segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A coisa pública

Graças a Deus, feriado. Mais um!
Agora a proclamação da República. Antes que me esqueça, e para que quem nos segue também não esqueça, daqui a 4 dias, dia 19 é o dia da Bandeira. Mas não é feriado, uma pena! Afinal, outro feriadão era tudo de bom. Especialmente para os shopping, para o turismo, para quem está precisando de ir praticando, já que daqui a quatro anos teremos a Copa do Mundo. E as Olimpíadas, em 2016.
Então, embora alguns lamentem e reclamem que tem muito feriado e interrupção de trabalho no país, a verdade é que, enquanto alguns setores de fato perdem o dia de trabalho e produção, outros faturam.
Se lembrarmos que a atividade de turismo é não poluente, que é geradora de grande nível de emprego, às vezes mais que os empregos que a indústria cada vez mais automatizada gera, então...
Mas, República, da expressão latina res publica,  diz respeito à coisa pública.
Isso em um país que, toda vez que no Congresso aparece ou é levantada a discussão de alguma sujeira vinculada à esfera política, daquelas bastante deploráveis, o termo das questões republicanas ganha destaque.
Porque aqui no país do futebol, o Estado, a expressão da representação da coisa pública, acabou se transformando naquilo que vários autores e filósofos já tinham manifestado: o espaço da cristalização das contradições de classe. E, como tal, diferente da idéia de Estado "burguês" que pairava acima e por sobre as classes sociais, no nosso caso, o Estado tornou-se o palco privilegiado da manifestação dos interesses de classe e da classe dominante, aquela detentora do poder econômico: a classe capitalista, cada vez mais representada por sua vertente financeira.
Por isso, o Estado cada vez mais privatizado. No dizer de Celso Furtado, o conjunto de instituições que privatiza o lucro e os ganhos, embora trate as perdas, essas sim, como coisas públicas.
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E, por se sentirem donos do mundo, senhores sem limites e acima de todas as regras, que devem sempre ser aplicadas aos inimigos, os outros, do lado de lá, mais uma vez temos em São Paulo, o exemplo vivo de uma coisa pública - a rua pública, a avenida, no caso a Paulista, símbolo da própria aristocracia financeira do país.
É de lá que vem o último caso de bárbarie, de agressão e selvageria, de cinco "playboys", donos do mundo e do espaço, personagens hodiernos da Laranja Mecânica que cada vez mais abandona a ficção para fixar-se no nosso cotidiano. Quatro deles menores de idade.
E, mesmo jovens, já definitivamente contaminados pelo germe do preconceito e da intolerância.
A agressão de que foram autores, a cinco rapazes cujo crime maior era estarem ocupando com eles o mesmo espaço público, a mesma manhã e a mesma avenida, é indefensável.
Pior quando se sabe que os cinco agressores aproveitaram-se para atacar, de surpresa, e em conjunto, a apenas um deles, já que o seu companheiro teve a sorte de escapulir incólume, pela estação do metrô.
Cinco valentões contra um apenas, e gay.
Essa aliás a razão do ataque.
E, por favor, não me venha a mãe de um dos agressores, justificar o ato covarde e - esse sim- muito pouco macho de seu filho, como o programa do Fantástico mostrou ontem, dizendo que DEVE ter havido alguma agressão MORAL perpetrada pelos rapazes homossexuais.
Caso clássico de transformar a vítima em agressor, pelo simples fato de ser outro. De pensar diferente. De agir e se comportar de maneira diferente. De não ser um dos nossos e, indigno, por esse motivo, de ocupar o espaço de que já apropriamos.
Ou seja: jovens de classe média alta, incentivados em alguns casos (sempre há as exceções) a cometerem atrocidades pelo próprio exemplo, pela própria noção de superioridade aprendida com os pais. Jovens que tiveram sempre a impunidade a marcar-lhes o comportamento, e por isso, julgam ter, mesmo na república, o rei na barriga.
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Por outro lado, enquanto nos Estados Unidos, "Eles matam cavalos" (genial filme de Sydney Pollack, indicado a vários Oscar e ganhador de pelo menos um deles, cujo nome original é "They Shoot Horses, Don't They?" cujo nome em português foi "A Noite dos Desesperados"., com Jane Fonda), e em cidade do interior de São Paulo alguém resolveu matar cachorros, em Maceió, chegamos ao ápice.
Afinal, em Maceió, eles sofisticaram e passaram a matar os moradores de rua. Com mais uma morte ontem, já são mais de 31 mendigos, a última uma mulher de 21 anos.
Mais uma vez, talvez alguém venha a justificar o ato homicida, como parte do processo de limpeza urbana e conservação de ruas e das paisagens aprazíveis da capital alagoana.
E, mais uma vez, comprova-se que não há lugar público que possa ser espaço para a convivência com aqueles que não têm e nem ostentam a condição de serem gente BEM.
Mas, em Maceió, são gangues de facínoras, bandidos milicianos que se acham, muito provavelmente, a mando e/ou a soldo de gente que quer ver a cidade cada vez mais limpa e decente.
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Dia 15 de novembro, data da comemoração da proclamação da República e, talvez a gente deveria aproveitar a data para uma reflexão profunda de como estamos ainda longe de respeitarmos as coisas públicas como elas deveriam ser respeitadas. Um espaço que comporta todas as diversidades. Um espaço que comporta todas as pessoas. Um espaço que comporta especialmente o respeito a todos e a cada um dos outros, sejam ou não da mesma condição social que a nossa. Porque, e antes de mais nada, ostentam todos a condição fundamental que define nossa sociedade: a condição humana.

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