Quando o Banco Central começou a adotar uma postura mais condizente com a de uma economia estabilizada, atendendo a reclamos de várias categorias empresariais, no sentido de promover uma distensão de sua política monetária e reduzir as taxas de juros a patamares mais civilizados, foi alvo de críticas contundentes dos analistas de mercado, mais propriamente do mercado financeiro.
Tal fato não deveria ser surpresa, já que é lícito que aqueles que tenham seus interesses prejudicados e comecem a ver seus ganhos se escassearem venham a reagir, mesmo que suas perdas se revertam em benefício da maioria da sociedade.
Afinal, esse é o espírito do capitalismo, a busca da maximização de sua função utilidade, no caso do consumidor, do prazer máximo pelo consumo, mesmo que de produtos danosos ao meio ambiente, por exemplo, ou no caso de empresários, da maximização de seu lucro. Tal regra vale, claro, inclusive para o parasita social que extrai seus ganhos da atividade especulativa, que nada agrega para o aumento da capacidade e da riqueza do país.
A reação e as críticas são o famoso jus esperneandi, ou o direito de berrar se se sentir prejudicado.
Mas é preciso lembrar que a queda das taxas de juros capitaneada pela redução da taxa básica, a Selic, no país, teve início ainda na gestão de Meirelles, no período final do governo Lula, como resposta à crise internacional, que por esse e outros motivos, virou marolinha em nosso país.
Lula entregou o governo a sua sucessora com crescimento de 7,5% do PIB, em grande parte motivado por novos investimentos e maiores gastos de consumo, em função de juros menores.
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Só para lembrar, ao tomar posse na presidência do Banco Central, o ministro Tombini junto ao COPOM adotou, como primeiras medidas, uma elevação das taxas de juros, no país, em parte com a justificativa de procurar reduzir a inflação.
Foi apenas em agosto de 2011 que começou a política destinada a reduzir a SELIC a níveis mais adequados. Mas estamos antecipando as coisas.
Retornemos pois, ao tempo de Meirelles à frente do Banco Central, e da queda da Selic, mesmo que tímida, para impedir que fôssemos alcançados pelo tsunami da crise internacional.
Porque naquela oportunidade, ao mesmo tempo que reduzia a taxa de juros, o Banco Central tratava de adotar medidas de caráter prudencial, tornando mais apertadas as condições para a concessão de empréstimos pelas instituições financeiras.
Entre as medidas prudenciais, a obrigatoriedade de comprovação de capital no valor de 100% das operações de crédito concedidas, ou seja, a consideração de um risco no patamar de 100% para ponderar os ativos de crédito, exigências de provisionamento em percentuais mais elevados para operações de tesouraria como as de derivativos e swaps, etc, todas eram medidas que juntas à elevação do compulsório cobrado dos bancos, permitiriam assegurar a solidez do sistema financeiro nacional, justo no momento em que o sistema internacional se desmanchava.
Nos meios econômicos e financeiros, não foram poucos os que comentaram do sinal contraditório das medidas adotadas, já que ao tempo em que juros eram reduzidos, as medidas prudenciais elevavam o custo do financiamento para os bancos, podendo comprimir suas margens.
No entanto, enquanto a política de matiz keynesiano era adotada e começava a funcionar, o mercado era obrigado a admitir que, parte do êxito brasileiro em contornar a crise foi devido à intervenção e às medidas que o Banco Central adotava, que limitavam a capacidade de operar irresponsavelmente dos bancos.
O próprio Comitê da Basileia resolveu adotar uma postura mais intervencionista e a propor a adoção de medidas de cunho mais prudencial, para evitar que novas crises pudessem surgir no futuro, ou que tivessem a mesma intensidade.
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Quando começou a política de queda da Selic no governo Dilma, visando estimular o aumento da demanda agregada, os critérios de supervisão prudencial não foram abonados, sendo alguns deles até ao contrário, melhorados.
Razão porque melhorou a qualidade do crédito, o que se comprova com a redução das taxas de inadimplência, independente de ter se ampliado a concessão de crédito.
Entretanto, com a pressão sempre muito presente e influente dos interesses prejudicados dos setores financeiros, e a resistência à queda mostrada pelas taxas de inflação, que insistem em permanecer acima do centro ou alvo da meta, flertando sempre com o limite máximo fixado pelo sistema, o Banco Central foi obrigado a infletir sua política e começou a elevar sucessivamente a Selic.
Ora, se a economia quando estava com a Selic em queda ampliava seus controles regulamentares, e se a estabilidade das instituições financeiras do país é suficiente para assegurar a existência de capacidade para enfrentar crises, por que não reduzir PARTE APENAS das restrições à ampliação do crédito, em momento em que o crédito está mais reduzido e a inadimplência menor?
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Não há pois, em minha opinião, qualquer problema em se reduzir o compulsório nesse momento, colocando mais dinheiro em circulação, em mais uma tentativa de estimular o consumo e a demanda por investimentos, principalmente essa, voltada para as pequeno e micro empresas.
Exceto a questão a ser verificada e discutida, de o modelo baseado em estímulo ao consumo já estar chegando a seu limite, ou seja, já estar se esgotando.
Mas, do ponto de vista do mercado financeiro é no mínimo injusto, ou desonesto, vir apontar que tal medida, contrária à da elevação da taxa de juros emite sinais contrários ao mercado.
Ora, o que mudou afinal, se como comentei acima, foi assim que as coisas funcionaram nos últimos tempos?
Ao subir a taxa de juros, a que os economistas conservadores e parte a mídia que ignora o assunto, atribuem a capacidade de combater e reduzir a inflação, os preços irão cair segundo a cartilha da teoria mainstream.
Se os instrumentos para debelar a inflação já estão em funcionamento, porque a necessidade de se manter controles prudenciais tão estritos, já que a própria taxa de juros mais elevada assusta e afasta o tomador do crédito?
Importa observar que a maior ou menor quantidade de dinheiro em circulação não é o elemento fundamental para o combate à inflação, já que a teoria insiste em política de juros elevados, tão somente.
Ou o que temos é o conflito, ou trade-off, entre controle da quantidade de moeda versus controle dos juros, que se acaba fazendo com que a autoridade ao estabelecer uma das variáveis como fixa, perda a condição de controle sobre a outra. O que deveria ao menos, levar à aceitação de que nem sempre são os juros o remédio universal para a cura da inflação.
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De mais a mais, o fato de os bancos não terem a obrigação de recolherem mais compulsório nem mesmo assegura que irão criar mais operações de crédito, ampliando a quantidade de dinheiro em circulação.
Mesmo admitindo-se que o multiplicador dos meios de pagamento seja ampliado, o que supõe que outras variáveis mantiveram seus valores constantes, há que se recordar que restrição de crédito, devido a problemas de assimetria de informação, devem ser levados em consideração, como decorrência de problemas de seleção adversa (afinal a maior quantidade de dinheiro a ser emprestado, o será a juros mais altos) ou mesmo de outros tipos de riscos, como é exemplo o risco moral (moral hazard).
Ou seja, os bancos podem ter mais dinheiro para emprestarem, mas menos disposição de correrem riscos de emprestá-los, em um momento em que os bons devedores, os adimplentes, estão temerosos de tomarem mais créditos, em função de estimativas pessimistas - espalhadas pelos mesmos analistas de mercado e órgãos da midia - sobre a evolução da economia brasileira e a manutenção dos empregos e dos salários reais.
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Logo, a adoção das medidas de redução do compulsório nem é contraditória como querem fazer crer, nem haverá necessariamente elevação do crédito e do consumo, como espera o governo e as forças de oposição criticam.
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