terça-feira, 28 de outubro de 2014

Segundo turno e o engodo do povo soberano. Só que não.

Curiosa essa eleição de segundo turno, idealizada para permitir ao eleitorado se debruçar sobre as propostas de governo apresentadas pelos candidatos mais votados em primeiro escrutínio, para analisá-las e, finalmente, decidir por aquela julgada mais adequada ao país.
Desta forma, assegura-se a formação de um consenso em torno de um candidato, visando conferir-lhe legitimidade para implantar seu programa de governo, aceito pela maioria.
Da dispersão de diagnósticos, interesses atendidos e propostas iniciais, elaboradas pelos vários partidos em disputa, avança-se, assim, para um afunilamento das propostas, permitindo que haja espaço para uma negociação e que a proposta original possa ser complementada por melhorias e novas ideias, capazes de ampliarem os interesses atendidos. Daí, selados os acordos entre as facções políticas que apresentem alguma afinidade, chega-se a uma solução de compromisso que, vitoriosa, será a linha mestra das ações do governo.
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Em minha opinião, deveria ser assim, caso cada partido, independente do número de agremiações, fosse obrigada a apresentar ao público um documento que trouxesse sua visão de país e de mundo; a identificação das questões problemas principais presentes em sua agenda; as diretrizes e ações prioritárias a serem atacadas e, mesmo que não descendo a um nível de detalhamento excessivo, uma indicação das medidas imediatas a serem adotadas para dar início a seu governo.
Isso exigiria dos partidos mais compromisso com seu programa de governo, seu matiz ideológico, seus afiliados e simpatizantes e seus eleitores, dando oportunidade para a captura até de não simpatizantes cujos interesses poderiam ter sido privilegiados pontualmente.
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Mas nossa legislação eleitoral não dá conta nem mesmo de punir o candidato que, eleito por um partido, usado como sigla de aluguel, depois vira a casaca, no famoso jogo de acomodação de interesses que caracteriza nossa realidade política.
Dessa forma, não obriga a apresentação e nem a existência de um mínimo de compromisso com o cumprimento, no mínimo das linhas gerais de seu programa. Também não permite que seja discutida e adotada pelos representantes do povo medidas destinadas a destituírem o governo eleito por descumprimento de suas propostas.
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Tudo bem, não estamos no parlamentarismo onde o voto de rejeição acaba levando à queda do gabinete. Estamos em um tipo de democracia em que o Executivo exerce um mandato imperial. Como já foi falado, a configuração de uma ditadura temporária. Com a reeleição, uma ditadura de oito anos.
Mas, tal como o sistema de metas inflacionárias exige que o governo, não cumprindo a meta prometida à sociedade, deva se justificar e, caso essa justificativa não seja acatada pode trazer punições, um esquema semelhante deveria ser pensado para funcionar para o próprio chefe do Executivo. Descumpriu seu plano e não apresentou justificativas válidas, seria instaurado um processo não de crime de responsabilidade, por não se tratar de ações ilícitas, mas destinada a levá-lo a se afastar do governo, por quebra de confiança.
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Sei que isso que estou pensando é utopia. E, dado o comportamento de nossa classe política e de nossa representação congressual, apenas daria margem para se ampliarem as negociatas, a chantagem, as trocas de favores e benefícios escusos.
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Mas, não sendo assim que funciona nosso sistema eleitoral, o segundo turno em nosso país (e não tenho condições de avaliar se apenas em nosso país ou se também em outros) acaba transformando-se em um grande plebiscito.
Vota-se não no que acreditamos ser o melhor. Votamos no menos pior. Não votamos em propostas e ideias. Votamos na não proposta.
Não concordo e não concordava com o que o PSDB representa; com os interesses que legitimamente representava e que, claro, devem ser representados sempre, mesmo que com eles não concordemos. Não achava que os interesses que estavam por trás, ou apoiando o candidato e especialmente aquele que foi indicado para ministro da Fazenda eram os que seriam os melhores para o Brasil que em meus sonhos ou delírios vejo construído.
Por isso, votei no outro. No caso, na outra.
