quinta-feira, 31 de julho de 2014

Questões de educação e conhecimento: os fazeres e os seres

Rosely Sayão, psicóloga e colunista também da Folha de São Paulo (caderno Cotidiano, todas as terças feiras) tratou em sua última coluna, intitulada de Ser e Fazer, de uma questão muito interessante e contraditória, ou para usar a sua expressão, equivocada. A questão é a de que, por nossos exemplos, temos transmitido aos mais jovens a impressão de que a coisa mais importante em nossa vida é o trabalho, o que dá um destaque significativo à vida profissional e a toda a preparação que deve ser feita para permitir e assegurar a cada um a realização nessa pequena dimensão de nossa vida pessoal.
A autora não desconhece a importância do trabalho em nossa vida, seja por assegurar nossa sobrevivência, seja por permitir que por meio dele possamos interferir na vida em grupo e até obter reconhecimento social. Entretanto, assinala que é por nossa vida pessoal, conceito de maior amplitude, que estamos em condições de realizar nosso potencial produtivo e não o contrário, o que pode ser ilustrado pelo fato de algumas pessoas poderem passar certo período de tempo sem exercer uma atividade profissional, e ainda assim, conseguirem suportar o lapso de tempo até que nova atividade remunerada seja encontrada, em razão de continuarem dando curso a sua vida pessoal.
Segundo ela, a vida profissional, equiparado ao fazer, por mais importante que seja, não pode se sobrepor ao Ser, identificado a nossa vida pessoal.
Em sua argumentação trata de várias situações de pessoas que, já formadas e no exercício de uma profissão, acabam descobrindo novas áreas de interesse, novos campos de atuação que as leva a mudar o rumo de seus fazeres, e permite que se realizem de forma mais completa como seres humanos. Afinal, como ela coloca, cada profissão pode ser exercida em uma variedade muito grande de campos e o que devemos ter sempre em mente é que a escolha do curso universitário, por exemplo, ou de uma formação qualquer voltada para o trabalho, não pode restringir a vida profissional, senão ampliá-la.
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No caso de Rosely, mais preocupada em cuidar de problemas dos jovens e de suas escolhas, principalmente aquelas relativas a que curso fazer, para que curso prestar vestibular e se preparar, a abordagem que amplia e não restringe as escolhas, a abordagem que permite aos jovens perceberem que a escolha de uma profissão não pode ser considerada uma camisa de força, etc. além de valorizar mais o que cada um é em essência que aquilo que faz ou poderia vir a fazer, tiraria dos ombros de cada um deles uma grande responsabilidade, causadora de tensão e angústia.
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Na mesma direção, mas em outro contexto, assisti ontem a palestra promovida pelo prof. Dr. Renato Janine Ribeiro, da USP, em que uma das questões por ele abordadas foi a da inclusão social, especialmente aquela de raiz, ou seja a inclusão pela educação, diferente da inclusão importante, mas efêmera pelo consumo.
Chamo de raiz, porque concordo com ele que a educação, ao contrário dos demais bens de consumo, é aquilo que ninguém pode nunca mais nos tirar, uma vez obtida.
Aliás, esse sempre foi meu discurso, em relação ao comportamento frente a um assalto e à reação que muitos que já experimentaram essa situação alegam ter de impotência, de pequenez, por ter seus valores tão arduamente conquistados retirados de sua posse.
Sempre afirmei, mesmo que apenas por uma questão de marcar posição, que desde que me levassem os bens materiais, não me sentiria afetada, já que esses, com meu trabalho e conhecimento e preparo, seria capaz de obter novamente. Não poderiam, entretanto, levar de mim, aquilo que sou, meu cérebro, meu corpo, meu espírito.
Mas, Janine Ribeiro, em certo momento tratava exatamente do fato de que estamos em salas de aulas - a palestra era para o grupo de professores dos cursos superiores do Centro Universitário UNA - formando e treinando, muitas vezes, profissionais, quando o curso superior deveria ter como preocupação maior, formar pessoas de forma inteira e ética. Ou seja, estamos preocupados em formar pessoas para se engajarem no mercado de trabalho, para aprenderem rotinas e fórmulas de solução de problemas, quando o ensino universitário, UNIVERSAL no sentido de abrangente da formação humana, deveria se preocupar em colocar e apresentar problemas, não soluções.
Afinal, as soluções mudam com o tempo, as técnicas e ferramentas evoluem, e o conteúdo de nosso aprendizado caduca, fica obsoleto. Razão porque não há mais a formação, se é que já houve em algum instante do tempo, que ao término, apresenta o profissional pronto e acabado.
Na verdade, como é comum, ou era, em alguns sites que estão passando por mudanças, estamos em permanente construção. 
E mesmo aqueles que, em algum momento aprenderam e tiveram a oportunidade de dominarem técnicas, como foi citado pelo palestrante, da máquina fotográfica analógica, tornando-se os profissionais mais gabaritados de fotografia, perderam completamente o sentido e o espaço, tão logo tenha sido desenvolvida a máquina digital. 
O que exige, de cada profissional, um constante reconhecimento socrático de que só sabem que não sabem mais nada. Situação que exige de cada um, uma disponibilidade e abertura para um eterno recomeçar. 
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Trato dessas questões, aqui, porque sempre foi minha preocupação deixar claro para meus alunos, que eles não devem se preocupar em saber as fórmulas certas e ideais para conquistar empregos e colocações, mas em identificar as situações que vivem, os problemas que os cercam e analisar suas causas, para discutirem soluções. Cientes de que nem sempre terão as soluções corretas ou as melhores, o que apenas irá contribuir com o aprendizado de cada um deles. Cada solução tentada e frustrada, aponta sempre uma falha, mas também aponta um avanço, ao menos para os que reconhecendo suas limitações e falhas, empenham-se ainda mais para continuar buscando outras soluções mais completas.
Nesse sentido, aprendendo com os erros é que acredito que nós seres humanos, somos material em permanente evolução, que se faz sim, em grande parte das vezes, por tentativa e erro. Desde que os erros sejam absorvidos e deles possamos extrair lições. 
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Por isso que, às vezes, sinto-me frustrado, em saber que os saberes codificados, obrigam-nos a apresentar conceitos e modelos, sem os quais os alunos não seriam capazes de serem reconhecidos como aptos a enfrentarem o mundo e fazerem seus ofícios. Porque essa apresentação, por mais que seja feita de forma cada vez mais criativa, com os recursos tecnológicos cada vez maiores de que dispomos, na verdade corre o risco de virar apenas uma nova forma de dourar a pílula, ou uma forma inovadora de apresentar o velho conteúdo que, dos alunos, não exige uma reflexão mais elaborada, uma dosa maior de imaginação, senão o velho hábito de ouvir, gravar ou decorar, e aplicar, alguns com êxito, outros com algum desconforto. Mas poucos cientes de que estão fazendo algo que vale realmente a pena. 

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