sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Chega ao fim a campanha e o Brasil que já estava, segue dividido. Sem negar, é hora de reconhecer a divisão e procurar o entendimento

Nesta sexta-feira que é o último dia que antecede as eleições que definirão os rumos do país nos próximos quatro anos, e que marca também o último debate entre os candidatos à presidência Dilma e Aécio, acho importante tecer algumas considerações sobre todo esse período eleitoral que vai se encerrando.
Começo minhas reflexões reforçando minha visão de que o país CHEGOU já profundamente dividido ao ano eleitoral de 2014 e às eleições que acontecem nesse domingo, dia 26. Ele NÃO SAI dividido, nem por força da baixaria que dominou a campanha, nem por força do discurso ou da virulência que, a partir de certo instante, os candidatos passaram a imprimir a suas participações.
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Em minha avaliação foi o povo que chegou bastante dividido ao processo eleitoral e, foi por terem percebido essa fissura evidente que os marqueteiros de plantão planejaram as campanhas de seus produtos-candidatos, não o contrário.
Afinal, não podemos ignorar ou desconhecer que já de há muito circulavam pelas redes sociais textos, artigos, comentários que se destacavam por serem carregados de sentimentos de raiva, rancor, repletos de acusações e inverdades.
Não raro, as postagens mais impregnadas dessas características eram de pessoas que, pertencendo ao que se convencionou chamar de classe média, pronunciavam-se, ora contra o peso excessivo da carga de impostos que os sufocava, ora da aceleração dos preços nas gôndolas dos supermercados, ora de notícias de malfeitos e corrupção que volta e meia eram descobertos e vinham à luz.
Parece-me que ocupando o centro de toda essa indignação difusa, o caso do mensalão, o julgamento transformado mais em espetáculo que em um exemplo de rigor da aplicação da legislação e da punição aos culpados.
Certo que os culpados foram punidos. Certo que, como nunca antes na história desse país, gente graúda foi parar atrás das grades. Mas a transformação de todo esse processo em show, permitindo atuação histriônica até de alguns personagens que deveriam manter postura mais compatível com a liturgia da posição que ocupavam e até do momento, foi o rastilho que incendiou reações passionais por toda parte.
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Só que, em minha opinião, essa classe média que se mostrava tão indignada não tinha motivos para o comportamento que adotava. Não pelas razões que manifestava ao menos.
Porque na maior parte das vezes eram aqueles que haviam sido contemplados por exemplo, pela política de tarifas de energia elétrica mais baratas, do consumo de suas residências. Na sua ampla maioria, proprietários de automóveis, foram as pessoas que se beneficiaram do preço contido dos combustíveis nas bombas dos postos de gasolina.
Na saúde, foram aqueles que sempre puderam contar com a facilidade e a vantagem dos planos de saúde, de que há mais de 20 anos utilizam e não abrem mão, por conhecerem as agruras de toda a população que tem de recorrer ao SUS.
E ainda na questão dos planos de saúde foram os que assistiram a uma série de decisões adotadas pela agência reguladora de tais planos, todas destinadas a assegurarem maior e mais ampla cobertura aos planos já contratados, impedindo que as prestadoras de serviços abusassem do privilégio de estarem tratando de produtos que, quando necessários sempre encontram os usuários em condições menos favoráveis.
Ora, na mesma ocasião, os remédios da farmácia popular e uma série de outros tratamentos passaram a ser assegurados pelos órgãos oficiais e, embora a qualidade tenha sempre deixado a desejar, o certo é que a garantia de acesso sempre os beneficiou, se necessário.
Na educação, grande parte das famílias puderam ver seus filhos aproveitando-se de financiamentos a juros subsidiados, e para os estudantes das áreas de engenharias, ou físicas, há que se recordar que houve grande apoio ao intercâmbio cultural tão cobrado, e possibilitado pelo programa Ciência sem Fronteiras.