Isso não significa que seja mais ou menos ignorante, mais ou menos responsável, mais ou menos conivente; não significa que seja corrupto, aqui não admitindo qualquer gradação; não significa que esteja ou estivesse me locupletando ou mamando nas tetas do governo ou tendo benesses, etc. etc.
Minha proposta e meu voto no primeiro turno foram outros. Em outra direção.
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Particularmente, acho PSDB e PT muito iguais. Muito semelhantes. Aliás, não apenas eu. Lembro-me da época que Lula e FHC, antes de a conquista do poder se transformar em uma briguinha que parece, às vezes, disputa de dois meninos ou dois egos super-inflados, discutirem a possibilidade de unir os dois partidos, tamanha as semelhanças entre eles.
Mas, não via no capital financeiro internacional, todo apoiando Aécio e Armínio, o parceiro ideal para nossa nação.
Testemunhei o que esse capital fez com a Islândia, com países da Europa, pude acompanhar os desdobramentos da especulação e crise nos Estados Unidos, e agora, como todo o mundo se debate para voltar a crescer.
Vi o que o capital especulativo fez com a população mais pobre dos Estados Unidos, empobrecendo-a ainda mais. E acho que no Brasil, ainda temos de criar para a grande maioria da população o mesmo padrão de vida que nos países mais avançados do mundo as populações aproveitavam nos anos 60 e 70.
Um mínimo de estado do bem estar tem de ser assegurado para nossa população, antes que possamos começar a deixar o capital fazer também aqui os estragos que fez no resto do mundo. E continua fazendo.
Basta ver o filme Inside Job. (em português Trabalho Interno, disponível no Youtube) laureado com o Oscar para documentário, para perceber do que estou falando.
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Caro amigo Tarcísio, colega de trabalho, não sou petista. Nunca fui. Acho que pela primeira vez votei no PT. Com certeza foi a primeira vez que votei em Dilma. A presidenta que você sabe como eu, como negocia, por exemplo, salários dos funcionários públicos. Negociação do tipo ou aceita assim ou assim aceita.
Não vou tratar de desmandos e roubalheiras e corrupção. Tivemos a oportunidade de ver, acontecendo ao nosso lado, caso de punições de colegas até então de reputação ilibada. E nenhum de nós sabia...
Ambos concordamos que há a necessidade de se punir todos os corruptos e mandá-los para a cadeia. Mas que nem isso vai impedir de que a corrupção e os corruptores e corrompidos continuem existindo. E nem é só na base do enriquecimento material que os prêmios são liquidados.
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Minha postagem ontem teve uma chamada em que eu falava do povo soberano, essa ficção.
Povo dependente não pode ser soberano.
Ora, todo assalariado no sistema em que vivemos não pode ser soberano, já que a sua única e exclusiva propriedade não pode ser posta para trabalhar PARA ELE. De render para ele, enquanto ele curte o ócio e o lazer.
O proprietário de trabalho apenas pode trabalhar. Não lhe sobrando tempo para mais nada.
Ah! nem nos esqueçamos que além de trabalhar, ele não pode trabalhar e produzir quando quiser. Ele depende da vontade dos outros, donos de terras e capital, para poder assegurar sua simples sobrevivência e a de seus filhos.
Tem vagabundos na sociedade. Claro que eles existem. E nem estou me referindo aos que não trabalham porque sua terra rende aluguel, ou suas máquinas geram riqueza. Se as máquinas gerassem mesmo só riquezas, nem seria possível ficar contrário a elas.
Ninguém é contra máquinas ou a existência de instrumentos do trabalho.
Eu acho que é injusto é a falta de oportunidade e de acesso a tais máquinas.
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Então, que povo soberano é esse, que tanta gente estranhou?
Povo soberano é o que tem sonhos e ainda quer lutar. Que acredita. Que acha que pode construir seu futuro, promovendo as mudanças necessárias e começando pelas mudanças de seu próprio modo de pensar e de se comportar.
Povo soberano foi uma expressão para poder dizer: olha, já passou a eleição e toda a baixaria que ela nos permitiu acompanhar, nessa que foi uma das eleições mais bizarras do nosso país, tamanha a baixaria e nível de agressão. Essa campanha mais despolitiza. Ou não? Estávamos discutindo autonomia do Banco Central nas praças, ruas e botecos?
