segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O que nos diz a "voz das urnas"

Surpreendente a reação de Aécio Neves e de seu PSDB nos momentos finais da corrida eleitoral. Não em função da ultrapassagem de Marina Silva, transformando-se no candidato a disputar o segundo turno. Afinal, pesquisas de última hora já mostravam que isso teria acontecido no apagar das luzes do último fim-de-semana.
Então, se a queda de Marina Silva já era prevista, surpreendente foi a ampla diferença, de aproximadamente 14 pontos que Aécio conseguiu colocar sobre sua concorrente. Diferença não captada por nenhuma pesquisa de qualquer dos institutos. Ou se captada, não divulgada.
Porque se as pesquisas realizadas logo antes da eleição indicavam a possibilidade de ultrapassagem, todas assinalavam que haveria uma pequena diferença entre os candidatos, todas demonstrando que a luta estava muito renhida.
Não é de meu conhecimento que algum dos institutos de pesquisa de opinião tenha dado uma vantagem tão expressiva quanto aquela vista nas urnas, para o candidato tucano. E, como hoje não dá para ficar criando teorias da conspiração e vendo monstros e perigos onde eles não existem, especialmente porque os institutos são vários e contratados por entidades as mais diversas, não acredito que alguém poderá, em sã consciência, alegar que estavam forjando os resultados.
Mais fácil seria imaginar que os eleitores todos de Aécio preferiram, mineira e desconfiadamente, ocultar seu voto, mostrando-se indefinidos ou, ao contrário e aí, propositadamente, informando o nome de outro candidato, poupando Aécio dos ataques de que seria alvo, caso se destacasse.
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Mas, se a ida de Aécio ao segundo turno com quase 60% de votos à frente de sua oponente é um assombro, a votação de Marina não causa qualquer sensação de novidade. Basta lembrar que em 2010, quando surgiu como a novidade das eleições pelo PV, a candidata conquistou coisa de 20% do total de votos, o que mostra que ela pouco avançou desde então. Curioso é que naquela oportunidade ela teve um número de votos que chegou a chamar a atenção na capital mineira, votos que, agora iriam preferentemente para Aécio.
Também devemos levar em conta que se em seu discurso de campanha, foi dada muita ênfase ao novo, cada vez mais seu discurso foi se mostrando vazio de conteúdo e, pior, mostrando que do ponto de vista objetivo, a forma de fazer política em nosso país não funciona fora de seus padrões tradicionais.
Foi perceber que a realidade objetiva se impunha e exigia dela mais que um discurso cheio de boas intenções que fez Marina incluir e depois, pressionada por setores mais retrógrados, excluir de seu programa de governo, referências às uniões homo-afetivas, que tantas críticas lhe valeram.
Depois, Marina trouxe à luz a discussão de se criar um Banco Central independente, que ela classificou como autônomo mas com poderes de uma entidade independente. Ora, sem qualquer necessidade aparente, foi por a mão em um vespeiro, já que nem mesmo as escolas de pensamento econômico, que não são poucas, não entraram ainda em um consenso quanto às vantagens e a importância de um órgão dessa natureza.
Para muitos, essa proposta foi a que recebeu a principal e mais pesada das críticas que lhe foram feitas pela candidata à reeleição, Dilma e seus marqueteiros. Com algumas peças que, forçavam a barra em alguns momentos, transformando algumas hipóteses de causa e efeito em uma causação direta: banco central independente, banqueiro no poder, e exploração e empobrecimento maior da população mais pobre.
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Vá lá que, praticando os juros escorchantes que praticam hoje, na plenitude das liberdades de mercado de que desfrutam, os bancos podem ser apresentados como exploradores e agentes privilegiados do empobrecimento da população. Mas de toda a população... e não apenas da mais pobre.
Mas, a passagem direta da imagem da reunião de banqueiros em torno de uma mesa de rostos felizes, para a mesa de jantar de uma família, com pratos vazios e caras tristes e famintas foi, inegavelmente, um exagero. Ou uma apelação.
E o que fez Marina nessa hora? Respondeu posando na personagem que representa com mais desenvoltura: a figura da vítima.
Poderia partir para o ataque, e mostrar que os juros altos praticados pelos bancos, nos cheques especiais, nos empréstimos não consignados, etc. já era uma  prática comum no governo atual, com a presença do BC sentado à mesa ou com lugar marcado para que ele se instalasse em volta do balcão de negócios, enquanto do outro lado, a família já cortava gastos para pagar os juros elevados tolerados pelos indicados pela presidenta Dilma.
