Confesso que é de
arrepiar, e deveras emocionante, ouvir a execução de nosso tão bonito, melodioso
e extenso hino nacional. Emocionante a ponto de, aos primeiros acordes de sua
introdução grandiosa, fazer-nos marejar os olhos, independente das razões, do
ambiente, da situação que dá ensejo a sua execução.
Pena é o fato de, em nosso
país, ao contrário de tantos outros em que também constitui um dos símbolos
oficiais de nossa nacionalidade, o hino ser tratado não como uma música do
povo, para ser por ele cantada e cultivada, sempre e a cada momento, como um
bem cultural de cada um de nós.
Assim, o hino, por mais
belo que seja, não nos traz a sensação de pertencimento que, em minha
ignorância, acho que deveria ser o primeiro requisito de que deveria ser
impregnado. Porque para mim, o hino de uma nação deveria ser a expressão maior
da alma do povo sendo uma de suas posses mais significativas.
Bem diferente de nosso hino,
tão sujeito a regulamentações e obrigações, que padece do mal de transmitir a
ideia de não nos pertencer. O que faz sua execução deixar de ser a expressão do
espírito do povo alegre, informal, zombeteiro, gozador, para tornar-se uma peça
a ser executada para as instituições e não as pessoas.
Daí que sua execução,
como consta do Wikipedia, ser feita em continência à Bandeira Nacional, ao
presidente da República, ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal, em casos determinados por regulamentos de
continência ou cortesia internacional e até, pasmem, ter sua execução permitida
na abertura de sessões cívicas, cerimônias religiosas de caráter patriótico e
antecedendo a eventos esportivos internacionais.
Tratado como algo tão distante do povo, a que
pretende ou que deveria representar, nosso hino chegou ao ponto de ter, conforme
a Lei 5.700 de 1971 que dele trata,
junto aos demais símbolos nacionais, a determinação de como se comportar ... com
todos devendo tomar atitude de respeito, de pé e em silêncio. Como consta no
wikipedia, com “Civis do sexo masculino com
a cabeça descoberta e os militares em continência, segundo os regulamentos das
respectivas corporações. Além disso, é vedada qualquer outra forma de saudação
(gestual ou vocal como, por exemplo, aplausos, gritos de ordem ou manifestações
ostensivas do gênero, sendo estas desrespeitosas ou não). Na Seção II da mesma
lei, “execuções simplesmente instrumentais devem ser tocadas sem repetição e
execuções vocais devem sempre apresentar as duas partes do poema cantadas em
uníssono. Portanto, em caso de execução instrumental prevista no cerimonial,
não se deve acompanhar a execução cantando, deve-se manter, conforme descrito
acima, silêncio”.
Sempre há espaço para as alegações de que não se deve dar crédito ao conteúdo do
wikipedia, dadas as características de ser um site de conteúdo aberto. Ou
então, dizer que a lei citada ser típica
do autoritarismo vigente no período do regime militar, em que ela foi
sancionada.
Mas, pesquisando sobre o tema, pude descobrir a
existência de outra lei, a Lei 8421, de 1992
(governo Collor), que praticamente reproduz as prescrições da lei
anterior, em seus artigos 24 e 25.
E aguçando a curiosidade e aprofundando a pesquisa,
deparei-me com o site patriotismo.org.br que confesso não ter lido, mas que
começa dizendo do respeito que o hino evoca, etc.
Com tal tratamento, bastante distante das características
do povão que diz representar, não é ou
deveria ser surpresa para ninguém que outra lei, a partir de 22 de setembro de 2009,
determinasse que o hino torna-se obrigatório em escolas públicas e particulares
de todo o país, para ser cantado ao menos uma vez por semana por todos os
alunos do ensino fundamental.
***
Pois bem, no início desse meu comentário, o que eu queria
dizer é que, já por inúmeras vezes, a execução do hino, que cantei a plenos
pulmões ou nem tanto, me emocionou a ponto de deixar meus olhos mareados.
Algumas vezes, mesmo em uma simples solenidade de colação de grau. Simples para
mim, já que toda colação de grau representa uma emoção ímpar para os que
chegaram ali por seus esforços e sacrifícios, e conquistaram tamanha vitória.
O que eu queria dizer é que não acho nada anormal que o
hino leve nossos jogadores às lágrimas, reações emotivas normais, diferentes e
nada vinculadas, em minha opinião, com a perda do controle, da racionalidade ou
qualquer coisa semelhante.
***
O que eu queria mesmo era criticar essa atitude
patrioteira de nossa mídia, chamando a atenção para toda a arquibancada
cantando o hino a capela, como se mais forte o
hino fosse cantado, mais alto, mais uníssono, mais nosso time ganharia forças
para vencer o jogo de início iminente.
De verdade o que eu queria era postar uma crítica à
imprensa, que berra aos quatro cantos que a torcida deu um show de patriotismo
cantando todo o hino, em desrespeito às regras e vontades da FIFA,
patrocinadora e organizadora do evento, para quem apenas as primeiras estrofes
do hino deveriam ser executadas. Isso, sabendo-se que o que a torcida em sua
rebeldia faz e fez, muito comoventemente e de forma muito bem feita, é cantar a
primeira metade do nosso extenso hino.
O que eu queria era
ter um início para falar disso: a auê que a mídia faz, o escarcéu que apronta,
apenas porque a torcida canta – REPITO a primeira metade do hino.
E até pensei em
começar a postagem perguntando se foi decretada a mudança do hino nacional, e quem
foi que encurtou nosso hino?
Ou que lei cancelou a
existência da metade que fala de deitado eternamente em berço esplêndido, ao
som do mar e à luz do sol profundo, fulguras o Brasil florão da América,
iluminado ao sol do novo mundo...
Ou do que a terra
mais garrida teus risonhos, lindos campos têm mais flores, etc.
***
Queria só poder dizer
que a imprensa deveria parar de informar mal. O povo cantou toda a metade do
hino. Não o hino todo.
Mas, depois de ver
tanta legislação para tratar e regular e enquadrar uma coisa que acho que é tão
nossa e que deveria ser tão nossa, mesmo que o hino tenha sido comprado e nada
tem em seus versos de popular, ou mesmo que seja de entendimento fácil para a
população, acho que o melhor é não fazer a crítica.
Deixa que o povão se expresse,
com respeito, mas com alarde, com gritos, assovios, como o povo sabe fazer
quando vibra e quando manifesta seu apreço ou seu amor por tudo que lhe diz
respeito.
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