Tudo bem, se todos que discutiam soubessem o que é um banco central e seu papel e funções.
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Povo soberano como diz o professor Galbraith em "A Economia e o Interesse Público" é como o consumidor soberano. Aquele que a teoria econômica insiste em apresentar como o que toma as decisões no mercado de que bens irá desejar e quais devem ser produzidos. Isso porque, segundo o professor, os bens são importantes. E o pensamento dominante mostra que já que os bens além de importantes são escassos, as empresas devem tentar descobrir, prever, e atender ao consumidor, produzindo o que ele deseja.
Não sendo inocente útil, o professor lembra que as empresas são grandes e têm poder. E, por óbvio, devem procurar atender também a seus interesses. Ou só a eles. E, por isso, adotam a estratégia mais antiga do exercício do poder: sua negação.
Assim, vendem a ideia de que o consumidor, que tratam como massa de manobra é o soberano no LIVRE MERCADO pelo qual muitos, esses sim, inocentes, ainda lutam.
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O povo não é soberano, mas a maioria deve ser respeitada. Sem que tentativas de golpe possam ser articuladas, porque não devem ser sequer toleradas.
Se a democracia é ruim, ainda não inventaram nada melhor.
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Volto aos interesses do capital financeiro que Armínio representava, junto a Aécio.
Não há qualquer possibilidade de que parem os fluxos de capital para nosso país. Ainda ontem, os dados mostravam que de nossa dívida de 2,1 trilhões, aproximadamente, 28 % dos títulos estavam em poder dos bancos e instituições financeiras (em queda, é verdade). Mais de 20% estavam na mão dos fundos de investimento, também em declínio a participação.
Mas aumentou e já estava em 19% a participação dos capitais externos no total de títulos da dívida brasileira.
Quanto a isso, podemos ficar descansados, o capital vai atrás não da bandeira vermelha do PT ou azul dos tucanos. Vai atrás de lucros. E aqui no Brasil, com os juros que pagamos, vale a pena o risco. Que não é tão grande assim, até por força da forte regulação exercida, na área financeira pelo Banco Central.
A dívida pública aumentou pouco, em comparação com agosto, mas sua comparação com o PIB não dá demonstrações de ter saído de controle. É preciso estar atento a ela e a seu comportamento, para evitar que os déficits primários continuem acontecendo. Mas, tais déficits ainda não estão fora de controle.
Por mais que assim o digam os economistas mais conservadores.
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E, de mais a mais, para terminar essa nota que já vai ficando demasiadamente longa: Samuel Pessôa, do Insper e que integrava a equipe de Aécio; e o professor da UFMG, de Ciências Políticas, Leonardo Avritzer, em excelente análise para o portal UOL de ontem, mostram que toda essa estrutura de estado do  bem estar, entendido aqui os programas de bolsa dos governos petistas, foram criados não pelos partidos que disputam sua paternidade.
Esses benefícios foram criados com a Constituição de 88, e constituem, não benesses para a população, mas obrigação constitucional dos governos de os proporcionarem.
Não são do PT ou do PSDB. São nossos, da sociedade brasileira (nem organizada, nem soberana).
Os partidos podem brigar para ver quem fez os programas mais focados (PSDB) ou mais abrangentes, mais universais, mais inclusivos para o povo.
Mas é preciso dar destaque, muito destaque a esse fato: não há nesses programas nenhuma vontade de transformar-se nosso pais em Cuba ou Venezuela, como a imprensa que presta um desserviço ao país costuma divulgar ou não informar corretamente.
Ainda somos o Brasil. E nossa Constituição quer que nosso povo seja tratado de forma mais digna.
Nada que prejudique as filhinhas de papai ou os playboys a terem seu carrinho zero, ou poderem passear nos shoppings e nos centros de consumo, exceto pelo fato de que pode ser que assistam a um rolezinho, de vez em quando.
Só isso.
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E compete a nós, mais que percebermos que queremos o mesmo para o país, seu bem estar e riqueza para todos, percebermos que está em nossas mãos lutarmos, dentro das regras do jogo democrático, para poder fazer valer nossa vontade. Soberana ou não.

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