quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Greve nos aeroportos, de quem a responsabilidade?

Infelizmente, entre o patrão e o empregado, toda a força e, consequentemente, todo o direito assiste sempre ao patronato.
Se o patrão, em busca de ganho de produtividade, reduz o número de trabalhadores e esses passam a trabalhar em seu limite, ninguém toma conhecimento, a imprensa não noticia.
Mas, se o empregado, em seu limite, destrata o cliente, provoca algum transtorno, cria algum atrito, se envolve em algum acidente, certamente o dedo acusador irá sempre se voltar para o empregado. Afinal, mais que o fato de o cliente ter sempre razão, há que se considerar que todos devem primar pelo tratamento de respeito, pela boa educação, pela cortesia.
E, se responsabilizado por algo mais grave que possa ter ocorrido, sempre será lembrada como causa do evento indesejado, a falha humana. Infelizmente, como o homem ou mulher que opera o instrumento, ou a máquina, ou que responde pelo serviço e sua qualidade não é o patrão, mas o trabalhador, sempre a causa de algum incidente é, naturalmente do trabalhador.
Em alguns casos, mais graves, chega-se ao cúmulo de se argumentar que, se estava trabalhando além de seus limites, além de sua capacidade, se estava cansado, com déficit de atenção, ou qualquer coisa que o valha, o trabalhador deveria recusar cumprir a ordem e não tentar forçar a barra para atender à determinação de seu empregador.
No caso de ocorrência de acidentes, sempre alguém por ignorância ou até mesmo por puro cinismo, ainda utiliza o argumento de que melhor ficar vivo, ou não ter sob sua responsabilidade alguma perda de vidas, que manter o emprego.
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Mas, no caso de acidentes de aviação, ou no caso de acidentes com caminhoneiros ou motoristas de ônibus, só para citar alguns casos, ou ainda outro caso recente, no caso de algum erro cometido dentro de um hospital, por um agente estressado e exausto por noites indormidas em razão de plantões dobrados, poucas vezes a opinião pública é informada das condições de trabalho daquele que cometeu a falha humana. E, se há mortes e perdas de preciosas vidas, o mais comum é que os órgãos de imprensa e da grande mídia, se limitem a falar do erro humano, do operador, da enfermeira ou assistente, do condutor, que afinal de contas foi a causa direta e imediata que deu origem ao infausto.
Embora de quando em vez, alguma notícia ou reportagem até tente levantar o outro lado da história, e cite as condições desumanas de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores, citando e responsabilizando o empregador pelo estado de coisas criado e que gerou a catástrofe, logo, logo, essa linha de investigação é abandonada e o nome da empregadora desviado das manchetes para o ostracismo.
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Ninguém busca aprofundar as razões de tanto erro ou falha humana. Às vezes, nem falha tão humana assim, quando se sabe que, muitas vezes, a falha em um sistema ou máquina ou artefato qualquer, já devidamente comunicada por seu operador a quem de direito, não foi devidamente considerada ou tratada. O resultado? O operador do artefato que não está operando com 100% de estabilidade ou segurança, tem de desviar seu foco de sua tarefa, para começar a se preocupar em controlar e acompanhar o andamento e funcionamento do aparelho que, ao invés de ajudá-lo, passa a ser apenas mais um estorvo a consumir sua energia.
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Mas, deixemos de lado essas questões, e nos voltemos para a questão da ameaça de greve dos trabalhadores aeroviários. A imprensa, e toda a opinião pública, reclama e xinga o fato de a ameaça de paralisação das atividades, ou o início das famosas operações padrão se darem exatamente no período de festas natalinas. Ou seja: em prejuízo de toda a população brasileira que, como bem lembrou o presidente Lula, está tendo a oportunidade de fazerem suas estréias em viagens aéreas, para comemorarem o Natal em casa, com suas famílias.
Ora, parece que até nisso o pobre ou mais desprivilegiado é sempre o punido. Logo agora, que está melhorando de vida, vem alguém e quer impedir de ele aproveitar um pouco de conforto e sossego. E ainda mais em uma época do ano como a de Natal, com seus reclames e musiquinhas que impõem, a todos nós, o cultivo da solidariedade.
Festa da solidariedade, festa da reunião e congraçamento em família. Festa que o pobre está sendo privado, porque a classe trabalhadora resolveu chantagear a sociedade...
CHANTAGEAR. Foi essa a expressão que vi usada ontem em um comentário de repórteres de uma emissora de muito prestígio local.
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E embora muito se fale e argumente, em alguns instantes até reconhecendo o direito e o mérito da luta dos trabalhadores, o que me causa espanto é que a notícia nunca é dada por inteiro. O que mantém a todos nós na ignorância, e na crítica pela crítica à classe trabalhadora.
Tudo isso, claro, contribui apenas para que a opinião pública se volte contra a classe trabalhadora.
