segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Superávit primário, déficit nominal, dívida pública, os números de 2010

Divulgados os números do orçamento fiscal de 2010.
Os valores principais indicam que em dezembro, o déficit nominal atingiu 8,683 bilhões, totalizando 93,7 bilhões ao longo de todo o ano.
Déficit nominal significa o montante que o governo arrecadou de impostos, menos seus gastos para funcionamento, menos gastos de transferências, inclusive aquelas relativas a pagamento de juros e serviço da dívida pública.
Ou seja: o valor que o governo teve de tomar emprestado, ou que ele necessitou financiar, para poder pagar todos os compromissos do ano passado.
***
Outro dado importante é o superávit primário obtido, no total de 101,7 bilhões, arredondando. Isso representou 2,78% do PIB, o que significa que o governo não alcançou a meta a que se propôs atingir.
É comum que os órgãos de imprensa definam o superávit primário, como a quantia que o governo economizou para pagamento de juros.
Em 2010, a economia de 101,7 bilhões, não cobriu o valor de pagamento de juros, que foi de 195,369 bilhões.
Daí a explicação para o déficit nominal acima, de 94 bilhões.
***
A dívida pública líquida alcançou 1 trilhão e 476 bilhões de reais. 40,4% de toda a riqueza gerada no país.
Também acima do limite que o governo estabeleceu como meta.
Passados os números, vamos a alguns breves comentários que, mesmo ligeiros, exigem que o leitor tenha paciência para ler um texto mais longo.
***
Primeira observação: embora o governo central (Tesouro Nacional, somado ao resultado do Banco Central e da Previdência) tenha obtido superávit primário ao longo de 2010, esse resultado pode ser explicado por receitas que são extraordinárias, como a contabilização de recursos do processo de aumento de capital da Petrobrás. Como já explicado, enquanto o governo, para manter o controle acionário e até aumentá-lo gastou 43 bilhões, integralizando capital, recebeu em troca 75 bilhões a título de cessão onerosa de barris A SEREM AINDA EXPLORADOS.
***
Além dos 32 bilhões, o governo contabilizou também perto de 3,5 bilhões recebidos do BNDES, a título de aquisição de dividendos a serem pagos pela Eletrobrás. Na operação, o Banco ficou com o passivo da estatal.
A esses valores, agregam-se ainda 6 bilhões relativos a depósitos judiciais, sendo que 4 bilhões deles, da CEF. Trata-se de dinheiro para cumprir a obrigação tributária e resguardar direitos, enquanto o depositante discute judicialmente a legalidade do pagamento ou não. Ou seja: se é devido o valor.
Esse dinheiro, que é depositado na CEF, foi transferido ao Tesouro no final do exercício. E terá de ser devolvido aos agentes depositantes, caso a obrigação seja considerada nula (especialmente, de caráter tributário).
***
Como em dezembro, embora o governo central tivesse gerado superávit primário, o mesmo não se deu com as contas de estados e municípios, que ficaram deficitários (maior déficit dos Estados que dos municípios), o superávit primário para o ano não atingiu mais que 2,78, para uma meta de 3,1% do PIB.
Para cumprir a meta, o governo usou o ardil de mudar a contabilização de gastos feitos em obras do PAC.
É o segundo ano consecutivo que o governo usa desse artifício, permitido pela legislação.
***
Em síntese: foi atendida ao fim das contas o resultado primário proposto. Mas, do ponto de vista das tendências, o que se vê é que as contas foram fechadas em 2010, mas não há muita chance de o mesmo se repetir em 2011. Isso porque não dá para ficar fabricando receitas a cada ano, ainda mais em valores tão elevados.
***
Mas, dizia que os órgãos de imprensa definem o superávit primário como a economia (o não gasto!!!) que o governo faz para pagar os juros da dívida.
E qualquer pessoa sabe, mesmo aqueles que não sabem coisa alguma, que economizar e cortar gastos impõe fazer sacrifícios.
O que não é dito é que isso não é verdadeiro para o governo, que não é uma pessoa. O que implica que quem faz o sacrifício é aquele ou aqueles agentes que o governo deve representar: o povo.
O povo que paga impostos ditos escorchantes.
Nesse caso, cortar gastos é não dar educação, é não dar saúde digna. É não melhorar as condições de tráfego das estradas. É não fazer a conservação e melhoria de trechos ou não duplicar pistas, como no caso do Anel de Belo Horizonte, ou da BR 381, a famosa rodovia da morte.
Ao mesmo tempo, é também não pagar um valor minimamente digno para os profissionais da área da Saúde (um médico recebe para uma cirurgia cardíaca próximo a 70 reais!!), para os professores, ou para funcionários públicos como policiais (que acabam descambando, premidos por suas necessidades, para o crime que eles deviam combater), ou para outros funcionários públicos, responsáveis pelo atendimento, sempre de péssima qualidade ao povo (a qualidade, resultado da má remuneração e das preocupações que o funcionário carrega para que o governo faça economia).
***
E, para onde vai toda a economia? Para pagar juros. Para pagar transferências, que representam aproximadamente 2/3 do total da carga tributária bruta que o governo arrecada.
Quem tiver interesse em ler, recomendo o excelente texto de Márcio Pochmann, presidente do IPEA, que pode ser visto no site abaixo, entre outros: www.blogcontabil.com.br/2008/10/o-mito-da-tributacao-elevada-no-brasil/
***
Nesse trabalho, o autor mostra que de 36% do PIB, apenas 12% se transformam em carga tributária líquida, recursos para o governo gastar a sua discrição.
O restante, é pago em transferências: parte a subsídios e isenções, a empresas e empresários; parte a transferências sociais, como os programas de bolsa família, e outros de assistencialismo e parte, a maior, pagamento de juros.
***
Então: é como se o povo que paga impostos tivesse de deixar de ter direito a saúde, educação, segurança, e até um atendimento de qualidade, para poder assegurar que os (mais) ricos possam ter certeza de receber o que lhes é devido.
Total inversão de prioridades: não se poupa para melhorar a vida do povo, no futuro, como qualquer pé de meia. Mas para pagar aos muito ricos.
***
Dada uma dívida de 1,5 trilhão, para facilitar a conta, o que dizer de uma taxa de juros de 11% ao ano, como a nossa SELIC?
Dá, folgado, 165 bilhões de juros, pagos apenas pelo governo central. (em 2010, essa cifra foi de 124,5 bilhões).
A curiosidade é que o governo que paga, é também o agente que define o quanto vai pagar. Ele é que aumenta as taxas de juros (alegando combater a inflação), para gastar mais com juros pagos aos setores que têm para financiar a ele, governo.
Tudo via COPOM e BC, as agências reguladoras e capturadas pelos interesses dos mercados financeiros.
***
E pior: a previsão do mercado é de juros a 12,25% no final do ano.
E como não há nada no mundo suficientemente ruim que não possa piorar mais: hoje, os sites (vide o portal Terra, por exemplo) anunciam que o BC (capturado ou falando como porta-voz?) já prevê aumento de inflação para o ano.
Logo: não está afastado um aumento ainda maior de juros, para esse 2011.

Nenhum comentário: