Há um ano atrás, uma parcela significativa da população invadiu as ruas em protesto contra a situação política e econômica e social do país.
Entre várias reivindicações, destacava-se aquela que deu origem ao movimento, o cancelamento do aumento concedido ao transporte público, em São Paulo, no valor de 20 centavos.
Acoplada a essa exigência, veio outra logo em seguida, e relativa ainda à questão do transporte público, expressa na demanda do transporte gratuito.
Por falta de uma leitura e uma interpretação mais atenta e mais cuidadosa do movimento popular, a reação em um primeiro momento foi reprimida com violência por parte da polícia militar do governo Alckmin, que contou ainda com a passividade do prefeito do PT, Fernando Haddad.
A reação policial descontrolada acabou servindo como um rastilho de pólvora alastrando as manifestações para outras capitais e estados, agora já com um número maior de demandas populares.
Como estávamos em plena realização da Copa das Confederações, evento umbilicalmente ligado à realização da Copa do Mundo, valendo-se do evento e da ingerência e benefícios obtidos pela FIFA junto às nossas autoridades constituídas, as manifestações passaram a exigir mais mudanças, não apenas na área do transporte público, mas na área da prestação dos serviços públicos em geral.
Saúde e Educação foram então transformados em novas bandeiras, embora não exclusivas. E um lema passou a estar colado a toda a gama de reivindicações: a exigência de serviços de qualidade com o PADRÃO FIFA.
Aproveitando-se do movimento popular e sem lideranças que o capitalizassem as passeatas passaram a dar espaço à ação de grupos de vândalos, marginais que provocavam arrastões, e outro tipo de ação de grupos mais violentos, esses últimos mais interessados em atacarem e promoverem quebradeiras em lojas comerciais e estabelecimentos bancários.
Apavorada e perdida em meio ao avanço de atos de violência uma parcela mais acomodada da população ficou sem saber a quem prestar seu apoio, o que contribuiu, por um lado para isolar os agressores, identificados como black blocks, e de outro ir fazendo o movimento ficar mais bem comportado, perdendo seu ímpeto inicial.
Nesse meio tempo, as autoridades, com interferência do Planalto, acabou por anular o aumento das passagens dos coletivos e, talvez por medo de que as manifestações pudessem provocar problemas para a própria realização da Copa do Mundo,
E assim, até agora, sem ficar muito claro se intencionalmente ou por erro de estratégia, Dilma assumiu a responsabilidade e a liderança da reação oficial contra a manifestação do povo.
E foi Dilma quem saiu na frente tratando de questões como a necessidade de se proceder a uma reforma política, propondo, inclusive a realização de um plebiscito; propondo a vinda de médicos do exterior para tentar resolver, em parte, a ausência desses profissionais no interior do país, o que a fez lançar o programa Mais Médicos e a tratar com mais atenção de questões ligadas à formação e qualificação de nossa força de trabalho, especialmente os mais jovens, através de maior atenção a programas como o PRONATEC.
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Pois bem. Passado um ano daquelas manifestações de junho de 2013, o desejo por mudanças, expresso nas ruas, embora um sentimento difuso, é sempre um dos principais elementos das análises que vêm sendo feitas para explicar e entender o resultado das urnas.
Assim é que durante um bom tempo, alguns analistas e comentaristas atribuíram a subida de Marina nas pesquisas de intenção de voto, como sendo decorrência de a ex-senadora ser identificada por alguns eleitores como a candidata mais capaz de levar adiante as mudanças tão desejadas.
Não apenas por seu discurso, enfocando uma pretensa forma nova de fazer política, mas por Marina ser considerada uma outsider, por força de vender também uma imagem de quem não deixa seus interesses e princípios sucumbirem aos interesses maiores do partido a que se vincula.
Além disso, Marina soube capitalizar o fato de sua Rede de Sustentabilidade não ter sido autorizada a participar formalmente do jogo político, o que já a coloca sempre ao lado dos que não estão satisfeitos com o quadro político atual.
Mas, Marina não conseguiu manter viva essa impressão de que seria capaz de patrocinar as mudanças desejadas pelo eleitor. E pior, demonstrou fragilidade, não apenas no sentido de que lhe faltavam apoio e quadros para assumir a tarefa de capitanear essas propostas de mudança, como no sentido de que começou a demonstrar que ela mesma era detentora de uma mentalidade conservadora, o que foi percebido pela população que lhe cassou a representação pretendida.
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Para outros comentaristas, embora estranha, a preferência do eleitorado por Dilma era interpretada como sendo devida a um raciocínio de que as mudanças poderão ser realizadas sob o comando da presidenta, com a vantagem de não serem nada extravagantes. No fundo, tais mudanças apenas seguirão a trilha já antecipada pelas medidas adotadas pela presidenta, logo ao término das manifestações de junho.
Logo, as mudanças irão ter sequência, mas a um ritmo que não será capaz de trazer quaisquer rupturas sociais, essas sim, mais temidas.
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Se essa análise está correta, então, a conclusão a que chegamos e que fica para nosso comentário final é que Aécio é sim, o candidato que representa e expressa esse sentimento de mudança.
Ocorre que o fato de ser o homem da mudança não faz e nem pode fazer do tucano o portador da esperança ou símbolo de um novo e modo de vida, mais digno, igual e solidário.
Porque Aécio representa a mudança para o passado. Para o atraso. Para a retomada do projeto que o PSDB tem e defende, e que teve sua implantação interrompida em 2002.
Aécio representa não a mudança possível mas a que vai tornar a vida das classes menos favorecidas completamente impossível, já que está cercado de pessoas cuja experiência de vida e carreira, que todos reconhecem como exitosa, é vinculada a modelos de sociedade de plena liberdade para a atuação do capital.
E nem se trata do capital produtivo, que gera emprego e produção e renda, que precisa de vender seus produtos e, portanto, depende da demanda seja da população seja do governo. Capital cujos donos, industriais ou comerciantes, do campo ou das cidades que precisa de estímulos para enfrentar as vicissitudes de uma atividade econômica eivada de riscos e incerteza. E que, por esse motivo, embora não devam depender do Estado e de seus tentáculos, não podem ser tratados como se, no caso de necessidade temporária, não teriam qualquer ajuda do governo, de forma a superar momentos mais agudos de crise.
Aécio, representa os interesses do capital rentista, financeiro, das finanças liberalizadas e do rentismo. Desse ponto de vista muito mais tecnológico e mais sofisticado, já que se utiliza dos avanços da técnica para dar curso a suas preocupações maiores, que são apenas com a obtenção de ganhos especulativos, levando a escala global a velha máxima de comprar barato para vender caro.
E para isso, condenando ao sucateamento as velhas práticas capitalistas e todo o seu entorno, em especial a mão de obra.
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Uma condição para que esse novo capitalismo possa ganhar mais espaço e poder é que as finanças públicas estejam equacionadas e que os títulos da dívida pública, principal ativo financeiro a servir de lastro para a financeirização e a aplicação especulativa, possa estar à disposição desses capitais, assegurando-lhes a valorização de sua riqueza fictícia.
Para isso, fundamental é a denominada disciplina fiscal. A geração de superávits primários que servem tanto para permitir controlar a inflação, o que lhes assegura apoio popular e elogios mas, principalmente, ganhos reais positivos, acima da inflação, apesar de taxas de juros em queda, já que tais capitais vivem menos dos rendimentos e mais da ciranda de compras e vendas que títulos seguros lhes permitem realizar. Ganhos nos mercados de capital mais que na produção.
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Por isso, e não porque o PT irá jogar com o ódio contra o PSDB, nesse segundo turno, a campanha de Dilma deverá criticar a proposta de Aécio. Porque para conquistar os resultados de superávit requeridos, será necessária uma grande contenção de gastos fiscais, recaindo o principal ônus, sobre aqueles menos favorecidos, os funcionários públicos que vivem de vencimentos - sujeitos a serem congelados; os setores sociais menos favorecidos pela sorte que verão cortes nos programas de assistência social; o sistema de Previdência pública que irá aproveitar para tentar por um fim a seu propalado déficit, até que, por falta de informação e esclarecimentos, o regime de solidariedade seja considerado por toda a população prejudicada como o grande vilão, dando lugar à criação e fortalecimento de um sistema de capitalização individual, sob a gestão das grandes instituições financeiras.
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Mudanças existem várias.
Sem dúvida Aécio representa a mudança, em relação a uma série de problemas e desmandos dos governos petistas.
Mas a mudança que Aécio representa é a pior de todas. Tão ruim, que já representaria um grande avanço se nós não fizéssemos nada que o candidato está se propondo a realizar.
De minha parte, melhor é a população procurar se informar melhor e não votar nesse projeto que nos remete de volta para o passado: sem inflação, sim, mas onde apenas os ricos tinham conquistas.
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Nesse dia 7 de outubro, completamos quatro anos de blog.
A todos que têm nos lido e acompanhado por todo esse tempo, nossos agradecimentos.
Vocês são a razão da insistência minha de continuar fazendo comentários e dando pitacos no que considero importante para todos nós.
Obrigado.
2 comentários:
Perfeito caro PC. Texto brilhante como todos os outros. Concordo com tudo. Este rapaz prega o atraso e o fortalecimento da especulação financeira, a começar de seu mentor Arminio Fraga, que passou toda a vida especulando e ganhando muito com a especulação.
Parabéns pelo Blog, cada dia melhor.
Élcio
Parabéns pelos 4 anos de blog professor. Que continue compartilhando seus pitacos conosco. Deixo aqui meu respeito e adimiração por seus posicionamentos, sempre bem embasados. Continue por muito tempo a enriquecer o conhecimento deste(s) pobre(s) aluno(s).
Grande abraço.
André Soares
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