Mas, o que devia ser dito? Que a negociação da categoria com as empresas aéreas já vem desde setembro? Que o impasse na negociação deve ter sido em torno da discussão dos números, já que a inflação, projetada para algo perto de 6% deve ser o limite máximo que os patrões resolveram conceder, se tanto?
E o que devem desejar os trabalhadores? Algo mais que a inflação, já que o número de passageiros aumentou, a receita das companhias áereas cresceu significativamente, a qualidade do serviço não melhorou (até os lanchinhos que antes faziam valer a viagem aérea, viraram pão e água!), e duvido que as empresas aéreas tenham aumentado muito seu quadro de pessoal e contratado muito mais funcionários.
Ou seja: cada trabalhador está trabalhando para atender a um número maior de clientes; cada aeroviário está ajudando a empresa a lucrar bem mais que apenas a inflação. E para quem vai esse aumento de produtividade, algumas vezes justificado apenas pela venda de mais assentos, possibilitada pela redução de espaço livre entre as poltronas?
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Depois de estarem negociando já há três meses, sem êxito, a categoria ameaça fazer uma greve. Sim, ninguém discorda que em uma época ruim: Natal. Fim de Ano. Trazendo prejuízo e desconforto para várias pessoas que nada têm com o problema. Será que não têm mesmo???
Afinal, é para elas que o serviço está cada vez piorando mais sua qualidade. Embora muito não sintam, ou não saibam disso, já que viajam pela vez primeira de avião.
A pergunta que não quer calar é: se não fosse para incomodar ao público, os passageiros em algum momento, em outra oportunidade, iriam saber ou ao menos discutir, ou obter informações a cerca da situação a que são expostos esses trabalhadores das companhias aéreas?
Vejamos: mesmo agora que todos estão se sentindo ameaçados e reclamando da paralisação e dos transtornos daí decorrentes, o que e imprensa tem feito, além de noticiar as filas extensas e os atrasos intermináveis de vôos? A imprensa se preocupou em mostrar o que está em discussão ou na pauta de negociação? A imprensa foi atrás da informação de elevação de vendas, ganhos e rendas das companhias aéreas e o quanto elas querem repassar disso para os verdadeiros responsáveis por toda essa geração de lucros?
Ou a grande midia apenas mostra a indignação de quem está esperando sem o que fazer em nossos terminais, esperando vôos que vão sendo, um após o outro adiados, remarcados ou simplesmente cancelados?
Mesmo nessa hora, a idéia é criticar a quem: à categoria chantagista ou às empresas? Até mesmo quando a culpa é da empresa, que nem mesmo atende à regulamentação em vigor, e sob cuidado da Anac. Esse é o caso de um senhor alemão que a internet noticiou que reclamava que estava há 20 horas aguardando e, nesse intervalo, não recebeu nada nem para se acomodar em algum local, nem para se alimentar.
Feita a reportagem, que mostra a indignação do turista e nos causa indignação a todos nós a dúvida é: a culpa desse mal tratamento é dos funcionários paralisados ou da empresa aérea que tem a responsabilidade de gastar seus recursos para impedir a ocorrência dessas situações?
Claro que da companhia. Mas, a reportagem atrela essa reclamação a toda a movimentação dos trabalhadores espertalhões, oportunistas e gananciosos.
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Pois bem, mesmo depois de toda essa balbúrdia e até de expedição pela Justiça de medida que impede a continuidade do movimento, ao menos nessa época de festividades, o que a negociação evoluiu?
Pelo que se noticia, continua o impasse: os aeroviários solicitando 15% de aumento, as empresas oferecendo 8%.
Sem querer ser adivinho, parece claro que esse não era sequer o índice oferecido antes do tumulto ter início. E, mesmo depois de tanto alarde, convenhamos, é bem aquém do ganho de produtividade das companhias aéreas. Isso, porque agora as atenções estão voltadas para a negociação, inclusive as da Justiça.
E há quem não perceba que a categoria é que está, como sempre, sendo tratada com pouco caso, para não dizer destratada. Desrespeitada.
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Mas, esperemos. Impedida de continuar o movimento, o sindicato está remarcando novo movimento paradista para 3 de janeiro, o início das férias de verão e das viagens das famílias em busca do merecido descanso e lazer. Algumas até voltando das festas familiares do fim de Ano.
Não sou Nostradamus, nem me pretendo tal. Mas posso, com muita pouca margem para equívoco, prever que vai ter alguém na imprensa dizendo que a categoria se aproveita do momento de férias, lazer e descanso para chantagear a população, que nada tem com a situação.
Volto a afirmar: se a população é vítima. Mais vítima ainda são os trabalhadores. Mas, para esses, dificilmente se voltam as atenções da mídia. Afinal, quem banca os gastos vultosos de publicidade são as aéreas....
Óbvio que isso torna o jogo muito desigual.

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