Vários filhos de amigos tiveram a oportunidade que não tivemos, nós os pais, de irem fazer períodos de estágio e cursos no exterior. Seguramente, não se tratavam dos filhos das classes menos favorecidas que utilizavam-se do programa do financiamento estudantil, mas não podiam deixar os seus empregos e ocupações, de onde obtinham o sagrado dinheirinho que não podia faltar em casa.
Bem diferente da nossa classe média, cujos filhos aproveitaram-se para viajar e, assim, poderem ampliar seus horizontes.
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Então, se tais benefícios eram criados e deles se aproveitavam a classe média, como essa parcela da população poderia estar fazendo as críticas todas que fazia, do descontrole dos preços (eles que contavam com subsídios nas tarifas de energia e combustíveis)? Como podiam falar mal da qualidade da saúde, se usavam planos de saúde privados? Como podiam falar mal da educação, com os filhos aproveitando para fazer estudos e até turismo e lazer no exterior? Como poderiam criticar a corrupção se grande parte dessas pessoas tinham sua fonte de renda proveniente, senão diretamente dos órgãos envolvidos, ao menos de forma indireta de relações comerciais com as empresas que participaram dos crimes todos citados e levantados ou descobertos, só que na parte do lado de lá do balcão: o dos corruptores?
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A verdade, em minha avaliação, é que todos passaram a perceber os benefícios criados ou, na maior parte das vezes, expandido pelos governos do PT, e talvez por força de uma reação natural de quem se sente prejudicado, porque "na minha época não era assim", porque "hoje ficou tudo mais fácil", porque hoje "qualquer um pode", porque "eu tive que ralar muito para obter, contra tudo e contra todos, tudo isso que as pessoas hoje têm de mão beijada, sem esforço" passaram a atacar as políticas do governo que favoreciam aos "outros".
Muitos nem se deram conta de que eram eles os favorecidos, talvez até pela maior visibilidade dos programas que, corretamente o governo desenvolvia e implantava, de bolsas e assistência aos excluídos e que geraram as discussões das cotas, por exemplo. Claro que, atingindo um número de pessoas muito maior, vítimas até aquele momento da muito maior e mais discriminatória divisão de nossa sociedade, datada de tempos que remetiam ainda à nossa própria colonização, o governo fez maior divulgação e maior campanha de propaganda para a melhoria das condições de vida e o resgate da dignidade e cidadania dos que, aos olhos das tais classes médias tinham que ser auxiliados, por já estarem acostumados a esse tipo de situação.
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Ou seja, a classe média que acusava os programas sociais do governo, raciocinavam como aquele que não se dá por satisfeito por ter tido algum benefício, mesmo que tenha tido um grande benefício. Mas fica contra porque seu vizinho, seu conhecido obteve ainda mais vantagens.
Nem considera que o pequeno ganho que obteve, digamos 10% de vantagens, supera em muito os 200% ou 500% de benefícios direcionados ao menos favorecido, até em termos absolutos, uma vez que 10% sobre uma base maior, necessariamente é mais que 200% de nada ou de muito pouco.
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Mas, o fato de que algumas categorias estavam ganhando mais, foi explorada por todos quanto acham que o valor dos gastos com demandas sociais não poderia ter tanto apoio e atenção, simplesmente por tirarem a previsibilidade de seus negócios, ou levarem à uma elevação perigosa dos gastos públicos, perigosa por poder colocar em risco o pagamento dos juros de seus créditos.
Ou seja, os detentores do grande capital, e beneficiários últimos das políticas de cunho conservador que eram cobrados ao governo e que serviam de material à crítica, esses em conluio com seus associados, vinculados à grande midia foram os que criaram os argumentos contrários aos pacotes de bondades do governo. Foram eles que disseminaram as mentiras da perda de controle da política econômica, da volta do fantasma da inflação e outras, que levaram a massa da população a criarem o medo.
