quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O voto extenso e a aula de Celso de Mello

Deu a lógica. Como já havia se manifestado há 13 meses atrás, o Ministro Celso de Mello, decano do STF manteve sua opinião anterior, da admissibilidade dos  chamados embargos infringentes.
Em um voto tão extenso quanto detalhado, o ministro começou chamando a atenção para o fato de que não se sentia responsável, nem carregava o peso ou ônus de ter que proferir o voto decisivo, como lhe havia dito o Ministro Marco Aurélio de Melo, na semana anterior.
Ao contrário, deixou claro que seu voto apenas somar-se-ia a outros cinco votos, já expostos ao público, situação que servia, adicionalmente, para mostrar a divisão que o tema provocou junto ao colegiado de que fazia parte.
Antes disso, lembrou a importância e o significado da data que, por coincidência, era a data de aniversário da promulgação da Constituição de 1946, de inspiração liberal e que foi recepcionada, no STF, como o instrumento de garantia e defesa do Direito, em especial, o direito de qualquer um, fosse quem fosse, ocupasse a posição social ou cargo que ocupasse, tivesse o nome ou sobrenome que tivesse, de ser tratado com isenção, imparcialidade e, justiça.
Após a homenagem à Carta de 46, e por conta dos direitos e garantias individuais e coletivos que ela preservava e garantia, foi protagonista de um puxão de orelha dado, com muita elegância, a seus colegas que haviam, na reunião da semana anterior, abordado a importância de o Supremo não ficar preso a questões de tecnicalidades, para posicionar-se lado a lado do clamor das ruas e da movimentação popular, que exigia a condenação dos mensaleiros.
Nesse momento, sutilmente, puxou a orelha do ministro Marco Aurélio, lembrando-lhe ter sido o autor de votos que, na direção contrária à da voz rouca das ruas, cumpriu o que julgava ser o justo, em relação, por exemplo, à concessão de liberdade ao banqueiro Salvatore Cacciola.
Lembrou que o Direito assegura a qualquer criminoso um julgamento imparcial e com direito a ampla defesa, independente do delito praticado ou de sua gravidade, destacando ser esse respeito aos direitos individuais, mesmo quando contrários ao interesse conjuntural da sociedade, o que a distancia do estado de barbárie, onde prevaleceria a lógica da justiça feita pelas próprias mãos.
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A esse respeito, foi extremamente instrutivo e ilustrativo dos males e da irracionalidade de uma justiça que se deixa levar pelo emocionalismo que surge no calor do momento, a entrevista que Datena fazia no seu Brasil Urgente, na Band.
Isso porque, longe de a entrevista ser realizada com algum delegado ou policial ou perito ou advogado ligado ao caso, a entrevistada era com a antiga moradora do mesmo apartamento em que mãe e quatro filhos foram encontrados mortos, no início da semana.
Como a imprensa noticiou, os corpos, sem quaisquer sinais identificáveis de violência, foram encontrados pelo namorado da moradora, imediatamente transformado em suspeito, especialmente pela descoberta de seu passado de violência doméstica.
Imediatamente a hipótese de envenenamento ganhou força, com a polícia divulgando que o namorado, um boliviano, esteve na casa no fim de semana e, curiosamente, não compartilhou dos alimentos do lanche que a mulher e seus filhos ingeriram.
Para evitar uma possível fuga do suspeito e consideradas as evidências recolhidas,  a polícia conseguiu autorização judicial para prender o boliviano.
Entretanto, no programa do Datena, a história que a jovem revelava era de que, ainda no início de seu casamento e grávida, foi morar naquele imóvel, onde um vazamento de gás logo foi identificado. Por mais queixas que fizessem, o problema do gás não foi solucionado, o que impedia que pudessem utilizar do fogão à vontade.
Que por força do vazamento de gás, o marido acabou falecendo, e ela acabou perdendo o bebê que esperava.
Contava ainda, não ter conhecimento de nenhuma obra no apartamento, visando eliminar o problema que, inclusive, teria sido objeto de queixa e reclamação da mulher, agora também vitimada.
A jovem apresentou comprovantes de toda sua história, e a polícia reconhece como já havia sido noticiado, a eventualidade de a causa da morte da família ter se dado por um problema de vazamento de gás.
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Cabe agora, à polícia ouvir a jovem, investigar. Concluir os exames capazes de constatarem a causa das mortes e se houve ou não algum envenenamento da comida.
