segunda-feira, 1 de setembro de 2014

As pesquisas e o risco Marina, o novo Collor

Embora esperada, a marca obtida por Marina Silva nas pesquisas divulgadas no final da semana são, no mínimo, surpreendentes. Não apenas por ter rompido o patamar que sempre ostentou, e cujo máximo chegou a 27 pontos percentuais; nem por ter cravado um empate real com a presidenta Dilma, nos 34%, nem pela perspectiva de ser a eleita, a julgar pelas opiniões de hoje, em um eventual segundo turno.
Mais surpreendente, a julgar pelas tendências, é a possibilidade que não deve mais ser descartada, de Marina vir a conquistar a presidência, já no primeiro turno.
Hipótese fantasiosa? 
Não creio. Porque se é verdade que Dilma não arredará pé dos 33%, ou um terço do eleitorado, rondando dentro dos limites do intervalo de tolerância pouco para cima, pouco para baixo de um valor como 35%, o mesmo não se pode falar da candidatura Aécio. Principalmente, se levarmos em consideração que são esses eleitores de Aécio que mais ostentam as bandeiras do anti-petismo. Ou seja, não está fora de questão a possibilidade de, ao enxergarem maior sustentabilidade em Marina, passarem a pregar e ao final, praticarem o voto útil. 
Nesse caso, não pelas qualidades de Marina, com ou sem redes, os peessedebistas descarregariam nela suas frustrações, ou melhor dizendo, as frustrações com o Partido dos Trabalhadores, e tudo o que ele representa, seja em termos de corrupção, ou de políticas de conchavo (o que dá, mais ou menos no mesmo), e principalmente, na possibilidade um dia prevista  por Sérgio Motta de um partido ficar 20 anos no poder, embora ele se referisse erroneamente, em termos de tal possibilidade concreta, ao PSDB.
E, conquistado o voto útil de eleitores do PSDB, é muito forte a possibilidade de os votos dos ainda indecisos e sem candidato irem para a líder nas pesquisas, a essa altura, posição que já seria a da ex-senadora acreana.
Sina, afinal, de um povo que sempre sonhou com o novo, como  forma de fugir de sua vida de desalento e pobreza e como forma de conquistar finalmente sua dignidade e cidadania, sem no entanto, precisar de lutar, de enfrentar embates duros, de conquistar vitórias sempre marcadas pela ideia da superação do sacrifício. Novidade sempre encabeçada por um Messias, capaz de obter todas essas conquistas ou por seu destemor e capacidade de resistência, ou por sua inquebrantável fé na capacidade transformadora do Amor, da Paz, da reação pacífica e/ou  nihilista.
É essa imagem, esse discurso bom caratista que Marina tenta e vem conseguindo transmitir, e que arrasta consigo, como Collor já o fez anteriormente, os brasileiros que não se aperceberam que é apenas lutando, batalhando por seus direitos, arrancando de seus oponentes o reconhecimento e o respeito, que irão, enfim, conseguirem o que não se ganha de presente.
O que o povo brasileiro sonha em obter não é concessão, não pode sê-lo para não negar o próprio objeto de desejo. O que o povo todo deseja só se conquista, infelizmente, com luta. Com dor e sacrifício. Com perdas no caminho. Perdas que representam as pedras que irão construir o caminho que deve ser trilhado para que seja construída uma sociedade mais justa.
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Violência? Certamente haverá, embora não seja uma necessidade. Mas, certamente, luta. Muita luta. E não as promessas de uma candidata como Marina que usa bem o temor das pessoas de bem da luta que terão de empreender se quiserem mesmo realizar seus desejos.
Nesse sentido, a figura de Marina, mítica que seja, causa um desserviço à causa, e representa um atraso na luta para alcançá-la.
Porque, no fundo, a ex-senadora vinda de longe, das florestas, é exatamente a reencarnação da, não por acaso, figura do caçador que Collor buscava ostentar. 
E não se trata apenas do fato de o caçador e as florestas serem figuras pertencentes a um mesmo mundo imaginado. Ambos representam a novidade. Ambos tinham origem em partidos nanicos, ou de pequena expressão. Ambos tinham que falar direto às massas, seja no discurso guerreiro do cavaleiro andante contra marajás e a inflação, seja no discurso messiânico da pregação da paz e união.