Disso se aproveitou aquela parte que, por ter perdido privilégios ou ter visto uma redução cada vez mais perceptível de diferença no acesso a tais privilégios, passou a manifestar-se também contra o governo.
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E tudo isso acontecia já antes das eleições. No mínimo, desde o meio do ano passado, em que movimentações de rua, no início por vinte centavos de aumento no preço das passagens de transporte coletivo foram tratados com violência ímpar da polícia militar, que foi o fato que fez explodir a insatisfação popular para outras regiões e cidades do país.
Daí, aproveitando-se da confusão que se instalou, vários interesses começaram a tirar proveito das manifestações, algumas delas, infiltradas nesse movimento de rua, de caráter popular, para por mais combustível na fogueira das críticas ao governo e a políticas que tinham outros alvos de interesse.
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Não foram poucos os que reclamaram dos navios de cruzeiros lotados, das estradas e ruas de nossas cidades cheias de automóveis, dos aeroportos abarrotados de farofeiros, ocupando o lugar antes destinado ao desfile das famílias de bem nascidos e elegantes e mais cultos.
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Chegando a tal situação a divisão de nosso país, é natural que tudo isso fosse explorado pelo marketing das campanhas, mesmo que obrigando um partido, como o PSDB, de tradição social democrata ou centrista, a adotar postura e encampar reivindicações da direita, até mesmo a mais raivosa.
Sobrando ao PT, a opção de se bandear todo para os interesses ditos mais populares, mesmo que sua prática no poder possa revelar que o PT já não seja mais tão vermelho ou popular como o foi em sua origem
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Talvez por isso, vários analistas chegam/têm chegado à conclusão de que os embates tenham se tornado mais duros, mais agressivos. Simplesmente pelo fato de que as distinções entre partidos e candidatos sejam mais oportunistas, de localização temporária no xadrez eleitoral que de fundo. Menos de conteúdo e mais de forma de transformação da discussão em espetáculo.
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Deixei de fora em minha análise a questão da segurança, cada vez mais debatida e usada como principal argumento muitas vezes.
É que a segurança pública não é questão relativa à esfera administrativa da União. Diz respeito mais à questão das instâncias subnacionais, basicamente Estados.
Claro que a União, sendo a cabeça da Federação poderia dar o pontapé inicial em uma discussão que envolvesse a todos os estados, para que problemas fossem debatidos e soluções encontradas. Mas não cabe a essa instância, nem ao presidente da República implantar qualquer ação nesse sentido.
Daí que, a questão da segurança ter ficado de fora, embora seja a preocupação maior de grande parte de nossa população.
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Mas até nessa questão, devemos encarar que a violência tem agido muito mais discricionariamente, batendo, matando, atacando preferencialmente, jovens, negros, de periferia.
O que ajuda a entender a reação de alguns desses elementos escolhidos para serem vítimas do sistema de repressão policial e sua recusa de desempenharem o papel que lhe foi atribuído nessa representação.
Eles apenas reagem, se mal ou agressiva ou violentamente, eles apenas mostram que nossas mazelas sociais são mais profundas e mantidas sob um disfarce que não pode continuar existindo.
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Bem, que essa divisão que não vai acabar a partir da próxima segunda, dia 27 de outubro, não seja esquecida, encostada em algum canto de nossa vida, para que possa ser brandida dentro de mais quatro anos.
Que possa servir para que o país tenha condições de, vitoriosos e derrotados sentados em torno da mesa de discussão, permitir à sociedade debater os problemas, os interesses, as prováveis soluções ou os pontos de consenso, e de acordo para que possamos construir uma sociedade mais justa e tolerante.
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Quanto ao debate de hoje, acredito que nada irá servir para alterar o quadro da disputa, com os candidatos, especialmente Dilma, adotando uma postura mais tranquila e propositiva. Para não alimentarem o ódio e rancor e as divisões que, qualquer que seja o eleito, deixarão marcas profundas e devem, ser evitadas, mesmo que reconhecidas.


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