quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O poder e o café frio

Antes de entrar no tema desse comentário, é forçoso dizer que, em minha opinião, todo mundo que comete um ato contrário à lei, especialmente se à lei penal é um criminoso.
Há claro, atenuantes, fatos que justificam muitas vezes o cometimento do ato, etc. como há também a sempre delicada questão moral envolvida. Ou ética. Nem sempre o que é legal, permitido pela lei é ético. Nem sempre o comportamento que pode encontrar justificativa do ponto de vista moral é considerado legal.
Não vou me estender nessa discussão, por não se tratar de minha seara de atuação (diria melhor, conhecimento), mas o fato é que toda essa introdução é para dizer que considero criminoso todo aquele que comete um crime.
E até admito que entre os vários tipos de crimes, existem alguns que, mesmo não aceitando, consigo entender as motivações. E até considerá-las.
Assim é que, para mim, os crimes podem ser sempre colocados numa tabela, classificados e hierarquizados.
E, nessa minha hierarquia interior, são crimes tão hediondos quanto um assassinato em massa, desses que tingem as páginas dos jornais, aqueles cometidos por canetadas, dentro de escritórios de ar condicionado e carpetes de centímetros de espessura, além de mesas de mogno e assentos estofados em couro.
Porque esses crimes, mesmo não cruentos ou com sangue esparramado à la filmes de Quentin Tarantino, são capazes de condenar à morte milhares, milhões de pessoas lesadas, que morrerão de problemas cardíacos, vasculares, ou doenças provocadas pelo desgosto, a tristeza, a humilhação.
E o autor desses crimes costuma ser gente bem: bem nascida, bem formada (caráter), bem relacionada, bem educada, bem de vida. Pessoas, entretanto que seriam mais bem classificadas como gente sem: e aqui, sem esticar-me muito, sem CARÁTER.
É o caso de todos aqueles que cometem os famosos crimes do colarinho branco. De todos que cometem crimes contra o sistema financeiro. Caso do nosso ex-banqueiro Tasso Assunção.
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Empresário famoso, dono de concessionária importante de automóveis, dono do Banco Hércules, homem cheio de empreendimentos na capital mineira, Tasso morava bem - num dos bairros mais tradicionais e luxuosos de BH, a Cidade Jardim-, vivia bem, e era rico. Mas, mais importante para a reflexão que eu gostaria de fazer aqui, é que Tasso frequentava a "alta sociedade" belo-horizontina, onde era considerado presença obrigatória nos eventos e reuniões sociais mais conceituadas.
Por rico, Tasso era paparicado. Vivia rodeado de amigos, conhecidos, políticos, etc.
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Não o conheci e nada posso falar sobre a pessoa. Mas sei que foi, já mais velho, considerado criminoso, enquadrado na Lei já citada de crimes contra o sistema financeiro. E que notabilizou-se por ter sido o primeiro banqueiro condenado à cadeia e preso em regime fechado em nosso país.
Lesou milhares de pessoas, aplicadores, poupadores e consumidores (em especial de consórcios) e talvez aí se localize a origem ou a ampliação ou manutenção de sua riqueza.
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Tasso faleceu essa semana e, parece-me foi velado na última terça-feira.
Vi a notícia em uma pequena nota no jornal Estado de Minas. Nota publicada em coluna interna, sem grande chamada e que destacava a carreira de empresário e, depois a condenação do banqueiro.
E aí a razão de minha reflexão: fosse há vinte anos atrás, pouco mais, talvez, e a morte do empresário seria matéria com chamada de primeira página. Por seu estilo e concepção filósofica, posso até ver as páginas internas do jornal belo-horizontino estampando retratos e entrevistas de pessoas que conviveram com Tasso, além da reportagem contando a carreira gloriosa e glamourosa do proeminente empresário.
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Mudaram os tempos. Mudou o próprio jornal, tentando deixar os ares de província e adotar comportamento menos paroquial e familiar. Mudou a sociedade.
Mas mudou sobretudo, e antes de mais nada, a imagem e a figura de Tasso, aos olhos de seus amigos.
Não fui a seu velório, por não conhecê-lo formalmente. Mas, a julgar pela repercussão de sua morte na imprensa local e na midia, imagino a pequena afluência de pessoas à cerimônia de seu velório e, se não me engano, cremação.
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Pode até ser que o velório tenha sido mais concorrido do que estou imaginando. Mas, fossem outros tempos, ou não tivesse Tasso sido condenado, o velório teria políticos, governadores, atuais e ex, socialites, empresários, banqueiros, industriais, comerciantes, pessoas comuns e até o povão, que mesmo sem conhecê-lo aproveita esses momentos para ir tentar conhecer ou ver mesmo de longe, as pessoas que, embora de carne e osso, frequentam o imaginário popular, como personagens de um mundo onírico e paradisíaco inacessível a eles.
Mundo muitas vezes construído, erguido e sustentado por esse mesmo povão, espoliado.
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A julgar pelo barulho que sua morte fez surgir, Tasso é a representação típica de alguém que perdeu o poder. E, não pelo fato de ter sido condenado, porque a sociedade não é tão hipócrita a esse ponto, mas pelo fato de que mesmo antes, a amizade pela figura humana era menos pela pessoa e mais pelo que ela representava de oportunidades e possibilidades de obtenção de lucros ou ganhos.
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Vá descansar Tasso. Sem café, porque o café está frio. E sem a pompa e circunstância que você tanto quis e cultivou, que nem mesmo foi capaz de medir os sacrifícios, esforços e artifícios empregados para conquistar seus objetivos materiais.

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