Há muitos anos atrás, estivemos meu irmão e eu com meus avós passando alguns dias de férias em São Lourenço, sul de Minas.
O mês era julho, de um frio intenso, mas o Parque de Águas daquela cidade, com seu lago, seus barcos e seus pedalinhos nos faziam esquecer da baixa temperatura de inverno.
Ali, em São Lourenço, conhecemos um senhor idoso, um velhinho, que ficava muitas vezes conversando com os funcionários do Hotel e, algumas vezes com os hóspedes.
Vivia ele de apostar no jogo do bicho e foi com ele que aprendi a numeração e quadras dos animais do jogo de azar.
Jogando todo dia, embora pouco, o velhinho invariavelmente ganhava algum valor, recuperando a aposta feita.
Instruído por nosso avô de que o resultado mais provável de qualquer fezinha era perder o dinheiro gasto, e que o ganho maior de qualquer jogo de azar era a experiência, morria de curiosidade de saber como o velhinho estava sempre conseguindo acertar algum palpite.
Até que, vencido pela curiosidade, perguntei a ele o método que ele adotava.
Para minha surpresa, ele tirou do bolso do paletó um folha de papel com anotações de resultados de jogos de vários dias consecutivos e explicou-me que acompanhava a cada dia os bichos que estavam sendo sorteados. Quanto a suas apostas, revelou-me que optava por jogar naqueles que já estavam há algum tempo sem aparecer, como se os estivesse chamando.
Tive ali, no ano de 1968, sem o saber, minha primeira lição de estatística e da famosa lei dos grandes números, da probabilidade.
Aquela que diz que, depois de um número muito grande de experimentos, a probabilidade de um evento se realizar é a probabilidade de qualquer outro evento. Ou seja: a chance de cair a face três de um dado acaba a mesma de dar a face 1 ou a face 5, se você repetir a experiência milhares de vezes. No limite, de 1/6.
O que não assegura, que ao se efetuar o lançamento de um dado por 3 vezes, não seja possível que a face três surja por duas ou até mesmo três vezes...
O que é a lição mais importante da estatística em minha opinião: a de que a estatística é a melhor ferramenta para te explicar o que foi a trajetória passada de qualquer evento. Mas continua sendo incapaz de prever o futuro imediato, com exatidão.
O que a torna um excelente farol para iluminar o passado. Mas mantém a estrada à frente às escuras...
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Lembro-me dessa história porque pouco tempo depois, com a criação da Loteria Esportiva, sob os auspícios da Caixa Econômica Federal, nesse país em que são proibidos os jogos de azar, a lição do velhinho ainda era muito viva em minha memória.
Lembro-me também que com a Copa do Mundo de 1970 e a criação que surgiu sob sua inspiração da criação da revista Placar, algum tempo depois me atrevi a ligar para a redação sugerindo que eles dessem informações para cada um dos vinte seis clubes que compunham os treze jogos da cartela, destacando de cada um o resultado de seus últimos jogos.
Estava, inegavelmente, influenciado pela estatística do velhinho de São Lourenço, cujo nome acho que nunca soube ou voltei a lembrar.
Quem me atendeu do outro lado da linha me informou que essa ideia já estava sendo discutida e que, dentro em pouco, iriam fornecer as estatísticas dos jogos de cada time, inclusive com a indicação de probabilidade de algum resultado.
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Ao relatar essa passagem e esse telefonema, de forma alguma minha intenção é a de reivindicar qualquer participação ou reconhecimento por uma ideia ou sugestão que, afinal, como fui informado na ligação, já vinha sendo discutida na redação.
Aliás, a esse respeito, nunca a revista fez qualquer referência, o que serve para confirmar que o assunto já devia sim, estar sendo objeto de análise.
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Se comento esse tema, é por dois motivos. Primeiro uma homenagem a minha adolescência, ao velhinho e à agradabilíssima cidade de São Lourenço.
Em segundo lugar, para poder comentar dessa tendência que hoje infesta como praga a imprensa esportiva.
Refiro-me em especial a jornais, em que se destaca a Folha de São Paulo, com seus gráficos, estatísticas, infográficos, etc. que, com o perdão da palavra, enchem o s@#o! do leitor. Ou pelo menos o meu.
Ainda agora, por exemplo, nesses dias e horas que antecedem o jogo contra a Colômbia, os jornais estão infestados de comparações como o número de chutes de cada time, o número de acertos de chutes em direção ao gol, o número de escanteios, de cartões, de escanteios, de desarmes ou de faltas, que parecem mais falta de assunto para tratar o jogo.
Ou como diria outro, falta de um poeta da crônica esportiva como era Armando Nogueira, por exemplo, papel que Tostão tenta fazer às vezes: despertar o lirismo e a beleza poética e estética do futebol. Sua plasticidade, sua quebra total de padrões, o que o torna tão mágico e atraente. O que torna o futebol indecifrável e só faz com que seu magnetismo se amplie.
Fazendo um parênteses, há algo mais surreal que, por exemplo, a Argentina que martelou durante todo o segundo tempo de jogo, e durante 28 minutos da prorrogação - embora sem mostrar muita gana ou precisão nos chutes a gol, marcar um gol suado, sofrido e até o goleirão da Suíça abandonar o ferrolho e partir para a área adversária, tentando o gol de empate?
E pior, que outro esporte poderia trazer a emoção da bola na trave, no último lance do jogo, mandada pelo atacante suiço, em jogada que, em minha opinião ele errou o que desejava fazer?
Ou alguém poderia sequer imaginar a emoção em que estaria envolvida a prorrogação de Estados Unidos e Bélgica, depois de um jogo modorrento.
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Pois é. A imprensa, precisando vender e ocupar espaço ou criar assunto, dá hoje uma atenção desmedida a essas estatísticas, a ponto de um Afonso Alberto em seu programa aqui em BH ficar o tempo todo, do alto de sua aparência de arrogância - e da imagem de "dono da bola" que passa, mesmo sem o querer- ficar perguntando quem tem 5 Copas, como se conquistas passadas assegurassem naturalmente as vitórias futuras?
Ora o Brasil é o time com mais conquistas de Copa do Mundo. A Colômbia não tem nenhuma. A Colômbia sempre foi um time freguês do nosso. Mas e daí???
Isso significa que nós já temos a vitória assegurada?
Então, porque ficar comparando James Rodriguez, o melhor jogador da Copa até o momento, com Neymar, como se ficar identificando que ambos têm 22 anos, ou chutaram tantas ou quantas vezes a gol, ou desarmaram mais ou menos, ou são os artilheiros com 4 ou 5 gols, fizesse a diferença.
Na verdade até faz. Para explicar o passado. Não para explicar o que vem pela frente, já que incerto e escuro o futuro.
Afinal, como professor de Economia, hoje, cada vez mais continuo acreditando que a Estatística é o farol que ilumina para trás. E o futuro ainda há que ser sonhado e construído...
Um comentário:
Parabéns, PC, excelente texto. Também concordo que a estatística é luz do início do túnel e não do final.
Grande abraço,
Élcio
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