sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Novamente racismo no futebol, espaço generoso para a manifestação de muitos outros preconceitos

Admito que qualquer pessoa no meio de uma massa perca um pouco o autocontrole e passe a agir sob a influência e da forma como agem todos aqueles que estão a seu lado. Já tive a oportunidade de observar isso nos campos de futebol e, confesso que, não raras vezes já me peguei agindo de maneira que não seria o meu comportamento estivesse eu sozinho.
Assim, quantas vezes já vi aquele torcedor que entrou em meio à torcida de meu time, e depois de mostrar que não estava ali por acaso ou desinformado, "convidado" a se retirar por meio de alguns safanões, ainda ironiza, provoca, xinga, agride com palavrões e acaba se envolvendo em alguma briga, inevitavelmente ouvirá o grito, quase uma sentença por seu atrevimento, de todos que estavam próximos apenas assistindo à escaramuça: mata! mata! mata?
Quantas vezes, honestamente, não nos pegamos acompanhando o coro. Quantas vezes, não gritamos a plenos pulmões: Mata! mata?
E ao jogador adversário que cometeu uma jogada desleal ou depois de uma jogada mais dura, que machucou um atleta de nosso time, quantas vezes nas jogadas seguintes em que ele estiver presente, não será dirigido o coro: Pega!pega?
Quantos de nós não gritou Pega! Quebra!, apenas reproduzindo a selvageria que, em outras circunstâncias gostaríamos de ver coibida?
E o juiz, quantas vezes não mandamos ir tomar .... apenas porque o infeliz cometeu um erro, mesmo que às vezes tão grotesco e resultado de má intenção explícita?
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A questão é que nós somos assim. Não nos controlamos e, em algumas ocasiões, acabamos nos tornando selvagens, resgatando todo lado animalesco que habita nossas profundezas e que fomos sufocando através de todo um processo de socialização, formação e educação.
E às vezes, esse nosso lado oculto vem à luz. Explode.
E, como toda carga sob pressão, sua explosão é sempre potencialmente arrasadora. Perigosa.
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Digo tudo isso, a propósito de toda essa polêmica surgida em torno dos torcedores do Grêmio e do time gaúcho, e as ofensas e injúrias de que foram protagonistas contra o goleiro Aranha, do Santos.
E nessa confusa situação, gostaria de fazer algumas observações.
A primeira, a de que acredito que a infeliz e digna de pena, como o próprio Aranha se referiu a ela, moça de apenas 23 anos de idade, que foi flagrada gritando claramente a expressão MACACO, sílaba a sílaba, de fato não seja, em condições normais de sua vida, racista.
Ou por outra, concordo que, por seu comportamento, tenha sim, alguns traços de racismo, mas que não seja capaz de externar esse ranço em situações que não sejam de absoluta tensão ou estresse.
Dito de outra forma. Deve ser, como milhares de pessoas que conhecemos e que são de nosso convívio, alguém que não gosta, procura não conviver, tem restrições a pessoas de origem afro, mas que não são capazes de agredi-los, de atacar, de destratar, sufocando na maioria das vezes sua verdadeira índole. Preferem não ter qualquer contato ou convívio, mas não podendo evitar tais situações, tratam de forma fria e indiferente. Seca. Sem deixar transparecer sua insatisfação por estar naquela circunstância.
Mas ela foi flagrada e virou protagonista de uma ocorrência de que apenas foi parte. Condenável, claro. Mas... a pergunta que não quer calar é: e os outros???
Porque as câmaras flagraram e registraram várias pessoas próximas pulando e fazendo gestos e o que pareciam ser sons guturais, simulando o comportamento de símios.
E esses, que urravam e pulavam movimentando os braços, só por não terem sido filmados e apresentados a todo o país gritando a palavra macaco, esses vão escapar das punições, exatamente as mesmas, que agora cobramos em relação à moça?
Porque não flagrados gritando, podem alegar que apenas entoavam cantos de estímulo ao time e que a coreografia que faziam nada continha de gestual racista.
E como provar que os urros que simulavam, não eram parte de um desses cantos de guerra que inundam e infestam os estádios, muitos até elogiados e solicitados pela imprensa, mesmo que com características e dizeres senão racistas ou injuriosos, bastante violentos.
Não é por não ser do time do Cruzeiro, mas o canto que já foi até matéria de reportagem, elogiosa diga-se de passagem, menciona até algo como ser a besta fera.
Confesso que não sei a circunstância em que a expressão aparece. Não conheço e nem me preocupo em conhecer tal cântico, mas...
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Para não dizer que citei esse canto de guerra por ser do time adversário, pensando bem, não é homofóbico e passível de condenação também a menção que a torcida do Galo faz ao goleiro Fábio, no canto que passou  a entoar depois da Copa. Inclusive com a mesma musiquinha que a torcida argentina tanto entoou?
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Mas voltando ao caso do Grêmio. O segundo comentário a respeito que gostaria de fazer é que entendo que o Grêmio não poderia ser punido por culpa de comportamento de alguns torcedores que ele não poderia nunca impedir. Afinal, também a censura não é considerada crime?
E no Estado de Direito, cada um não é quem deve responder por seus atos ou desatinos?
E o time gaúcho ainda tem procurado agir para punir a seus torcedores que o envergonham perante ... todo o país (????)
Tem colaborado com a justiça, inclusive entregando as fitas gravadas, a imagens, os torcedores que estavam próximo ao local de onde partiram as agressões.
Punir o Grêmio é, em minha opinião, um exagero, embora também seja de opinião, o que é contraditório, reconheço, que se não se pune o time cuja torcida comportou-se de forma injuriosa, outros torcedores irão repetir os atos. Contando com a mesma tolerância ou complacência dos que, próximos à ocorrência não se manifestaram.
E aqui o terceiro ponto a observar. A imagem da moça que agora todos condenam, com razão, mostra que ela até se encolhia atrás de outra moça, que não falava nada. Mas a tudo assistia ou ouvia, sem reação.
Ao testemunhar a ocorrência de um crime sem intervir ou denunciar, procurando evitar que ele seja cometido, a pessoa está apenas adotando um comportamento de medo, de segurança ou de cumplicidade?
Porque o silêncio naquele caso também não é objeto de qualquer comentário da imprensa?
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Punido o Grêmio, com a exclusão da Copa do Brasil, os que se silenciaram serão punidos, o que ficaram impassíveis, idem. Os que gritaram e não foram filmados também. Os que nada tinham a ver com toda a situação, a maioria, também. Ou seja, perdem todos.
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Mas, melhor em minha opinião foi a punição feita ao juiz que, alertado pela vítima de estar sendo agredido verbalmente, de estar sendo vítima de um crime, ainda foi ameaçar Aranha, como se o goleiro é que fosse o responsável por tudo o que acontecia, por estar provocando os torcedores gremistas.
O juiz, que preferiu julgar precipitadamente a situação, optou por condenar o lado mais frágil da história. Talvez por medo da reação da torcida. Talvez medo de uma invasão de campo, quem sabe.
Porque alegar que não ouvia os gritos dirigidos ao goleiro ou os urros e que não via o comportamento, os pulos dos torcedores, não pode ser justificativa. Os fatos estavam lá para quem quisesse enxergar, enxergá-los.
Pior é o infeliz ainda não relatar na súmula após o jogo os eventos, mesmo depois de alertado das agressões por Aranha.
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Bem, é muito barulho que essa situação está causando, embora felizmente não seja, como na peça de Shakespeare, muito barulho por nada. Aqui o barulho deve ser feito, ampliado, repercutido e ecoar muito para que todos nós, torcedores, frequentadores de estádios, etc. possamos refletir sobre o comportamento que temos adotado. E as modificações que deveríamos promover, para que, ao menos possamos viver em uma sociedade menos agressiva, menos violenta e mais harmoniosa.

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