quinta-feira, 31 de março de 2011

A previsão de queda do PIB, e esperar mais o que?

Há uma tradição, bastante cara ao pensamento econômico de corte mais conservador, que atribui ao Banco Central o papel, praticamente exclusivo de guardião da moeda e de seu poder de compra, ou seja, que transforma essa instituição em responsável tão somente pelo combate à e controle da inflação.
Dentro dessa postura, insere-se, entre outras ferramentas a adoção de práticas de política como é exemplo a criação das metas de inflação, através da qual, aprovada pela sociedade civil a taxa de aumento dos preços que se deseja ou se tolera, automaticamente fica o Banco encarregado de adotar todas as medidas necessárias para que o alvo da meta seja alcançado.
Representa, inegavelmente, a concessão de uma autonomia relativa - não independência - ao banco.
Dentro dessa ótica, problemas econômicos, tão ou mais sérios para a sociedade em relação a seus efeitos, deixam de ser preocupação do Banco, independente de poderem estar vinculados à questões afetas àquela instituição ou até mesmo serem problemas imbricados com aspectos monetários ou financeiros, como o caso do desemprego.
***
Desafortunadamente, ao aceitar e assumir esse papel mais conservador, o Banco Central reduz sua atuação política, não raras vezes, à adoção de um receituário mais ortodoxo, que tem como alguns de seus pilares, conceitos como: a inflação como consequência de elevação de gastos ou elevação dos níveis de demanda agregada; parte importante dos gastos efetivos tendo como causa a elevação dos gastos públicos, ou seu descontrole; os gastos públicos e de consumo privado como principais elementos da despesa, ambos financiados por uma emissão monetária tolerante ou por uma política de crédito lasciva.
Daí a reação sempre se basear no mesmo arsenal, tão do gosto do mercado, que passa por: redução ou corte dos gastos públicos (não dos pagamentos de juros àqueles que, por terem riqueza, financiam o governo comprando títulos públicos em comportamento muitas vezes meramente especulativo). Ao contrário, a proposição é sempre de redução dos gastos necessários ao funcionamento da máquina, exatamente aquela parcela que, em funcionando, pode fiscalizar e obstar o comportamento livre, leve e solto do mercado....
Além do corte dos gastos, sugeridos como medida necessária, embora de caráter fiscal, restam as medidas destinadas a reduzir o nível de despesas de consumo privado, como a elevação dos juros (que acaba trazendo também prejuízo para o nível de investimentos e para a própria dívida pública e pagamento de juros, gerando déficits cada vez maiores que, curiosamente, não incomodam nem ao mercado - que lucra, nem aos analistas de plantão). A elevação dos juros é, não raras vezes, acompanhada de medidas que visam a contenção do crédito. Algumas dessas medidas, apresentadas sob a denominação eufemística de medidas macroprudenciais.
***
Daí não ser nem um pouco surpreendente que, ao tempo em que os jornais correm a noticiar que 24% da renda das famílias brasileiras se encontra comprometida com endividamento e crediário, o que eleva o risco do calote ou da elevação da inadimplência; por outro lado, funcionários graduados do Banco Central do Brasil anunciam que, depois das medidas recentes adotadas pelo BC, o crédito já começa a dar sinais de uma certa acomodação - entenda-se algum tipo de redução.
E daí também não causar espanto o anúncio de que a inflação deve ficar acima da meta alvo, mas abaixo do percentual máximo admitido dentro do intervalo de tolerância - previsão feita com 80% de chances de acerto.
Nem também é digno de observação o fato de, ontem, o BC ter anunciado junto à revisão da taxa de inflação estimada para o ano, uma revisão da taxa de crescimento do PIB, para menos, ou no intervalo entre 4 e 4,5%.
Comparado com a taxa de mais de 7% do governo Lula, um número bastante acanhado.
Mas bastante interessante para se analisar. Afinal, não é de hoje que, para o pensamento conservador, o rabo é que deve balançar o cachorro. E derruba-se a economia, por total incapacidade de se derrotar a doença ou seu sintoma, sem eliminar o próprio doente.
E o povo que se dane, nas filas do seguro desemprego.
Tudo bem, se a inflação é mesmo domada, independente dos sacrifícios de momento. Ao longo do tempo, normalmente é dito e se aceita o argumento, a vitória acaba sendo do povo (o que sobreviveu e superou as agruras do período de combate à inflação) sob a forma de manutenção e até algum ganho da renda real, com a inflação contida.
Por outro lado, mais uma vez, percebe-se que a política recessiva auxilia a, por derrubar a demanda agregada, conter o aumento de bens de consumo, insumos e bens de capital importados. E permite um ajuste também no setor externo.
Mais uma vez, o rabo, na frente.
Então que viva a recessão provocada pelas políticas do BC, que contém a deterioração das expectativas de inflação e dos resultados das contas de transações externas.
E, de quebra, só para não esquecer, agrada ao mercado que aumenta seus ganhos em rendimentos dos títulos públicos. Que, afinal, ninguém, nem o mercado é de ferro...

Nenhum comentário: