terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Déficit nas contas externas: como se interpretar a notícia nos sites da grande imprensa

Não deve surpreender a ninguém o anúncio feito pelo Banco Central, da ocorrência de um déficit recorde na conta de transações correntes no montante de 47,5 bilhões de dólares.
Ou seja: embora a balança comercial tenha dado resultado positivo, indicando que as exportações superaram as importações em 20,3 bilhões de dólares, esse resultado não foi suficiente para cobrir a saída de dinheiro a título de pagamento por serviços. Leia-se aqui, o pagamento de viagens e remessas de lucros e juros para o exterior.
Segundo o site globo.com, que transcrevo:
" A principal explicação para a deterioração das contas externas brasileiras em 2010 foi o crescimento da economia nacional, estimado em mais de 7,5% por analistas, aliado ao dólar baixo."
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Vale uma observação: a economia crescendo, as empresas têm de produzir mais. Isso acarreta a maior necessidade de matérias-primas, insumos, peças, partes, componentes para a produção aumentada, SE, E A CONDIÇÃO É IMPORTANTE, não houver matéria-prima e insumos em quantidade e qualidade suficiente no país.
Feita a ressalva, podemos seguir afirmando que, ao crescer a produção, também importa-se mais, inclusive  máquinas que permitirão o acréscimo da capacidade produtiva.
Some-se ainda o fato de que, crescendo a economia, há a geração de mais emprego, mais pessoas trabalhando e com mais renda. E renda, leva a maiores gastos em consumo, com importação de produtos do estrangeiro, muitas vezes considerados de melhor qualidade.
A isso que faz referência a frase transcrita, cuja sequência é: " além das importações que também cresceram - o que baixou o saldo comercial para o pior resultado em oito anos."
E segue: " Ao mesmo tempo, também contribuíram para o resultado negativo o crescimento do emprego e da renda e a moeda norte-americana desvalorizada, que impulsionaram um recorde nos gastos com viagens ao exterior."
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Do que se lê, pode-se depreender que: ao crescer, tivemos de importar mais, o que não seria em absoluto, ruim. Afinal, importamos e criamos um déficit que, elevando o patamar de nossa economia, nossos investimentos, etc., levarão a posterior aumento das exportações. Então, o problema é de curto prazo. E sanável.
Mas, se é assim, ou assim pode ser interpretado, porque então não fazer a afirmação categórica, mas temperá-la com um além... ("além das importações que também cresceram")...que ser refere ao crescimento das importações como um adendo E NÃO A CAUSA PRINCIPAL?
A resposta está na própria matéria, que agora repito com o conteúdo integral: "A principal explicação para a deterioração das contas externas brasileiras em 2010 foi o crescimento da economia nacional, estimado em mais de 7,5% por analistas, aliado ao dólar baixo. Tais fatores elevaram o volume de remessas de lucros e dividendos."
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Agora dá para analisar, não o resultado, mas a matéria do site da Globo: o resultado deficitário recorde do déficit se deve PRINCIPALMENTE à remessa de lucros e dividendos, consequência de nossa integração à ordem econômica mundial, à globalização, por meio da liberalização de nossa economia e da flexibilização dos fluxos de capitais.
Bem, essa inserção que nos torna aptos a consumir os Nykes da vida, é também que permite que recebamos muito dinheiro do exterior, inclusive de empresas que vêm investir e querem investir em nosso país. Não por causa da cor morena da nossa pele, ou do requebrado das mulatas, mas para extrair daqui os lucros e exportá-los para os paraísos fiscais de onde provêm os capitais.
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Senão vejamos mais dados anunciados pelo BC: o volume de entrada de recursos a título de investimento direto estrangeiro, aqueles que vêm para instalar fábricas e produzir, sozinho, cobriu o resultado negativo das transações correntes. Ou seja, só o dinheiro das empresas que vieram produzir aqui, alcançou 48, 5 bilhões de dólares, outro recorde.
Desse total, a indústria foi o setor onde mais se aplicaram recursos, no montante de 19,3 bilhões, dos quais 7,41 na química (a Amazônia, o maior manancial de substâncias a serem desenvolvidas  no mundo), e 3,52 para a metalurgia.
Luxemburgo e Países Baixos, com 15,2 bilhões foram os dois países de onde vieram mais recursos, seguidos da Suíça, todos países com carga tributária que os classifica como paraísos  fiscais.
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Mas, já encerrando, é preciso dizer duas coisas:
- o recurso estrangeiro vem operar aqui por ser um mercado em franca expansão, dinâmico, que está incorporando, em especial depois do governo Lula, uma legião de novos consumidores maior que a população de muitos países ricos europeus. Países que, como os Estados Unidos, estão enfrentando crises típicas da maturidade. Além disso, vem para obter a produtividade do trabalhador brasileiro, com bem menos custo que o pago por mão de obra em seus países sede. Sem falar na redução de custos proporcionada pela abundância de recursos naturais aqui existentes.
- A notícia do site, prefere, entretanto, sem conseguir esconder a verdade, disfarçá-la, sinalizando que o crescimento, o emprego, o povo com mais renda, a gastança consumista desse "povo que agora está lotando e provocando caos nos aeroportos", as viagens internacionais mais baratas (sinal de que a gente quer comida, diversão e arte. E cultura!), essas são as causas do resultado obtido.
Em meio a tantas causas, perde o poder de explicação de qualquer causa que seja mais significativa. Ou não?
Então o povo não pode ficar bem, embora o país possa e deva crescer.
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Quanto ao câmbio, com dólares baratos, atraídos pelos juros escorchantes que a própria equipe de analistas econômicos da Globo prega como forma de se combater a inflação, muito pouco.
Mas o suficiente para que a confissão venha, tímida e implícita no último trecho:
"A previsão do Banco Central é de uma nova piora das contas externas em 2011, mesmo com a economia crescendo menos.  A manutenção de um patamar baixo para o dólar deve gerar piores condições de competitividade para as empresas brasileiras."
É isso.

Um comentário:

Daniela disse...

Mão de obra barata, baixa tecnologia, mercado consumista e sedento por produtos importados, recursos abudantes. O mesmo dilema de sempre e a justificativa é o controle da inflação.... É aquela historinha q o Brasil exporta a laranja pra comprar o suco industrializado depois...mas bem mais caro. Acho q nosso país merece uma reforma política.