitulado "No More than a cargo cult science! Ou, sobre a aleatoriedade ad hoc do determinismo econômico" (autor não identificado).
Citando o prêmio Nobel de Física, Richard Feynman que cobrava a produção de conhecimento realmente útil das ciências sociais e humanas, e Deirdre McCloskey, que segundo o texto, aplicou as idéias do físico às Ciências Econômicas, argumentando que embora a Economia incorporasse muita matemática, muitos  'hard chess problems', não havia nenhuma aderência em relação à vida de terra e asfalto.
Na mesma linha de raciocínio, e para embasar sua crítica, o autor anônimo lança uma hipótese para o que classifica como o "efeito econômico torto, herdado da inveja da economia frente às ciências naturais":  o fato de a ciência econômica não ser fundada em sistemas determinísticos.
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Por sistema determinístico, entende a situação que, a partir de qualquer estado singular, pode se identificar qual o estado anterior e qual o posterior. É pois, um sistema com memória passada e futura perfeitas, sem perda de informação.
Já, ilustrando com os fenômenos econômicos, aponta a grande quantidade de perda de informação, dado o fato de que, às vezes, a ordenação passada é duvidosa, mesmo que a futura seja determinada; outras, dá-se o contrário.
Como exemplo, cita que a inflação pode ser gerada por meio da emissão monetária (excessiva), mas a emissão não assegura que haverá inflação. Ou a inflação pode ter outras causas várias e distintas, que podem também não explicá-la em outros contextos ( a quebra de safra pode ou não ser a causa da inflação).
Deixando de lado o fato de que a inflação é um fenômeno muito variado, com explicações várias e que se entrecruzam e entrelaçam e se fortalecem uma vez já iniciada seja por que motivo for, a questão é que: toda vez que se identifica um problema, tantas são as possíveis causas e tantas as soluções distintas para saná-las, que não é difícil entender porque três economistas apresentam meia dúzia de soluções de política distintas para um mesmo e simples (?) problema.
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O que a teoria nos mostra é que, toda vez que se tentou utilizar as condições "what if" ou "as if", as soluções encontradas foram dominadas pelo mais completo artificialismo. O mesmo pode ser dito sobre a utilização de modelos determinísticos para solução de problemas, como a explicação dos ciclos pelo modelo de interação do multiplicador e do princípio da aceleração. Ou até de modelos em versão mais simples, de autores como o próprio Kalecki.
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E sem querer esgotar o assunto e a discussão - já que meu interesse é justamente o de levantar, se tanto, uma polêmica, seguindo a senda de Chico de Oliveira, acho que é exatamente aí que reside a maravilha, a beleza do estudo da Economia:  as distintas visões de mundo dos analistas e teóricos econômicos, sua idéias pré-concebidas, seus pre-conceitos e seus interesses sempre presentes na forma de identificar a realidade. A relatividade que isso introduz no sistema.
O fato de que, sendo influenciada pelo tempo e dada sua dimensão histórica, o que prevalece é tão somente o princípio da incerteza.
Que estabelece que nem a ordenação passada dos eventos é perfeitamente determinada ou conhecida, nem os eventos futuros são passíveis de qualquer conhecimento.
É isso que nos leva a procurar regularidades de comportamentos, e isso que significa entender, em parte, como os homens se relacionam em sociedade.

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