E nem o  fato que aqui relato tem qualquer intenção de inocentar o boliviano suspeito.
Mas, deve servir para mostrar que, nem sempre, por mais fortes que possam ser ou aparentar ser as evidências, juízos de valor devam ser feitos.
Neste caso, um homem está preso e pode, como alega ser tão vítima quanto a família morta.
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Mas, voltemos ao caso do mensalão. O ministro Celso de Mello prosseguiu analisando os vários documentos legais que sempre asseguraram a continuidade de vigência e a aceitação dos embargos infringentes, mesmo quando houve a oportunidade de serem eles retirados do texto legal.
De mais a mais, deixou claro o fato de que a existência de previsão legal para o recurso e sua admissibilidade, que era o que se tratava na oportunidade, não implicava o caráter que alguns querem lhe imputar de aceitação do mérito do mesmo.
Ou seja, aceitar que embargos infringentes sejam apresentados, não assegura que o seu teor seja considerado aceitável quanto ao mérito. E menos ainda que sejam necessariamente alterados os juízos que, em primeiro momento, acabou por gerar a condenação dos denunciados.
Ou seja, nem mesmo a alteração dos membros da Corte poderia ser argumento para alicerçar a opinião dos analistas de que o julgamento caminha para revelar-se uma grande pizza. E, mais uma vez, a impunidade prevaleça para aqueles considerados mais privilegiados.
Quando abordou o amparo legal para a admissibilidade dos infringentes, deixou claro que os partidos que agora, por motivos meramente políticos criticam sua existência, tiveram a oportunidade no espaço próprio, o Congresso, de revogá-los, o que não fizeram, por voto de liderança.
Lembrou de Bobbio, para quem há sim, na lei, alguns vácuos por força de desconhecimento da matéria objeto da legislação. Ou por falta de experiência. Entretanto, há também aqueles vácuos intencionais, em que a matéria não foi suficientemente tratada por força de interesse ou vontade do legislador.
Nesse vácuo é que deveria ser tratado o problema dos infringentes, não tratados  diretamente por documento legal, mas existente com amparo regimental, ou seja, previsto e aceito no Regimento do STF.
Diga-se de passagem, recurso que foi acolhido em todos os regimentos que foram feitos na Corte.
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Tratou minuciosamente do fato de que, sendo o julgamento do STF a última instância, não haveria que se falar em dupla instância de julgamento, mas lembrou que o reconhecimento e a assinatura do Brasil ao Pacto de San José, obriga o país a acatar a existência de uma segunda oportunida, de julgamento sempre, para qualquer réu.
Ou seja, como país signatário o Acordo, ato que foi decisão soberana do Estado brasileiro, as leis brasileiras já deveriam trazer em seu bojo, as condições para que aquele acordo fosse respeitado e cumprido. Isso, segundo o Ministro, no caso específico de uma segunda instância de julgamento estaria assegurado pelos infringentes.
Assim reconhecia a existência dos infringentes, do direito de todo e qualquer cidadão ter a oportunidade de recorrer de uma sentença desfavorável, ainda que tal fosse originária do Supremo. Abordou ainda a questão de que nosso direito sempre se pautou por observar a aplicabilidade da lei mais favorável ao réu, e enfocou ainda a questão de que tais infringentes deveriam ser aceitos sempre que 4 votos fossem favoráveis aos réus, explicando o porque de tal número, que não era um número cabalístico qualquer.
Em suma: votou a favor da admissibilidade dos infringentes e deu uma aula, às vezes extensa, cansativa até, mas de grande profundidade sobre o tema e o Direito, de forma geral.
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Contrariando aos que perderam seu tempo, propagando emails com uma suposta ameaça de renúncia de Joaquim Barbosa a sua cadeira na Corte maior, o ministro presidente do Supremo estava preocupado em dar agilidade aos procedimentos burocráticos, capazes de darem celeridade ao julgamento dos infringentes.
Também, para deixar os que continuam apregoando que o STF se curvou aos interesses políticos do PT e aliados, sem argumento, o ministro relator dos infringentes, escolhido por sorteio, é justamente um daqueles contrários à sua admissibilidade, o ministro  Fux.
No fim das contas, a conclusão a que até mesmo a imprensa sequiosa por sangue irá chegar, mais cedo ou mais tarde, é que ganhamos nós, o povo brasileiro. Ganha o Estado de Direito e o Direito, como norma de convívio social, de maneira geral.

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