Em minha época de infância, o carnaval era uma festa tipicamente popular. O que significa dizer que o povão participava ativamente da festa.
Claro, já havia as escolas de samba cariocas, que desfilavam na Av. Presidente Getúlio Vargas, no centro do Rio. Já haviam os blocos carnavalescos, que saíam arrastando grupos de pessoas de todos os tipos, fantasiados. E, em Copacabana, me lembro de haver em vários e distintos quarteirões, bandinhas tocando para uma meninada pular no ritmo das marchinhas, protegidos por cordas estiradas nas esquinas, e o olhar atento dos pais.
Havia os bailes de clubes e a televisão transmitia os desfiles de fantasias do Municipal, do Monte Líbano, cujos vencedores em originalidade, luxo, etc. teriam as fotos publicadas na O Cruzeiro, Manchete ou Fatos e Fotos.
Sim, as televisões talvez transmitissem os bailes, que éramos impedidos de assistir em minha casa, seja pela desculpa tradicional do horário. Seja pelo excesso de liberdade e alguns alegados abusos cometidos por foliões mais afoitos, na avaliação dos mais velhos.
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Mas, o título e o pitaco de hoje trata de carnaval de BH. Que começava sempre com a Batalha Real na noite de 5ª feira, na Afonso Pena. Era o melhor dia de desfile, já que a avenida era ocupada pelos blocos caricatos, que passavam desfilando depois da chegada e desfile da família real, Rei Momo I e único, à frente.
Blocos caricatos era o nome dado aos grupos que passavam "batendo caixa" em cima de caminhões fantasiados, a maioria de confete e serpentina, e ritmistas de caras pintadas, rosto encoberto e o uniforme da agremiação.
Na época, o mais famoso e campeoníssimo era o Bocas Brancas da Floresta e, entre seus principais rivais estavam os Cacarecos, os Piratas.
Os blocos passavam tocando seus instrumentos e brincando com o público presente, fazendo palhaçadas, cantando marchinhas. E batendo surdos, taróis, reco-recos, e tamborins e repiniques.
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Depois do desfile dessa noite, no final de semana saía o resultado do melhor bloco, o que menos atravessava o samba sendo declarado vitorioso.
Depois disso, a tradição principal eram os bailes dos clubes: os do Minas Tênis, o do Marinheiro no Iate, a Noite das Havaianas, no Pic. E tinha os bailes do Clube Belo Horizonte, da AABB, da ACM, da Sociedade Mineira dos Engenheiros, na Av. Álvares Cabral, e os bailes mais sofisticados no Automóvel Clube.
Não me lembro com exatidão, mas creio ter também bailes no Chico Nunes, no Parque. E bailes populares, em outros locais.
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Nos três dias de domingo até terça, havia ainda a obrigatória passada pela Afonso Pena, onde a Polícia impedia o trânsito normal de automóveis e ônibus, e barraquinhas eram instaladas, para vender colares havaianos, bisnagas d'água, serpentinas, confetes, bonés de almirante, e máscaras.
Em meio a esse comércio, passavam carros enfeitados, cheios de gente cantando, brincando, rinco.
Já não era mais o antigo corso, mas ainda tinha o desfile de pessoas que, como a gente, saíam de casa para se divertirem no carnaval.
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Hoje o carnaval já não é mais popular. No Rio, para poder participar, só pagando, E CARO, para duas horas de desfile no Sambódromo, carregando uma fantasia qualquer, em uma das várias alas das Escolas de Samba.
Os blocos, esses continuam saindo, e contando com a participação do povo. Mas, é pouco, para a dita maior festa popular do mundo. Na verdade, festa para turista ver, como já cantava Chico Buarque há muitos anos: bate palma com vontade, faz de conta que é turista.
O povão mesmo ficou reduzido a torcida na arquibancada.
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Em São Paulo, "novo possível túmulo do samba", o dinheiro e "a força da grana que ergue e destrói coisas belas" conseguiu criar uma festa para turista ver, também com escolas de samba, artistas de televisão boazudas, puxando a bateria e alas e alas de passistas.
Muitos fora do ritmo, como convém a quem paga para participar da folia, no lugar do autêntico folião.
Mas, vende bem, e ocupa o espaço das televisões.
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Em BH, o desfile de blocos prossegue, por força mais de algumas centenas de abnegados que de apoio dos órgãos competentes.
Embora já houvesse, antigamente, algumas poucas escolas de samba, como a Cidade Jardim, a Unidos Guarani e a Canto da Alvorada, esses grupos aqui nunca tiveram o samba no pé e a atratividade das escolas do Rio, e muito menos o apoio financeiro e a grana das congêneres paulistanas.
Sobrou para nós os blocos caricatos. Pobres e sem prestígio ou sem apoio.
E uma festa que relega nossa atração mais autêntica e genuína, mais tradicional e popular, a desfilar no dia de sábado, na noite de abertura do carnaval. Em geral sem a presença do Prefeito, como foi no dia de ontem, para mostrar a importância que a cidade e suas autoridades atribuem à sua cultura e às tradições de seu povo.
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Menos mal, se não pode participar também dos blocos e dos desfiles que insistem em restringir o número de integrantes permitido a cada agremiação; ao menos resta ao povão a possibilidade de participar dos bailes populares, onde podem (des)vestir suas fantasias e saírem em cordões, brincando e dançando ao som de marchinhas e axés, extravasando sua alegria. Todos, no bloco dos contentes, de palhaços estilizados. Ou só palhaços.
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