Como Collor, Marina também terá de contar em seu governo, com a presença de pessoas que não guardam qualquer vínculo com suas ideias, independente de que motivações as justificassem. 
Esses tais quadros, essas pessoas, longe de serem pessoas do bem, como a candidata acredita, são pessoas oportunistas, guiadas por interesses inconfessos, escusos. 
Foi assim com Collor, e com alguns de seus principais auxiliares, especialmente aqueles que compunham seu quadro técnico, alguns vindos da Unicamp, e de formação completamente contrária a tudo que o jovem político alagoano representava. 
Mas, pouco importa, agora lembrar de Collor. Porque a situação é mais grave, já que a perspectiva de que se repita o mesmo erro agora é cada vez mais forte. 
Basta que venha a praga do voto útil, que um dia, em programa de debate entre candidatos ao governo de Minas Gerais, no ano de 1982, levou Theotônio dos Santos a cunhar uma belíssima frase, dirigida a Tancredo e sua campanha: pra que votar útil, em um inútil?
Se Tancredo nem se mostrou tão inútil assim, ao menos do ponto de vista do avanço dos ideias democráticos, o que Marina irá mostrar?
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Seu conservadorismo, revelado pela retirada de seu apoio à lei do casamento gay? Sua desfaçatez, por agir como todos os candidatos a quem sutilmente critica o comportamento? Sua forma nova de fazer política, com os mesmos arranjos e volteios e floreios de discurso, para conquistar os votos dos incautos, enquanto por baixo do tablado, costura as mesmas alianças que são o que ela mesma julga ser a razão da podridão do mundo político?
Porque sendo da mata, no lugar de se sentar e negociar com aqueles grupos que têm interesses na exploração e aproveitamento dos recursos naturais dali oriundos, prefere a companhia e o aconselhamento dos banqueiros? Porque sempre tão preocupada e atenta com as questões éticas que devem ser consideradas na elaboração da sua proposta de plano de governo, escapou-lhe, por exemplo, o fato de estar viajando em um jatinho de origem desconhecida, não declarada?
Porque, sendo a favor da transparência, não revela já que candidata, E APENAS POR ESSE MOTIVO, não revela como faturou, por que palestras e atividades, e quem pagou mais de um milhão e meio de reais, como foi anunciado ontem, pela Folha?
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Marina representa interesses bem intencionados. Sua postura, desde os tempos de PT, como representante no Legislativo ou como ministra de Lula, mostram alguém com personalidade forte, tenaz, que sabe muito bem o que deseja e como alcançar o seu intento. 
E toda sua determinação não a impediu de conviver muito bem, durante muito tempo, com toda a sorte de arranjos e acertos que agora questiona. 
Deixou o PT e foi filiar-se ao Partido Verde, menos pelas identidades de propósitos e defesa de interesses ecológicos, mas por oportunismo. Candidata pelo PV, onde se destacou com grande apelo nas eleições, em que terminou com próximo de um quinto dos votos, quis submeter o partido  a suas vontades pessoais. Autoritária, personalista, deixou o PV para fundar a Rede de Sustentabilidade, atividade em que sua capacidade de realizadora se revelou um grande fracasso. Mais uma vez, saiu culpando a outros, no caso a Justiça eleitoral e outros interesses escusos.
De forma oportuna, correu a se aliar ao PSB de Eduardo Campos, praticando o jogo de conchavos e acomodação que agora renega. 
Com o desaparecimento de Campos, alcançou seu objetivo de ser candidata. 
Que até as eleições o povo brasileiro possa descobrir a verdadeira face escondida sob o véu da candura e fragilidade que Marina transmite. 
Ou teremos um novo período aí pela frente, tão collorido quanto já experimentamos um dia. 

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