Retomo alguns trechos do livro A Corporação, de Joel Bakan, já citado aqui em meu blog em outras duas ocasiões.
Hoje, para tratar da questão do financiamento das campanhas eleitorais.
Confesso, antes de iniciar, que tinha, até algum tempo atrás, a idéia ingênua de que o financiamento de campanhas políticas tinha de ser privado. Afinal, gasta seus recursos, e até sua fortuna, aquele que deseja embarcar em uma aventura. E, assim sendo, não deveria haver dinheiro público, isso é, bancado com impostos extraídos do suor e do trabalho da população, para financiamento de o sonho de alguns, ou os objetivos mais escusos de poder, de conquista de posições que pudessem ter, como resultado, benesses, benefícios pessoais, projeção, etc.
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Curiosamente essa idéia ingênua convivia com a convicção, mais realista, de que o financiamento privado das campanhas políticas acabaria obrigando ao financiado pagar o favor que lhe havia sido feito. E, tal pagamento, no caso da existência de um conflito de interesses entre um objetivo público e um objetivo privado acabaria fazendo a balança pender, claro, para o interesse privado, se esse fosse o interesse do doador dos recursos financeiros.
Na verdade, o que eu pensava era que, caso se aprovasse uma legislação que transformasse o financiamento de campanhas políticas em exclusivamente oriundo de fontes públicas, ninguém conseguiria impedir a existência do "financiamento por baixo dos panos", ou seja, o famoso uso, por parte das empresas e agentes financiadores, de recursos de caixa dois e da lavagem de dinheiro. Em termos mais concretos: recursos públicos apenas que, por força de sonegação e outros expedientes mais escusos, não transitados pelos fluxos do caixa oficial.
Ora, se a sonegação não consegue ser impedida, por mais que a fiscalização se capacite e se sofistique cada vez mais para obter esse resultado, porque a utilização de recursos privados em campanhas poderia ser também eliminada ou impedida? Além disso, por mais que se procure fortalecer os órgãos encarregados, ainda falta muito para que os controles sobre a prestação de contas das campanhas funcionem e sejam críveis.
Aliás, basta verificar os últimos escândalos que foram notícia em nosso país, e a participação em tais escândalos, das famosas sobras de campanha, nunca declaradas.
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Já, caso a campanha política fosse financiada por recursos privados, e obrigatória a explicação das principais fontes de finaciamento (também eu não era tão ingênuo a ponto de achar que todo o montante financiado seria declarado!), ou pelo menos de uma porcentagem significativa dos custos da campanha eleitoral, com o nome das principais empresas financiadoras e a importância doada por cada empresas, então eu acreditava ser possível que a sociedade (pobre e desatenta sociedade brasileira) poderia acompanhar e fiscalizar o comportamento do eleito e, em especial, acompanhar de forma crítica seus votos, inclusive, se possível, tentando mudar a legislação para que ele fosse impedido de votar ou participar de decisões que pudessem afetar ou ter o interesse da empresa ou empresas que o financiaram.
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Pois bem, transcrevendo o texto, à página 124: "A lógica do financiamento corporativo das eleições é clara. Como Aristóteles descreve em A Política: "Quando se gasta dinheiro para conseguiir um cargo público, naturalmente se espera que os compradores comecem a tentar ganhar com a transação."... E segue: citando uma lobista entrevistada, Anne Wexler, "é muito difícil ... ignorar alguém que doou centenas de milhares de dólares para a ... campanha. É obviamente mais fácil que essa pessoa tenha acesso ao político e o exponha a seus argumentos". (p.124).
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No capítulo final, em que apresenta algumas sugestões e propostas para reduzir a influência e o poder das corporações, tratando de fortalecer a democracia política, se vê:
". As eleições deveriam ser financiadas pelo poder público, as doações corporativas deveriam ser pouco a pouco eliminadas e o lobby e o fluxo pendular de pessoal entre o serviço público e as empreas deveriam ter mais restrições. Apesar de haver esjpaço para as corporações levarem suas questões ao governo e para cooperar com o governo em diversas iniciativas, elas hoje desfrutam um status especial de "parceiras" do governo, o que coloca em perigo o processo democrático. Pelo menos, sua influência deveria ser reduzida a um grau mais parecido ao de outras organizações..." (p. 197 e 198).
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Se aprovado o financiamento exclusivo de campanhas políticas por dinheiro público, a mera suspeição de uso de recursos privados em qualquer campanha, já deveria colocar o político em suspenso, com a cassação de seu mandato imediata, se comprovada a ajuda de um real que fosse para sua eleição, por qualquer agente privado, exceto seus próprios recursos.
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