terça-feira, 8 de julho de 2014

Sobre o canto do hino a capela ou de metade do hino e sobre hinos e os rigores e formalidades do hino nacional

Confesso que é de arrepiar, e deveras emocionante, ouvir a execução de nosso tão bonito, melodioso e extenso hino nacional. Emocionante a ponto de, aos primeiros acordes de sua introdução grandiosa, fazer-nos marejar os olhos, independente das razões, do ambiente, da situação que dá ensejo a sua execução.
Pena é o fato de, em nosso país, ao contrário de tantos outros em que também constitui um dos símbolos oficiais de nossa nacionalidade, o hino ser tratado não como uma música do povo, para ser por ele cantada e cultivada, sempre e a cada momento, como um bem cultural de cada um de nós.
Assim, o hino, por mais belo que seja, não nos traz a sensação de pertencimento que, em minha ignorância, acho que deveria ser o primeiro requisito de que deveria ser impregnado. Porque para mim, o hino de uma nação deveria ser a expressão maior da alma do povo sendo uma de suas posses mais significativas.
Bem diferente de nosso hino, tão sujeito a regulamentações e obrigações, que padece do mal de transmitir a ideia de não nos pertencer. O que faz sua execução deixar de ser a expressão do espírito do povo alegre, informal, zombeteiro, gozador, para tornar-se uma peça a ser executada para as instituições e não as pessoas.
Daí que sua execução, como consta do Wikipedia, ser feita em continência à Bandeira Nacional, ao presidente da República, ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal,  em casos determinados por regulamentos de continência ou cortesia internacional e até, pasmem, ter sua execução permitida na abertura de sessões cívicas, cerimônias religiosas de caráter patriótico e antecedendo a eventos esportivos internacionais.
Tratado como algo tão distante do povo, a que pretende ou que deveria representar, nosso hino chegou ao ponto de ter, conforme a Lei 5.700 de 1971  que dele trata, junto aos demais símbolos nacionais,   a determinação de como se comportar ... com todos devendo tomar atitude de respeito, de pé e em silêncio. Como consta no wikipedia, com “Civis do sexo masculino com a cabeça descoberta e os militares em continência, segundo os regulamentos das respectivas corporações. Além disso, é vedada qualquer outra forma de saudação (gestual ou vocal como, por exemplo, aplausos, gritos de ordem ou manifestações ostensivas do gênero, sendo estas desrespeitosas ou não). Na Seção II da mesma lei, “execuções simplesmente instrumentais devem ser tocadas sem repetição e execuções vocais devem sempre apresentar as duas partes do poema cantadas em uníssono. Portanto, em caso de execução instrumental prevista no cerimonial, não se deve acompanhar a execução cantando, deve-se manter, conforme descrito acima, silêncio”.
Sempre há espaço para as alegações de  que não se deve dar crédito ao conteúdo do wikipedia, dadas as características de ser um site de conteúdo aberto. Ou então, dizer que a lei citada ser  típica do autoritarismo vigente no período do regime militar, em que ela foi sancionada.
Mas, pesquisando sobre o tema, pude descobrir a existência de outra lei, a Lei 8421, de 1992  (governo Collor), que praticamente reproduz as prescrições da lei anterior, em seus artigos 24 e 25.
E aguçando a curiosidade e aprofundando a pesquisa, deparei-me com o site patriotismo.org.br que confesso não ter lido, mas que começa dizendo do respeito que o hino evoca, etc.
Com tal tratamento, bastante distante das características do  povão que diz representar, não é ou deveria ser surpresa para ninguém que outra lei,  a partir de 22 de setembro de 2009, determinasse que o hino torna-se obrigatório em escolas públicas e particulares de todo o país, para ser cantado ao menos uma vez por semana por todos os alunos do ensino fundamental.
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Pois bem, no início desse meu comentário, o que eu queria dizer é que, já por inúmeras vezes, a execução do hino, que cantei a plenos pulmões ou nem tanto, me emocionou a ponto de deixar meus olhos mareados. Algumas vezes, mesmo em uma simples solenidade de colação de grau. Simples para mim, já que toda colação de grau representa uma emoção ímpar para os que chegaram ali por seus esforços e sacrifícios, e conquistaram tamanha vitória.

O que eu queria dizer é que não acho nada anormal que o hino leve nossos jogadores às lágrimas, reações emotivas normais, diferentes e nada vinculadas, em minha opinião, com a perda do controle, da racionalidade ou qualquer coisa semelhante.

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O que eu queria mesmo era criticar essa atitude patrioteira de nossa mídia, chamando a atenção para toda a arquibancada cantando o hino a capela, como se mais forte o  hino fosse cantado, mais alto, mais uníssono, mais nosso time ganharia forças para vencer o jogo de início iminente.
De verdade o que eu queria era postar uma crítica à imprensa, que berra aos quatro cantos que a torcida deu um show de patriotismo cantando todo o hino, em desrespeito às regras e vontades da FIFA, patrocinadora e organizadora do evento, para quem apenas as primeiras estrofes do hino deveriam ser executadas. Isso, sabendo-se que o que a torcida em sua rebeldia faz e fez, muito comoventemente e de forma muito bem feita, é cantar a primeira metade do nosso extenso hino.
O que eu queria era ter um início para falar disso: a auê que a mídia faz, o escarcéu que apronta, apenas porque a torcida canta – REPITO a primeira metade do hino.
E até pensei em começar a postagem perguntando se foi decretada a mudança do hino nacional, e quem foi que encurtou nosso hino?
Ou que lei cancelou a existência da metade que fala de deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do sol profundo, fulguras o Brasil florão da América, iluminado ao sol do novo mundo...
Ou do que a terra mais garrida teus risonhos, lindos campos têm mais flores, etc.
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Queria só poder dizer que a imprensa deveria parar de informar mal. O povo cantou toda a metade do hino. Não o hino todo.
Mas, depois de ver tanta legislação para tratar e regular e enquadrar uma coisa que acho que é tão nossa e que deveria ser tão nossa, mesmo que o hino tenha sido comprado e nada tem em seus versos de popular, ou mesmo que seja de entendimento fácil para a população, acho que o melhor é não fazer a crítica.
Deixa que o povão se expresse, com respeito, mas com alarde, com gritos, assovios, como o povo sabe fazer quando vibra e quando manifesta seu apreço ou seu amor por tudo que lhe diz respeito.


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