quarta-feira, 2 de março de 2011

Quando a legítima defesa atropela a razão

Lembro-me até hoje das aulas de Direito Penal, com o mestre Décio Fulgêncio, no Campus da antiga UCMG, no Dom Cabral. Lembro-me da controvérsia que sempre era criada, ao se debater o instituto ou a figura legal consagrada como a legítima defesa.
Afinal, como lembrava o mestre, para caracterizar a legítima defesa, era mister que o meio empregado na defesa fosse de mesma intensidade ou força que o instrumento usado para a agressão. Ou coisa assim.
Claro está que, a agressão ou sua ameaça, por subjetiva em sua interpretação, implicava sempre em discussões sem fim, quanto à comparação entre o instrumento ou forma de agressão e o de defesa.
Em especial, lembro a pergunta feita em uma aula: caracterizado um ataque de um homem armado com faca a uma mulher ou criança, ou ainda, se um homem viesse em sua direção, com a arma branca, justificar-se-ia o uso do automóvel e o atropelamento do agressor?
***
Pois bem, é verdade que o Prof. Delamônica, meu colega e amigo, ex-companheiro também de Banco, onde se aposentou, lembrou-me ontem que, na época, e até recentemente, ainda se justificava muitas barbáries, sob a alegação de "legítima defesa da honra". Um absurdo...
E absurdo que justificava a morte da mulher pelo marido traído...
***
É verdade que nada justifica o caso do atropelamento no Rio Grande do Sul, onde um motorista acelerou e investiu contra ciclistas que faziam manifestações de protesto, fechando o trânsito ou impedindo o livre fluxo de veículos no local.
A alegada legítima defesa, com veículo motorizado, contra a ameaça potencial de agressão, ultrapassa em muito o que a lei exige para caracterizar o uso do argumento.
Melhor seria que o motorista desviasse o carro, ou entrasse em alguma rua lateral. Fechasse o vidro do carro e aguardasse. Melhor até que não discutisse, ele e possivelmente seu filho, com os ciclistas, reclamando ou xingando-os por ocuparem seu trajeto e atrasarem seu percurso.
Ora, como anda estressante o trânsito, e mais estressados ainda os motoristas, vê-se claramente delineada a ação e reação. Xingamentos de um lado, revides de outro. Desacato, troca de ofensas e...
Ameaça de agressão, cusparada, batidas no carro.
Mais uma vez, se estivesse armado o motorista talvez descesse do carro e a .... besteira já teria sido concretizada.
Pior: o motorista estava armado. De seu carro, a arma moderna que os psicólogos repetidamente têm avisado estar se transformando em arma de agressão, cada vez mais e por maior número de usuários, recentemente.
***
Feito o boliche, é correta correta a prisão do responsável, enfim decretada. Embora, como comentou um colega, deveriam também ser presos, alguns dos ciclistas que participaram da discussão e que fizeram ameaças, constatada mesmo a suas ocorrências.
A prisão nesse caso equivaleria ao castigo que dávamos aos nossos filhos, para que refletissem sobre o ato cometido.
***
Mas, lembrei-me também de que em 79, próximo do campo do Atlético, em Lourdes, na Av. Olegário Maciel, um grupo de manifestantes, grevistas da construção civil saíram da assembléia e concentração em passeata, tomando a direção da praça Raul Soares.
Ocupando toda a pista, impediam o fluxo de automóveis, o que levou um motorista a reagir, agressivamente.
Em maior número, os operários da construção, já com os nervos à flor da pele, partiram para o revide. Um ataque. Viraram o carro e deram uma surra no apressadinho.
De onde vem minha dúvida. Caso o motorista naquela ocasião acelerasse o carro e investisse com os trabalhadores, seria aceitável pleitear o benefício da legítima defesa?
***
Complicado o Direito. Não por acaso. Apenas por tentar regular a vida social e humana, em suas várias facetas. Em suas várias nunças.
Ou seja, tentar entender e interferir no mais rico e complexo ente na face da terra. Nós mesmos, os humanos.

Nenhum comentário: