terça-feira, 2 de setembro de 2014

Entrevista de Armínio, não diz nada e afirma tudo em seus silêncios

Muito interessante a entrevista do caderno principal da Folha, no dia de ontem, com Armínio Fraga, o já nomeado ministro da Fazenda de um eventual e improvável governo Aécio.
Primeiro, por ser a prova cabal de que é possível sim, falar de forma técnica e não dizer nada. Senão vejamos: perguntado se haverá mudança na regra de reajuste do salário mínimo, caso Aécio vença, saiu pela tangente, ao afirmar que Aécio já declarou que a política de aumento real do salário continua, lembrando, inclusive, que a fórmula pode promover reajustes baixos, caso a variação do PIB, um dos componentes da regra de cálculo não apresente variação importante. Como se espera um crescimento do PIB praticamente nulo para esse ano, essa é a alternativa mais provável.
Adicionalmente, considerando-se que o reajuste tem validade para um ano, e que  seu cálculo repõe a inflação do ano anterior mas não faz qualquer estimativa para a esperada para o ano em curso, ao observador atento não escapará a possibilidade de o novo salário poder sofrer perdas em seu poder de compra ao final do primeiro ano, caso o governo perca o controle da inflação e esta venha a atingir níveis mais elevados que a do ano anterior.
Ainda na mesma resposta, Armínio afirma ter sido mal interpretado ao afirmar que os salários tinham subido muito, em geral, dando a entender que também ele considera isso desejável.
Apenas, acrescenta a necessidade de que o país apresente também, no mesmo período, ganhos de produtividade. 
Ora, o que isso significa, senão o velho discurso que joga a responsabilidade da inflação sobre aumentos de salários reais não acompanhados por ganhos de produtividade. Ou seja, o mesmo argumento que, durante anos a fio, especialmente de governos autoritários, manteve os salários arrochados enquanto esperavam o bolo crescer, em face do fermento do aumento da produtividade. Política que gerou o aumento da concentração de renda e da desigualdade degradante que caracterizou nosso país ao menos até o surgimento do governo Lula. 
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Mas, o que aconteceria com os salários caso a produtividade não apresentasse o crescimento esperado por Armínio? Seria mantida a regra atual ou, por força dos requisitos por ele apresentados, a fórmula teria de ser alterada?
Mais importante ainda, que medidas ele adotaria para conseguir levar o setor empresarial a obter os aumentos de produtividade necessários, levando-se em consideração que, no primeiro momento, se propõe a retirar o apoio do crédito subsidiado do BNDES aos empresários, acenando com uma arrumação da casa por parte do governo que inclui até mesmo uma reforma tributária?
Porque desonerar exportações, investimentos, além de simplificar a tributação, medidas que ele afirma ter grande impacto, significa transferir para outros setores da sociedade o ônus do financiamento das atividades do governo, ou aprofundar radicalmente as reformas que ele prega sob o nome de pacto extraordinário, de delegar áreas do governo para o controle do setor privado.
Ora, mais privatização, nesse momento, implicaria em o governo se desfazer do controle da Petrobras, dos bancos públicos sob o argumento de focar mais em saúde e educação, áreas que já sofrem a influência da presença do capital privado, há muito tempo.
Ele dá a entender que tudo pode ser resolvido com a supervisão por parte do governo e seu poder de regulação. Como se a literatura, mesmo a internacional, não estão já repletas de demonstrações do problema da captura do agente regulador, por parte dos regulados.
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Questionado sobre a questão da Previdência, e o ônus suportado por ela, em face da fixação do salário mínimo pela atual regra, novamente sai pela tangente, ao afirmar que, como ministro, apenas deverá elaborar e apresentar para a sociedade o orçamento e sua tendência de evolução. 
Para não dizer que não afirmou nada, sai atirando que a política hoje adotada embute um populismo exacerbado e ponto. 
Ora, então a política é ruim, e ele deverá apresentá-la dessa forma para a sociedade, inclusive com as consequências de sua manutenção: o descalabro das contas públicas. 