O problema é que sair com um discurso e argumentação dessas lhe tiraria o apoio do sistema financeiro, do capital, e até de sua principal assessora, Neca.
Ou não?
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Posando de vítima, até a expressão corporal de Marina foi mostrando a fragilidade que ela tentava esconder. E embora ela mudasse o tom de suas falas, elevando o nível de agressões e acusações para um patamar não condizente com quem se propôs a fazer uma campanha de união, não era essa e impressão que ela transmitia.
Frágil ela já demonstra ser, por força de sua saúde e seu tipo físico, que contrasta bem com o tipo já quase roliço de Aécio, bem nutrido e bem vestido, muitas vezes carregado em maquiagem.
Mas a fragilidade que conta é a moral para um candidato, e até essa foi a imagem que ela passou para o público.
Primeiro por não convencer a ninguém que não sofreu a influência do pastor Malafaia na mudança de seu programa de governo, depois por não convencer a qualquer pessoa que estava sim disposta a vender uma ideia, mesmo que visionária, mas portadora de futuro. Na verdade, acabou mostrando foi a ideia de alguém que, repetindo a quem tanto criticava, foi atrás de votos, abrindo mão de seus princípios, estivessem eles no agronegócio ou camuflados por efeito do uso de algum transgênico.
Talvez por esse motivo, foi pega em outra grande armadilha, em relação ao problema da CPMF. Que ela insistiu em afirmar ter sido favorável, já que pensava na saúde do país.
E o que foi mostrado pelo jornal o Globo, foi que os registros do Senado traziam a relação de votos e o dela era contra a criação do imposto do cheque.
Tudo bem que pudesse ter havido um erro, mas daí se portar como vítima, mais uma vez, e passar a dizer que aquilo era um mentira, que a afetava e que ela teve ao menos alguns anos para corrigir, ou exigir a correção pela Casa que ela ocupou, senadora que foi, vai um distância grande.
Arrepender de não ter votado, é uma coisa. Mostra que as pessoas erram, reconhecem o erro e se corrigem. Melhoram ou evoluem.
Dizer que votou e depois, pega em registro não forjados, ficar dando desculpas é terrível. Passa sempre a impressão de quem está se embolando na mentira que contou da primeira vez.
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Mas o erro maior de Marina foi querer se mostrar superior à política tradicional que ela dizia querer mudar e que e levou a fazer as escolhas erradas.
Por isso, ainda vice na chapa de Eduardo, ela não concordou - corretamente, em minha opinião-, com o acerto que o político pernambucano costurou com o governador paulista, o que era no mínimo esdrúxulo para dizer o mínimo.
Afinal, se ao fazer esse acordo, Eduardo assegurava um palanque no estado, sabia que Alckmin tinha também presença no palanque de um adversário seu, Aécio.
Marina, como qualquer pessoa de bom senso não engoliu esse acerto e proibiu o uso de sua imagem junto ao governador paulista.
Quando assumiu a indicação à presidente, em substituição a Eduardo, manteve sua opinião. Opinião que veio mudando ao longo do tempo, ao perceber que Alckmin estava já praticamente eleito no primeiro turno e que ela poderia explorar uma certa mágoa que o paulista nutre em relação a Aécio, desde que o mineiro não lhe deu o apoio necessário em campanhas eleitorais anteriores.
Nesse momento, Marina começou a enviar sinais de aproximação a Alckmin, mas aí já era tarde demais, e todos perceberam mais uma guinada, em direção ao "velho" da candidata acreana.
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Marina não perdeu por força de ataques de Dilma, de quem pode estar ressentida, já que essa é outra característica que parece ser parte de seu caráter.
Marina perdeu para sua arrogância e sua autoimagem. Pura e superior a todos que com ela convivem, no meio da política.
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Quanto ao segundo turno, veremos se repetir o mesmo que aconteceu em 2014, quando ela não se manifestou favorável a qualquer dos dois candidatos em disputa.
Apenas que agora ela pode até se manifestar favorável a Aécio, mas enfrentará resistências muito grandes de setores de seu partido, que não aceitam ser considerados à direita do espectro político, imagem que Aécio tem feito questão de passar, mesmo sendo um centrista.
Para Dilma, certamente os seus votos não irão, ao menos em maioria, já que grande parte deles votou em uma mensagem de mudança, que a presidenta não representa a contento.
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Bem, a sorte está lançada e, com ou sem o apoio de Marina, há uma grande oportunidade para Aécio conseguir se mostrar como o representante de todos aqueles que são contrários a qualquer política que não valorize apenas e tão somente o esforço pessoal, o mérito individual e o mais que se queira e possa ser atrelado a individualismo - onde cada  um acredita que é melhor e que pode se destacar em relação a todos os demais.
Por isso, ações e políticas de cunho social sempre são consideradas como escolas de vagabundagem, estimulando aqueles que não têm ou não apresentam competência.
São essas pessoas, de visão individualista que Aécio deve privilegiar, já que ao menos para os que o apoiam, e refiro-me aqui aos grandes capitais privados financeiros internacionais, vale a pena criar e manter essa imagem viva, do cidadão que lutando consegue atingir aos seus objetivos.
Aos que apoiam Aécio pouco se lhes importa se as condições dadas para que o esforço pessoal de quem quer que seja possa se mostrar exitoso. Importa apenas que qualquer êxito ou resultado esteja já previamente inserido no quadro maior e mais rigorosamente definido em que somos todos, deixados com espaço para agir. Típica liberdade controlada, como o filme O Show de Truman tão bem nos permite apreciar e refletir.
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Apenas gostaria de tratar de um aspecto apenas que será objeto de muita análise e discussão nos próximos dias: a derrota que Aécio sofreu em seu Estado de Minas Gerais que seria uma arma importante a ser utilizada contra ele em relação ao segundo turno.
Estou para dizer que, embora Aécio seja tão mineiro quanto Dilma, o que elimina a bobagem de que Minas não tem político ocupando o Planalto nos últimos 50 anos, ele deverá se sair aqui em seu estado muito melhor que no primeiro turno.
E acho que tal melhora se dará por não estar também em disputa o cargo de governo do Estado e nem concorrendo a ele, Fernando Pimentel.
A respeito de Pimentel, agora governador eleito de Minas, tenho algumas dúvidas, não quanto a sua capacidade como economista e professor da UFMG, local onde ele foi recrutado para a política. nem quanto a sua capacidade como gestor.
Em relação a ele, o que mais me atrai a curiosidade é como ele, em um momento do tempo, resolveu de forma oportunista fazer um acordo justamente com Aécio, passando por cima de seu partido e do que seus correligionários estavam dispostos a fazer.
Tal comportamento, completamente reprovável quando considerado pela ótica partidária, enfraqueceu o PT em Belo Horizonte, e provocou uma cisão profunda, que custo a crer esteja curada.
Pois bem, Aécio e Pimentel tramaram e elegeram Márcio Lacerda para a prefeitura de BH. E se Pimentel esperava que fosse o nome de Aécio para substitui-lo no Palácio da Liberdade, tomou uma autêntica rasteira com a indicação de Anastasia.
Mas, Aécio estava em dívida com Pimentel e, agora que pode tentar alçar voos maiores, o que lhe permitira manter-se como a liderança inconteste do Estado, talvez fosse a hora de retribuir e pagar a dívida com Pimentel.
Por isso, quem sabe, não tenha indicado para concorrer ao governo do Estado um nome que já estava afastado de Minas e da política mineira ha tanto tempo?
Quem sabe a escolha de Pimenta foi feita para que um nome esquecido e mais fraco pudesse não impedir que Pimentel fosse agora, e finalmente, pago.
Quanto a Pimenta, um cargo de Ministro seguramente o tiraria do ostracismo, dando-lhe motivação para voltar a disputar cargos para valer no Estado, se for de seu interesse. E, se for assim, ainda terá sido ajudado por ter sido novamente trazido para o debate público por Aécio.
Bem, tudo isso, caso Aécio se eleja no segundo turno.
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E, caso eleito, pelo nome de seu ministro já indicado, vamos assistir sim a um governo que não irá conceder aumentos salariais para os servidores públicos, tal como vimos acontecer no governo FHC. Como Aécio é neto de Tancredo e sobrinho de Francisco Neves Dornelles, e a tradição da família é de sempre aumentar a carga tributária, não devemos esperar outra medida que não aumento de impostos, como um grande sacrifício para gerar ainda maiores superavits primários. Cortes de gastos de um lado (funcionalismo) e aumento de impostos de outro. Essa a receita. E juros, muitos juros pagos aos capitais financeiros internacionais, em especial.
Quanto à Petrobras, não será necessariamente privatizada mas a exploração do pré-sal seguramente se fará por meio das parcerias público-privadas.
E os bancos públicos serão levados ao pior dos mundos, sendo todos praticamente destruídos, já que nas finanças especulativas que caracterizam nossa situação econômica nos tempos atuais, não há espaço para instituições que tenham como principal função gerar recursos para operações de crédito para aplicação na esfera do capital produtivo. Principalmente se tais instituições forem de capital público.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimas colocações professor.