Logo, democraticamente e sem qualquer manipulação, suponho, a população é que será chamada a aprovar ou não a continuidade da política que provoca o estouro das contas da Previdência e do governo.
Posso estar enganado, mas na segunda resposta ele responde a primeira: o salário mínimo deve ser alterado por razões vinculadas à saúde da Previdência, e não a qualquer outra questão, como a da inflação, ou da redistribuição de renda que ela induz.
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Questionado sobre a situação dramática da Previdência e de seus problemas de médio e longo prazo, inicia a resposta, respondendo que o governo já conta com uma estratégia bem mapeada, que se inicia pela reforma política - aquela mesma que Aécio no debate da Band, cobrado, afirmou ser um absurdo, porque a presidenta Dilma encaminhou ao Congresso proposta de que sua aprovação passasse por um plebiscito que definiria os pontos objeto de alterações. 
Agora vemos que também Aécio deseja a reforma, apenas que sem qualquer consulta ao povo, para que apenas os partidos convenientemente acomodados no governo possam dar suas contribuições. Ou não?
Mas, à reforma política seguirá a administrativa, e a reforma tributária. E segue por aí. 
Lá pelas tantas, lembra-se da questão apresentada, sobre a Previdência, para então, afirmar que como o tema se presta ao populismo, qualquer afirmação irá levar o PT a acusá-lo de arrochar salários e aposentados. 
E prossegue para afirmar que com as pessoas vivendo mais, a questão da idade de aposentadoria tem de ser revista, sem deixar de abordar a questão das pensões, que ele julga dever ser alterada. 
Embora concorde com ambas as situações, a idade tem de ser revista já que as pessoas vivem mais e estão mais tempo na idade ativa, graças aos avanços da medicina, e as pensões deveriam mesmo ser discutidas para eliminar privilégios injustificáveis, é inegável que ele deixa no ar uma acusação de populismo que não pode ser aceita.
Afinal, toda a imprensa tem dado espaço e destaque para o fato de que, indo na direção contrária à dos movimentos sindicais que apoiam o PT, seu partido, Dilma já afirmou que não muda o fator previdenciário, criação do governo do PSDB. Fator previdenciário que limita o valor do benefício para aqueles que, mesmo atendendo às condições exigidas, são penalizados por serem ainda considerados mais jovens.
Exatamente na direção que o assessor deseja.
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Por fim, questionado sobre a questão que ganhou algum destaque graças à Marina, relativa à autonomia do Banco Central, afirma que acha que o Banco não deve ter independência, mas apenas autonomia operacional, ideia que consta do projeto de Aécio. 
Curioso é que, ao tratar da existência ou não de tal autonomia nos dias de hoje, reconhece que sim, embora diga que não. 
Ao menos isso é o que se depreende quando se lê que ele acha, que há uma percepção de que o Tombini, presidente do BC, vem sofrendo muita pressão. 
Bem, como quem sofre pressão é aquele que não está fazendo o que foi exigido, ou determinado, ou cobrado e, mesmo contrariamente ao recomendado em termos de resultado da economia, os juros se mantêm em patamares elevados, pouco civilizados, então Tombini tem espaço para agir, contra tudo e o desejo de todos do governo. Ou Armínio desejava uma taxa de juros ainda maior?
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Para terminar, é importante saber que, caso Aécio não seja eleito, Armínio garante que não vai passar para o lado de Marina. O que nos assegura que dele e de suas divagações estamos livres. 
E para aproveitar a deixa, duas observações adicionais. 
Na página 3, do caderno principal, a Folha de 1 de setembro traz também um artigo que critica Armínio, pela sua arrogância no debate, ao tentar desqualificar os argumentos de seus oponentes, apenas por terem objetivos distintos dos que professa. 
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Por último, está impagável a coluna no caderno Ilustrada de Gregório Duvivier, do Porta dos Fundos e colunista da Folha às segundas, fazendo uma paródia da letra de Chico Buarque da Terezinha. 
Gregório nos remete à chegada de três Terezas, todas dignas de, assustado, o povo brasileiro dizer não.


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